Acórdão nº 07P2585 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2007

Data20 Setembro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)
  1. O Tribunal Colectivo do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Esposende (proc. n.° 138/02.OTAEPS) julgou o arguido AA, pela prática de um crime de violação agravada dos art.ºs 164°, n.º 1, 177.°, n.ºs 1 e 3 e 178°, n.° 4, todos do C. Penal.

    No decurso da audiência de julgamento (6.7.2006), o arguido requereu o arquivamento dos autos por carecer o Ministério Público de legitimidade para o exercício da acção penal e por se verificar a caducidade do direito de queixa nos termos do art. 115° do CPP, o que foi indeferido, por despacho da mesma data.

    Inconformado recorreu o arguido em 21.7.2006 para a Relação (fls. 454-46 1).

    Veio a 1.ª Instância, por acórdão de 30.11.2006, a condenar o arguido na pena de 7 anos de prisão, pela prática daquele crime de violação agravada.

    Recorreu também o arguido dessa decisão para a Relação de Guimarães que negou provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão da 1.ª Instância.

    Ainda inconformado recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, suscitando as seguintes questões: - legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal e constitucionalidade da interpretação feita da norma do art. 178.º do C. Penal (conclusões 1.ª a 13.ª); - julgamento da matéria de facto, designadamente o reconhecimento da contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova, al.s b) e c) do n° 2 do art. 410° do CPP, violação do principio da livre convicção probatória, art. 127° do CPP e violação do princípio in dubio pro reo (conclusões 14.ª a 21.ª); - qualificação jurídica (conclusões 22.ª e 23.ª); - medida da pena (conclusões 24.ª a 26.ª).

    Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, que concluiu pelo improvimento do recurso, considerando encontrarem-se refutadas, na decisão recorrida, as teses do recorrente.

    Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público.

    Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência. No seu decurso, a Defesa pediu Justiça e o Ministério Público pronunciou-se pela confirmação da decisão recorrida, sustentando, em síntese, que a questão da legitimidade não era recorrível para o Supremo, uma vez que se trata de decisão proferida pela Relação em recurso, e não põe termo à causa. Quanto à matéria de facto, referiu que não é sindicável para este Tribunal e as instâncias não ficaram em qualquer estado de dúvida sobre essa matéria, não merecendo, assim, censura a qualificação jurídica. Quanto à medida da pena, acompanhou a posição da Relação que ponderara devidamente as circunstâncias invocadas pelo recorrente, lembrando que a demora no julgamento se deveu à retirada voluntária do recorrente para Espanha.

    Cumpre, assim, conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    É a seguinte a factualidade apurada pelas instâncias.

    Factos provados 1. O arguido casou com BB, em 14 de Fevereiro de 1987, de cujo matrimónio nasceram duas filhas: CC, nascida em 21 de Agosto de 1987; e, DD, nascida em 1992.

  2. Em dia não concretamente determinado do mês de Dezembro de 2001, cerca das 22 horas, no lar familiar, sito na Praceta da Lagoa, n°. ..., ...°. Esq., em Gandra, Esposende, fazendo-se valer do facto de se encontrar a sós com a sua filha mais velha, dadas as ausências da sua mulher e da sua filha mais nova, a primeira por razões de ordem profissional, e a segunda por se encontrar provisoriamente a cargo de um parente, o arguido formulou o propósito de se dirigir ao quarto da CC, então com 14 anos, com o intuito de satisfazer os seus ímpetos sexuais.

  3. Abeirando-se da CC, sem pronunciar qualquer palavra, o arguido encetou esforços no sentido de lhe retirar o pijama, ao que a mesma, em reacção e assustada com tal atitude, se dirigiu para a porta do quarto, em correria, com o intuito de se pôr em fuga.

  4. Porém, o arguido seguiu no seu encalço, tendo-lhe desferido um murro sobre as costas, após o que a logrou agarrar e colocar sobre a cama, onde a desnudou por completo, contra a vontade da mesma, que em vão esbracejava e chorava, pedindo àquele para não a molestar sexualmente.

  5. Enquanto a segurava por um dos braços, o arguido despiu as suas calças, deitou-se sobre a sua filha e introduziu-lhe o pénis na vagina, onde o friccionou durante cerca de cinco minutos, após o que se ejaculou no seu interior.

  6. Em consequência dessa relação sexual a CC engravidou, tendo nascido no termo normal da gestação, em 6 de Outubro de 2002, o menor EE 7. O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o intuito concretizado de manter relações sexuais de cópula completa com a sua filha, contra a vontade desta última; valendo-se para o efeito da sua destreza física, e tirando partido da menoridade da vítima, bem como do facto da mesma se encontrar, naquela noite, exclusivamente a seu cargo, sem a presença de qualquer outra pessoa; profanando assim a sua autodeterminação sexual, sem que tivesse recorrido a qualquer método anticoncepcional, tendente a evitar a gravidez da menor, que sabia poder ocorrer, como veio a suceder.

  7. Sabia ser proibida e punida tal conduta.

  8. O arguido trabalha na construção civil.

  9. É de modesta condição social.

  10. Evidenciava hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, apresentando, por vezes, sinais de adição etílica.

  11. Não tem quaisquer antecedentes criminais.

  12. Confessou ter mantido relações sexuais com a sua filha, CC.

  13. E demonstrou arrependimento pela prática desses factos.

    Factos não provados «Não provado que: As relações sexuais mantidas entre o arguido e sua filha, CC, tenham ocorrido durante o período compreendido entre os dias l0 a 31 de Dezembro de 2001.

    A CC, em reacção e assustada com a supra referida conduta do arguido se tenha refugiado debaixo da cama.» 2.2.

    No que se refere à legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, sustenta o recorrente que o Ministério Público não tinha legitimidade para o procedimento criminal, pois à data do facto ilícito já a ofendida era maior de 14 anos, pelo que estava dependente do direito de queixa, tendo legitimidade para tal as pessoas referidas no art. 113°, n° 3 do C. Penal (conclusão 1ª) e não resulta dos autos que o Ministério Público tivesse feito qualquer ponderação alicerçada em factos objectivos, não referindo designadamente porque relegou os titulares do direito de queixa (os referidos no n° 3 do art. 113° do C. Penal, designadamente a mãe da ofendida, a qual nunca apresentou qualquer queixa e até expressamente declarou não o querer fazer), pelo que o direito extinguiu-se pelo não exercício em 6 meses (art. 115° do C. Penal) (conclusão 2ª).

    O início do procedimento criminal pelo Ministério Público quando a vitima for menor de 16 anos se o interesse da vítima o impuser (conclusão 3ª), não é automático, exigindo a Lei, ao Magistrado do Ministério Público, que pondere a situação e equacione as vantagens e os inconvenientes apoiado em dados objectivos e que os expresse, para que se possa ajuizar se o interesse da vítima aconselha o desenvolvimento da acção (conclusão 4ª), o que não foi feito (conclusão 5ª), não tendo o Ministério Público justificado a sua legitimidade (conclusão 6ª).

    Mas mesmo que tal tivesse ocorrido à data da prolação do despacho para prosseguimento dos autos já a ofendida tinha completado 17 anos, cabendo à mesma exclusivamente, determinar ou não o prosseguimento dos autos, e querendo, deduzir a necessária queixa nos termos do n° 1 do art. 113.º e 49.° do CPP (conclusão 7ª).

    Como se viu do relatado, o recorrente colocou tal questão na 1.ª Instância e recorreu para a Relação da decisão que sobre ela recaiu. É, pois, a decisão proferida em recurso pela Relação que agora o recorrente pretende impugnar para este Supremo Tribunal de Justiça.

    Sucede, porém, que a decisão da Relação é, nesta parte irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Com efeito, se o art. 399.º do CPP proclama, como princípio geral, que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, logo o artigo seguinte enumera diversas decisões que não admitem recurso, e entre elas se contam os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa [art. 400.º, n.º 1, al.

    c)].

    Ora a decisão...

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