Acórdão nº 0140041 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Maio de 2001

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO FREITAS
Data da Resolução23 de Maio de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de Santa Maria da Feira, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum perante tribunal colectivo, dos arguidos Carlos... e Maria..., identificados nos autos, imputando-lhes, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. b), do Código Penal e de um crime de burla, p. e p. pelo artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a), conjugado com o artigo 212,º, al. b), todos do Código Penal.

O arguido Carlos... requereu a abertura de instrução, que correu termos no 1.º Juízo daquela comarca (proc. n.º .../00), invocando aí como fundamentos, além doutro, o da excepção de caso julgado quantos aos factos que integrariam o crime de burla.

Realizada a instrução, foi proferida decisão instrutória que julgou improcedente a referida excepção e pronunciou os arguidos pelos factos e disposições legais constantes da acusação.

Inconformado com a decisão instrutória quanto à improcedência da excepção de caso julgado, interpôs o arguido Carlos... o presente recurso, pugnando pela procedência da referida excepção quanto ao crime de burla e, consequentemente, pela despronúncia do recorrente quanto ao esse crime.

Da respectiva motivação extrai as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1 - O Douto Despacho de Pronúncia aqui recorrido pronunciou o ora recorrente pelos "MESMOS FACTOS", sem qualquer alteração ou acréscimo, que constavam de anterior acusação, e, foram dados como provados em Douta Sentença, transitada em julgado, que absolveu o aqui recorrente.

II) - Tendo mudado, apenas, a sua qualificação jurídica.

Na realidade, III) - Enquanto a primeira acusação, ou seja, a já julgada caracterizou, juridicamente, os factos como constituindo um crime de fraude na obtenção de crédito, o Despacho de Pronúncia aqui em causa considerou "OS MESMOS FACTOS" como integrando um crime de burla.

E, isto porque, IV) - Entendeu o mesmo Douto Despacho de Pronúncia que, NO NOVO PROCESSO, EMBORA PELOS MESMOS FACTOS, o Tribunal não está vinculado à qualificação dos mesmos efectuada numa sentença anterior, dado a qualificação jurídica ser livre.

Ora, V)- Face ao disposto no artigo 148.º do C. P. P. de 1929 (aplicável face à omissão do actual Código - vide Ac. Sup. Trib. Just. de 18/12/97, decidido por sentença, com trânsito em julgado, que os factos constantes dos autos não constituem infracção, não pode propor-se nova acção penal pelos "MESMOS FACTOS".

Sendo, assim, como é, VI)- E, tendo a Douta Sentença, transitada em julgado, decidido que os factos, actualmente, reproduzidos no Despacho de Pronúncia recorrido, se subsumam ao crime de falsificação de documento.

Não se pode, VII) - Em novo processo qualificá-los como constituindo crime de burla.

VIII) - Dado ofender-se o caso julgado constituído pela mencionada sentença.

IX) - Face à anterior Douta Sentença, o recorrente devia ter sido pronunciado, apenas, pela autoria de crime de falsificação de documento, DADO QUANTO A ESTE TER SIDO ABSOLVIDO DA INSTÂNCIA.

X)- E, nunca por crime de burla integrada, exactamente, pelos factos porque já fora absolvido por anterior Sentença, transitada em julgado.

XI) - Termos em que o Douto Despacho de Pronúncia recorrido violou, além do mais, o disposto no artigo 148.º do C. Proc. Penal de 1929, e, os artigos 358.º e 359.º do actual Código de Processo Penal.

* O Ex.mo magistrado do Ministério Público respondeu à motivação do recurso, defendendo o não provimento do recurso e a manutenção, na íntegra, do douto despacho de pronúncia, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.O recorrente foi absolvido da instância quanto aos factos que o M.mo Juiz, no processo n.º .../98, entendeu constituírem um crime de falsificação de documentos.

  1. A absolvição da instância do crime de fraude na obtenção de crédito não implica que o arguido, ora recorrente, não possa ser julgado e condenado pelo crime de burla, em virtude de, quanto a nós, não se verificar a excepção de caso julgado.

  2. De facto, os referidos crimes protegem essencialmente valores diferentes que são, no primeiro, a ofensa ao interesse da correcta aplicação dos dinheiros públicos nas actividades produtivas e, no segundo, os interesses patrimoniais do ofendido.

  3. Ora, não protegendo as referidas normas o mesmo bem jurídico e não havendo entre ambas qualquer concurso aparente, parece-nos também que não podemos falar de caso julgado em virtude do arguido ter sido absolvido da instância relativamente a um dos crimes.

  4. Assim, neste novo processo, nem o Ministério Público, nem o juiz de instrução, nem o futuro juiz de julgamento estão vinculados à qualificação jurídica dos mesmos efectuada numa sentença anterior.

  5. Não há nenhum impedimento a que o Ministério Público e o juiz de instrução considerem que os factos imputados ao recorrente não só integram a pratica de um crime de falsificação de documento, mas também a prática de um crime de burla.

  6. Aliás, o Acórdão n.º ./2000, de 04/05/2000, fixou jurisprudência no sentido de que no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1 e artigo 217.º, n.º 1, ambos do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes, o que, quanto a nós, acontece no presente caso (no mesmo sentido o Ac. do STJ de 19/02/92).

    * O M.mo Juiz "a quo" sustentou, tabelarmente, a decisão recorrida.

    * Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, após doutas considerações, concordando com a resposta do Ex.mo magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, exarou parecer no sentido do recurso não merecer provimento.

    * Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não houve resposta.

    *** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    A questão a resolver consiste em saber se se verifica, ou não, a excepção de caso julgado invocada pelo recorrente e que, concretamente, se traduz em saber se o arguido, - por ter sido julgado no processo n.º .../98 por factos qualificados como integrantes do crime de fraude na obtenção de...

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