Acórdão nº 10113/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 28.6.2006 Banco intentou nos Juízos Cíveis de Lisboa acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra L M C, residente na Marinha Grande, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe determinada quantia em dinheiro, por alegado incumprimento de um contrato de mútuo, na modalidade de crédito ao consumo, que com ela celebrou em 17 de Janeiro de 2003. Alegou, além do mais, que aquele era o tribunal competente, por as partes o terem elegido no contrato supra referido, sendo inconstitucional a Lei nº 14/2006, de 26.4, na parte em que altera a redacção do art.º 110º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, na interpretação que permita a aplicação do disposto no referido artigo a contratos celebrados anteriormente à publicação da referida lei em que as partes tenham optado, nos termos do art.º 100º, nºs 1 a 4 do Código de Processo Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos tribunais em razão do território.

Distribuído o processo ao 5º Juízo Cível de Lisboa, 1ª Secção, o Sr. Juiz proferiu despacho que declarou aquele tribunal territorialmente incompetente para tramitar e decidir aquela acção e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da comarca da Marinha Grande, por ser o territorialmente competente para o efeito.

A A. agravou do aludido despacho e apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões: (i) O despacho recorrido ao aplicar o disposto na alínea a), do n° 1 do artigo 110° do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento o que consta do contrato aos mesmos junto com a petição inicial, em que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100°, n°s. 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos e 12°, n°s. 1 e 2, do Código Civil; (ii) O despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do n° 1 do artigo 110° do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, ao não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100°, n°s. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110° do mesmo normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo n° 1, é inconstitucional por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignados no artigo 18°, n°s. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa; (iii) Impõe-se, pois, como se requer, a procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido, desta forma se fazendo Justiça.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO Este recurso tem por objecto a determinação de qual o tribunal competente, quanto ao território, para julgar o presente litígio. A sua solução pressupõe a apreciação de duas questões: se ao caso sub judice são aplicáveis as alterações introduzidas pela Lei nº 14/2006 de 26 de Abril às regras de atribuição da competência territorial dos tribunais em processo civil; no caso de resposta positiva a essa questão, se essas regras, com essa interpretação, são inconstitucionais.

Haverá que levar em consideração o seguinte circunstancialismo: 1. Na acção sub judicio a A. exige o cumprimento de obrigações emergentes de um contrato de mútuo, na modalidade de crédito ao consumo, celebrado entre a A. e a R. em 17.01.2003.

  1. A A. alega que o incumprimento iniciou-se em 10.12.2005.

  2. O contrato supra referido foi reduzido a escrito, e nele ficou consignado que "para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro".

  3. À data da celebração do contrato a R. tinha domicílio em Portela, Marinha Grande, local onde, segundo alegou a A., continuava a residir à data da propositura da acção.

  4. A A. tinha e tem a sua sede em Lisboa.

  5. A acção foi proposta em 28.6.2006.

O Direito Primeira questão (aplicação no tempo da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril) À data da celebração do contrato, o nº 1 do art.º 74º do Código de Processo Civil estipulava que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, seria proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devesse ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.

Quanto ao lugar do cumprimento das obrigações, às obrigações pecuniárias aplica-se, supletivamente, o art.º 774º do Código Civil, nos termos do qual a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

Assim, à data da celebração do contrato, desconsiderando a cláusula atinente ao pacto de aforamento, o tribunal territorialmente competente para dirimir litígios dele emergentes era o da comarca de Lisboa ou o da comarca de Marinha Grande, à escolha da A.. Porém, as partes acordaram, por escrito, em atribuir a competência jurisdicional exclusivamente à comarca de Lisboa, o que lhes era permitido pelo art.º 100º nº 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil, com a ressalva prevista no mesmo preceito, que são os casos a que se refere o artigo 110º do mesmo código. Neste artigo 110º, em que se enunciam as situações em que o tribunal pode conhecer oficiosamente da sua incompetência quanto ao território, não se incluíam, à data da celebração do contrato, litígios como o dos autos, ou seja, os integrados na previsão do nº 1 do art.º 74º do Código de Processo Civil.

Assim, antes da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, a comarca de Lisboa seria a competente para conhecer do litígio.

A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que entrou em vigor em 31 de Abril deste ano (art.º 2º nº 2 da Lei nº 74/98, de 11.11), modificou o nº 1 do art. 74º do Código de Processo Civil, passando a estipular que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana. Assim, quando o réu é pessoa singular, o tribunal competente será o do seu domicílio, ou um tribunal localizado na área metropolitana de Lisboa, quando tanto o credor como o réu tenham domicílio nessa área metropolitana.

Por força da alteração introduzida pela mesma Lei ao art.º 110º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, o juiz deve zelar pelo cumprimento dessa norma de competência territorial, pois a sua violação passou a ser de conhecimento oficioso. Assim, por força da referida ressalva contida no art.º 100º nº1 do Código de Processo Civil (a de que as partes não podem afastar a aplicação das regras de competência em razão do território nos casos a que se refere o art.º 110º), as partes deixaram de poder validamente convencionar o afastamento da aplicação de tal regra. Quer isto dizer que, à luz do novo regime legal, em contratos como o dos autos o tribunal competente, quanto ao território, para dirimir os litígios dele emergentes, é o da comarca de Marinha Grande.

O pacto de competência ou de aforamento convencionado pelas partes era válido à data em que foi celebrado. Após a entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, os pactos de aforamento que forem celebrados com sentido idêntico ao do sub judice são nulos, por violarem disposição legal de carácter imperativo (art.º 294º do Código Civil; qualificando de nulidade o vício de que enfermam pactos de aforamento contrários às regras de competência territorial, vide Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 185).

Põe-se, assim, um problema de aplicação da lei no tempo, ou seja, de apurar, de entre os conjuntos de normas que tocam a mesma situação jurídica, qual o que a irá regular: a "lei antiga" ou a "lei nova".

No nosso direito ordinário, a regra é a de que a lei só dispõe para o futuro, ou seja, não tem efeitos retroactivos (art.º 12º nº 1 do Código Civil): e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (art.º 12º, nº 1, 2ª parte).

Explicitando o teor do nº 1, o nº 2 do art.º 12º vem como que definir o que são e o que não são factos passados e efeitos dos factos passados, sendo certo que aos factos passados e aos efeitos dos factos passados aplica-se a lei antiga (J. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Livraria Almedina, 1968, pág. 354). Esse número estipula que "quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo...

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