Acórdão nº 11708/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução04 de Outubro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses veio, em representação e defesa da sua associada nº 27.370, enfermeira graduada Ana ..., interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, datado de 16 de Agosto de 2002, que, na sequência de processo disciplinar, aplicou à sua associada a pena disciplinar de multa, graduada em € 1.346,99.

A entidade recorrida respondeu, nos termos constantes de fls. 52/81 dos autos, pugnando pelo improvimento do recurso.

Notificado para apresentar alegações, veio o recorrente fazê-lo, tendo concluído do seguinte modo: "1 - A partir de uma "participação anónima" o Senhor Inspector-Geral da Saúde determinou a instauração de um "processo de averiguações", sob nº 1/99-PA.

1.1 - 0 "relatório" de tal "processo de averiguações" foi concluído em 29 de Março de 2000, apresentado ao Senhor Inspector-Geral da Saúde em 25 de Maio de 2000, que em 26 de Junho de 2000 determinou a instauração de procedimento disciplinar, no âmbito do qual a acusação foi deduzida em 11 de Outubro de 2001.

1.2 - Atentas as finalidades do "instituto" da prescrição do direito de procedimento disciplinar, aferidamente ao constitucional princípio básico da "dignidade da pessoa humana" [artigo 1º da CRP] - de que são "corolário" as postulações dos artigos 20º, nº 5, e 32º, nº 2, segundo segmento, da CRP, válidas em qualquer processo sancionatório, e sendo certo que a regra de prescrição de curto prazo fixada no artigo 4º, nº 2, do Estatuto Disciplinar, é independente das normas fixadas nos nºs 1 e 3 do mesmo preceito, associadamente com o "princípio da justiça" inscrito no artigo 266º, nº 2, da CRP, ocorreu a prescrição do direito de procedimento disciplinar.

1.3 - Pelo que, consequentemente, o acto recorrido está eivado do vício de violação de lei, por erro acerca dos pressupostos.

1.4 - Ou sob outro ângulo: na interpretação e aplicação que dele fez a Entidade Recorrida, o artigo 4º do Estatuto Disciplinar é inconstitucional, o que, consequencialmente, determina a invalidade do acto recorrido, fulminando-o de nulidade: é que, na nossa construção [aliás não vinculativa para o tribunal], uma norma inconstitucional é uma "não norma" [se é que não é mesmo uma "anti-norma"] e a existência de "base legal constitucionalmente válida" [e só o será à face do artigo 3º, nº 3 da Constituição], é dizer "norma de direito", é "elemento essencial" do acto administrativo [cfr. artigos 120º e 133º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo].

2 - No tempo certo e na forma devida a nossa representada prevaleceu-se da faculdade que a seu favor [em intenção da defesa, portanto] assinala o artigo 55º, nº 8 do Estatuto Disciplinar, e constituiu mandatário.

2.1 - A diligência por ela requerida foi realizada - mas o seu mandatário não esteve presente, porquanto para tal não foi notificado.

2.2 - Mas, salvo o merecido respeito, deveria o mandatário ter sido notificado, face ao artigo 208º da Constituição [o "patrocínio forense" tem, hoje, dignidade constitucional, com projecção também na chamada "justiça administrativa", atento o que se precipita do artigo 52º, nº 1, "in fine", do Código do Procedimento Administrativo, na sua actual redacção], associadamente com os artigos 20º, nº 4 [que operou uma "transposição explícita" para a nossa ordem jurídica do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem] e 32º, nº 1, também da Constituição - e que são aplicáveis no direito disciplinar [enquanto "ramo" do direito punitivo].

2.3 - Assim [e a não se entender que é caso de interpretação e aplicação conforme à Constituição e aos princípios nela consignados], na interpretação e aplicação que dele foi feita, o artigo 37º, nº 6, "in fine" do Estatuto Disciplinar, é inconstitucional, porque colidente com os artigos 20º, nº 4, 32º, nº 1, e 208º da Constituição - o que determina a invalidade do acto recorrido, fulminando-o de nulidade.

3 - Para fins disciplinares, "deveres" são todos aqueles que visam assegurar o bom e regular funcionamento dos serviços - e, salvo o merecido respeito, está adquirido com suficiente consistência [no contencioso administrativo tem pleno cabimento o "princípio da aquisição processual"] que:

  1. O horário de ambos os serviços era efectivamente prestado; b) A nossa representada não foi alvo de qualquer reparo ou censura, quanto à sua assiduidade e pontualidade [sendo que só o respectivo "superior hierárquico" tem, legalmente, competência para tal: artigo 14º, nº 1 do Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto]; c) Não houve qualquer consequência negativa na assistência prestada aos doentes; d) Nenhum prejuízo resultou para o Estado. Até porque, e) A nossa representada não auferiu qualquer retribuição a que não tivesse direito.

    3.1 - Assim, por erro sobre os pressupostos, o acto recorrido enferma do vício de violação de lei.

    3.2 - Ou, noutra perspectiva: face à factualidade consistentemente apurada o acto recorrido fez errónea interpretação e aplicação dos "critérios" da "razoabilidade", da "proporcionalidade" e da "equidade" ínsitos no "princípio da justiça" [cfr. artigo 266º, nº 2 da Constituição, e artigo 6º do Código do Procedimento Administrativo] e, por isso, está inquinado do vício de violação de lei de fundo, agravada.

    4 - Sob outro ângulo: com a constitucionalização do "princípio da boa fé" [artigo 266º, nº 2 da CRP, na versão da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro], foi importada para a actividade administrativa a proibição do "abuso de direito", tal como elaborado este princípio pela dogmática civilista, à face do artigo 334º do Código Civil.

    4.1 - Ora, face à factualidade consistentemente apurada "o objectivo a alcançar com a actuação empreendida" [palavras do artigo 6º, nº 2, b) do Código do Procedimento Administrativo] pela Entidade Recorrida ostensivamente "choca o sentido comum de justiça", criando uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito de punir e as consequências impostas à nossa representada - o que, salvo o merecido respeito, configura caso de abuso de direito [artigo 266º, nº 2 da Constituição, artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo, e artigo 334º do Código Civil], o que fulmina o acto recorrido de nulidade.

    5 - A nossa representada é, em sentido próprio e rigoroso, "funcionária", porquanto está provida em lugar do quadro de pessoal de Hospital de Nossa Senhora do Rosário [Barreiro] - e desempenhava também funções, em regime de acumulação, no Hospital do Montijo, conforme "autorização" que lhe foi concedida.

    5.1 - Assim, no Hospital do Montijo não era nem "funcionária" nem "agente" - e, pois, estava excluída do âmbito de aplicação do Estatuto Disciplinar [cfr. artigo 1º].

    5.2 - Porém, dos autos não resulta a prova [e é sobre o titular da acção disciplinar que tal ónus impende] de onde "teria" ocorrido o incumprimento do horário de trabalho: no Hospital de Nossa Senhora do Rosário, onde era funcionária? No Hospital do Montijo, onde não era nem funcionária nem agente? 5.3 - Ora, face a este relevantíssimo "non liquet" impunha-se a não punição - pelo que, por erro sobre os pressupostos, o acto recorrido está inquinado do vício de violação de lei.

    6 - 0 acto recorrido aplicou a pena disciplinar de multa - a qual constitui "receita do Estado" [cfr. artigo 89º do Estatuto Disciplinar] e, embora fixada em quantia certa, é parametrizada "às remunerações certas e permanentes... devidas ao funcionário ou agente à data do despacho condenatório" [cfr. artigo 12º, nº 2 do Estatuto Disciplinar].

    6.1 - Assim, por direitas linhas, aquela pena, no circunstancialismo concreto e preciso que dos autos ressumbra, consubstancia uma verdadeira e própria imposição de "trabalho gratuito", e, com isso, contende com o constitucional, e fundamental, "direito à retribuição" [cfr. artigo 59º, nº 1, alínea a) da Constituição] - o qual, de resto, é instrumentalmente indispensável do "direito à vida" [a "retribuição do trabalho" é garante de uma "existência condigna"].

    6.2 - Deste modo, a "norma de enquadramento" aplicada, por contender com a Constituição e os princípios nela consignados, é inconstitucional - o que determina a invalidade do acto punitivo, aqui contenciosamente recorrido, fulminando-o de nulidade [cfr. artigos 41º a 45º da p.i.]: é que, na nossa construção [aliás não vinculativa para o tribunal], uma norma inconstitucional é uma "não norma" [se é que não é mesmo uma "anti-norma"] e a existência de "base legal constitucionalmente válida" [e só o será à face do artigo 3º, nº 3 da Constituição], é dizer "norma de direito", é "elemento essencial" do acto administrativo [cfr. artigos 120º e 133º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo].

    7 - O procedimento disciplinar foi instaurado na sequência de "processo de meras averiguações", o que não constitui, legalmente, a fase de instrução do processo disciplinar - e neste a nossa representada exerceu o sei direito de não prestar declarações sobre o "objecto" do processo.

    7.1 - Assim, a "importação" para o processo disciplinar das declarações prestadas pela nossa representada no "processo de meras averiguações", postergando direito seu, é causa de nulidade insuprível - o que foi reclamado em sede de defesa [na visualização do artigo 42º, nº 2 do Estatuto Disciplinar], reiterado no recurso hierárquico necessário e que se trouxe ao petitório - invalidante do acto submetido ajuízo de censura contenciosa.

    8 - Por outro lado, a culpa é elemento indispensável à caracterização da infracção disciplinar - pelo que, na óptica do artigo 3º, nº 1 do Estatuto Disciplinar, as causas de exclusão da culpa previstas no Código Penal relevam em processo disciplinar.

    8.1 - Ora, e repetindo, dos autos ressumbra que:

  2. Não há notícia de quaisquer prejuízos na assistência prestada aos utentes; b) Nenhum prejuízo resultou para o Estado [a nossa representada não...

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