Acórdão nº 1273/08.6PCSTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Instrução supra numerados que corre termos no Tribunal de Setúbal – JIC - encerrado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos FB e LS, imputando-lhes determinada factualidade que, no seu entender, consubstancia a prática: a) pelo primeiro, como co-autor, de um crime de coacção grave, previsto e punível pelo disposto nos artigos 154º, números 1 e 2, e 155º, número 1, al. a), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 10º, 14º, número 1, e 26º, todos do mesmo diploma; e, b) ao segundo, em concurso efectivo, como co-autor, de um crime de coacção grave, previsto e punível pelo disposto nos artigos 154º, números 1 e 2, e 155º, número 1, al. a), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 10º, 14º, número 1, e 26º, todos do mesmo diploma e de um crime de ameaça grave, previsto e punível pelos artigos 153º, número 1, e 155º, número 1, al. a), com referência aos artigos 10º, 14º, número 1, e 26º, todos do Código Penal.

I – S., Lda., assistente nos autos, a fls. 891 e seguintes, deduzir acusação particular contra RC, Unip. Lda. (actualmente denominada S – …. Unipessoal Lda., cfr. certidão de fls. 622) e LS, imputando-lhes a prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punível pelo artigo 187º, número 1, do Código Penal.

O Ministério Público não acompanhou tal acusação no que toca à arguida sociedade, tendo-o feito em relação ao arguido LS (fls. 969-970).

Inconformado com a decisão acusatória pública, veio o arguido FB requerer a abertura de instrução, com os fundamentos que constam do requerimento de abertura de instrução de fls. 980 e seguintes, onde nega ter praticado os factos que lhe são imputados, alegando que o arguido LS agiu por sua conta e risco, em desobediência aos deveres para ele decorrentes do contrato de agência que celebrou com a sociedade da qual era gerente à altura dos factos.

Declarada aberta a instrução, teve lugar o debate instrutório, no qual se decidiu: PRONUNCIAR, nos termos do disposto no artigo 308º, número 1, do Código de Processo Penal, para julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular LS, gestor de créditos, pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de coacção grave, previsto e punível pelo disposto nos artigos 154º, números 1 e 2, e 155º, número 1, al. a), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 10º, 14º, número 1, e 26º, todos do mesmo diploma e de um crime de ameaça grave, previsto e punível pelos artigos 153º, número 1, e 155º, número 1, al. a), com referência aos artigos 10º, 14º, número 1, e 26º, todos do Código Penal.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Setúbal o presente recurso, pedindo a sua procedência e requerendo que a decisão seja revogada, com as seguintes conclusões: 1- Na decisão instrutória proferida o Mm.º Juiz de Instrução decidiu pronunciar o arguido LS pela prática dos crimes de coacção grave e ameaça grave.

2- O facto de o inciso decisório ser omisso relativamente ao arguido FB, que requereu a abertura de instrução, constitui mera irregularidade, sanável oficiosamente a todo o tempo – artigos 308º, n.º 1, 118º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal e artigos 308º, n.º 2 e 283º, n.º 3, a contrario sensu, artigos 119º, 120º, n.º 2, e 123º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.

3- O presente recurso pretende impugnar a decisão instrutória proferida na medida em que se consideraram como não suficientemente indiciados os factos constitutivos da responsabilidade penal do arguido FB e, consequentemente, não foi pronunciado pelo crime de coacção grave que lhe foi imputado na acusação, nos termos do artigo 308º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

4- Indícios suficientes são aqueles dos quais resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles em julgamento, uma pena ou medida de segurança – artigo 283º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

5- Esta possibilidade razoável é uma possibilidade mais positiva do que negativa que resulta da apreciação de todos os indícios, sinais, vestígios, suspeitas, ou indicações existentes nos autos, na medida em que, logicamente relacionados e conjugados, permitem convencer quanto à existência do crime e seu responsável.

6- Nos autos, importa considerar os seguintes indícios: a. O arguido LS agiu sempre em nome e no interesse e proveito exclusivos da empresa “RC Unipessoal, Lda.”, da qual o arguido FB era sócio e gerente – cfr. doc. de fls. 339; b. Apresentou-se sempre como elemento de um grupo organizado de pessoas e de meios – a sociedade “Os S.F. – Recuperação de Créditos Unipessoal, Lda.” – que actuavam na actividade de cobrança de créditos, através dos procedimentos coactivos por si utilizados – cfr. os depoimentos das testemunhas MP (fls. 46), MM (fls. 48), S A (fls. 49), SG (fls. 348) e AM (fls. 350), PM (fls. 51 e 349), bem como a informação de serviço elaborada pelo agente da PSP Domingos (fls. 352), a cópia do cartão profissional de visita (fls. 234), e o aditamento ao auto de denúncia (fls. 57). Factualidade que foi considerada suficientemente indiciada pela decisão instrutória (artigos 7., 9., 12. 2 15. da matéria de facto considerada suficientemente indiciada pelo Mm.º Juiz de Instrução); c. Os cartões de visita fornecidos pela empresa “Os SF – Recuperação de Créditos Unipessoal, Lda.” aos seus funcionários, não continham a verdadeira identidade daqueles mas sim um nome fictício (tal como o do arguido LS que se identificou como “RA” – cfr. artigo 5. da matéria de facto considerada suficientemente indiciada pela decisão instrutória), o que traduz uma medida de encobrimento da actividade desenvolvida pela empresa, certamente devido a falta de licitude da mesma – cfr. cópia do cartão de fls. 234, informação de serviço de fls. 252, denúncia de fls. 227, recibos de fls. 1135 a 1142.

d. O arguido FB era chefe directo do arguido LS, facto que implica o recebimento de ordens e instruções concretas quanto ao modo de actuação – cfr. depoimento das testemunhas VB e VR ouvidas em sede de instrução (acta de fls. 1163 e 1164, gravados em CD no dia 24-1-2011, entre as 14:28:43 e as 14:37:20, desde 00:00:00 a 00:08:23 – depoimento de VB – e entre as 14:38:16 e as 14:48:34, desde 00:00:00 a 00:10:05 – depoimento de VR); e. O arguido FB conhecia o teor das queixas apresentadas nestes autos contra o seu colaborador LS por ameaça e extorsão, num momento em que tais condutas ainda decorriam, e declarou expressamente aprovar tais procedimentos – cfr. documento de fls. 1149 e 1150, e declarações do arguido FB de fls. 376 e 377.

  1. Em face deste conjunto de indícios, relacionados entre si, mostra-se fortemente provável a condenação do arguido FB em julgamento, em que a prova será valorada de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, sendo admissível, além do mais, o recurso a prova indirecta ou indiciária.

  2. Acresce que o arguido LS poderá sempre prestar declarações em audiência de discussão e julgamento e esclarecer qual o envolvimento nos factos do arguido FB, podendo daí resultar a sua responsabilização penal.

  3. O princípio in dubio pro reo é inaplicável em sede de instrução, porquanto o pressuposto da sua aplicação é incompatível com o critério de decisão e grau de convicção que se exige para a decisão instrutória.

  4. Deste modo, devem considerar-se suficientemente indiciados, além dos factos já assim considerados pela decisão instrutória, a totalidade dos factos constantes dos artigos 4º, 5º, 17º, 18º, 19º e 21º da acusação.

  5. Tais factos integram a prática: pelos arguidos FB e LS, como co-autores, de um crime de coacção grave, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, n.º 1 e 2, e 155º, n.º 1, alínea a), com referência aos artigos 14º, n.º 1, 26º, 22º e 23º, n.º 2, todos do Código Penal; e pelo arguido LS, em concurso efectivo, de um crime de ameaça grave, previsto e punido pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, alínea a), com referência aos artigos 14º, n.º 1 e 26º, todos do Código Penal.

  6. Pelos quais deverão ser ambos pronunciados.

  7. Ao decidir pronunciar apenas o arguido LS, não pronunciando o arguido FB como co-autor pela prática de um crime de coacção grave, na forma tentada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 308º, n.º 1 e 2, e 283º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como o preceituado nos artigos 154º, n.º 1 e 2, e 155º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Termos em que, e no mais que V. Exas. doutamente suprirem, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere suficientemente indiciados os factos descritos nos artigos 4º, 5º, 17º, 18º, 19º e 21º da acusação e decida pronunciar o arguido FB pela prática de um crime de coacção grave, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 154º, n.º 1 e 2, e 155º, n.º 1, alínea a), com referência aos artigos 14º, n.º 1, 26º, 22º e 23º, n.º 2, todos do Código Penal.

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi observado o disposto no n. 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

B - Fundamentação: B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo: Nos autos nº 1.273/08.6PCSTB-A.E1 que corre termos no Tribunal de Setúbal, encerrado o inquérito, para além dos factos que constam do relatório supra, é relevante o teor parcial do despacho de pronúncia: É este o teor parcial, na parte interessante, de despacho recorrido: “……Factos suficientemente indiciados: Com relevância para a decisão da causa, e tendo por base a factualidade e qualificação jurídica descritas no despacho de acusação – que define o thema decidendum da presente instrução - consideram-se suficientemente indiciados os seguintes factos: 1- O arguido FB é sócio e gerente da sociedade denominada “SC – Gestão de Créditos, Uni. Lda.” (à...

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