Acórdão nº 4290/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução20 de Março de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I1-No processo nº 46/4.0TAVPT, que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Porto, interpôs o assistente P… recurso da decisão instrutória de fls. 267-275, que não pronunciou as arguidas M… e Pa…, pelo crime de difamação por que vinham acusadas.

Alega o recorrente, em síntese, que o despacho de não pronúncia deve ser revogado, porquanto: - Os documentos juntos pelas arguidas com o requerimento de abertura de instrução, entrado a 25 de Janeiro de 2006, não permitem concluir, ao contrário do que fez a Mma Juiz de Instrução, que não resultam dos autos indícios suficientes da prática, pelas arguidas, do crime de difamação, por que vinham acusadas.

2- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

3- Vieram as recorridas alegar que com o presente recurso, o assistente visa exclusivamente o reexame de matéria de facto (art. 428º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP)), impugnando a decisão de não pronúncia pelo crime de difamação de que as arguidas Ma… foram acusadas, devendo o despacho recorrido ser mantido uma vez que fez a correcta apreciação dos factos. O recurso deve, deste modo, ser rejeitado.

4-O Ministério Público (MP) junto do Tribunal de 1ª Instância, na sua resposta, entendeu que a conduta das arguidas se encontra devidamente justificada, concordando com a decisão da Mma Juiz a quo em não submeter a causa a julgamento, devendo o recurso improceder.

5-Os autos subiram a este Tribunal, onde a vista a que corresponde o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador - Geral Adjunto entendeu que o recurso não merece provimento, mantendo-se o despacho recorrido.

6- Cumprido o art.417º do CPP, nada foi dito.

7-Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II 1- Recordemos o teor do despacho recorrido (transcrição): P…, Assistente, deduziu acusação particular contra M… e Pa…, imputando-lhes a prática de factos que, no seu entender, se subsumem à prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo art. 180º, 183º, e 184º e 132º, nº 2, alínea j), todos do Cód. Penal, em co-autoria material e sob a forma consumada.

O Ministério Público acompanhou a acusação quantos aos factos mas não quanto à respectiva qualificação jurídica, por entender que os mesmos consubstanciam a prática, pelas Arguidas, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Cód. Penal.

Não se conformando, as Arguidas requereram a abertura de instrução alegando, em síntese, que as expressões que lhes são imputadas foram tidas não perante terceiros na verdadeira acepção da palavra mas sim e apenas perante este Tribunal, no âmbito de um processo de regulação do exercício do poder paternal. Como tal, fizeram-no cumprimento de um dever perante um órgão de soberania, a quem têm de ser transmitidos todos os elementos indispensáveis à decisão.

Concluíram, assim, pela sua não pronúncia.

* Realizou-se o debate instrutório com observância das formalidades legais.

* O Tribunal é competente.

Da legitimidade do Assistente para a acusação particular: Pelas exactas razões enunciadas pelo Ministério Público a fls. 161 e 162, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, entende-se que os factos constantes da acusação particular são susceptíveis de, em abstracto, integrarem a prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Cód. Penal e não, como diz o Assistente, com a agravação prevista no artigo 183º ou 184º, este com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea j), do mesmo Código.

Não integra o artigo 183º porque não é correcto afirmar que as declarações prestadas no âmbito de um processo de alteração da regulação do exercício do poder paternal são facilmente divulgáveis (bem pelo contrário); e não é correcta a aplicação que o Assistente fez dos artigos 184º e 132º, nº 2, alínea j), pois que o ofendido não se encontrava no exercício das suas funções nem se vislumbra, dos factos, que as expressões tenham sido proferidas por causa dessas funções.

Aliás, e como já salientou o Ministério Público, a agravação, a existir, excluiria a legitimidade do Assistente para deduzir a acusação particular, porquanto nos encontraríamos perante um crime semi-público - artigo 188º, nº 2, do Cód. Penal, e artigos 49º, nº 1, 50º, nº 1 e 285º, nº 1, todos do Cód. de Processo Penal.

* O Assistente tem legitimidade para exercer a acção penal.

Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito da causa.

* Nos termos do art. 286º, nº 1, do Cód. Proc. Penal, "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Daqui se conclui que a instrução não equivale a um julgamento antecipado, como também não pode ser confundida como uma continuação do inquérito - ela visa tão-só uma comprovação (ou não) da decisão do Ministério Público.

Assim, importa neste momento, e tendo em conta o disposto nos arts. 308º, n.º1 e 283º, nºs. 1 e 2, do C.P.P., apreciar da existência nos autos de elementos probatórios suficientes que permitam concluir pela existência de uma possibilidade razoável de que as Arguidas venham a ser condenadas pela prática do crime que lhes foi imputado na acusação particular (com a qualificação jurídica supra enunciada) e, consequentemente, de lhes vir a ser aplicada uma pena.

Por outras palavras, está em causa apurar se nos autos existem indícios suficientes de que as Arguidas cometeram o crime de difamação.

Vejamos.

* De harmonia com o disposto no art. 182º do Código Penal, à difamação verbal é equiparada aquela que é feita por escrito. Encontrando-se as declarações das Arguidas formalizadas por escrito, apreciemos, pois, se há indícios de que as mesmas praticaram este crime. Para o efeito, considero e declaro reproduzidas as razões de facto que, não conclusivas, constam da acusação particular e do requerimento de abertura de instrução (art. 307º, nº 1, do Cód. Proc. Penal), designadamente que: v A Arguida M… e o Assistente têm uma filha comum, menor, de nome Carolina.

v Em Junho de 2003, o Assistente e a Arguida M… foram observados por Carlos Alberto de Mesquita Carvalho, que exerce e assina como especialista em Psicologia Transpessoal.

v Por "Relatório Analítico" datado de 22/06/2003, Carlos Carvalho declarou que, após ter consultado P… durante 4 horas, concluiu que o mesmo "tem aspectos de imaturidade e comportamentos oscilantes e paradoxais".

v O Assistente, que acompanhou a Arguida a uma consulta médica com Jorge Faro da Costa, que exerce e assina como Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar, declarou em 09/06/2004, que se apercebeu que o Assistente se tratava "de uma pessoa com grau de dependência materna pouco esperável na sua idade", e que tinha "um grau de imaturidade evidenciado pela sua incapacidade de assumir a sua quota parte de responsabilidade na situação vivida pelo casal. Para além disso, e baseado também em informações transmitidas quer pela S... quer pelos seus pais, parece-me ter uma tendência autoritária para com terceiros (por exemplo para com o filho mais velho da sua companheira e a sua própria filha), que poderá ser explicada como compensação da relação de dependência em relação à sua mãe".

v A Arguida M… dirigiu-se com a filha Carolina a uma consulta com a Arguida Pa…, que exerce e assina como Psicóloga Clínica Especialista em Neuropsicologia Infantil, para que esta procedesse a um estudo clínico da menor.

v Nessa sequência, a Arguida Pa… elaborou uma Informação Clínica datada de 27/01/2004, onde fez constar, além do mais, que "A Carolina, de 3 anos e meio, esteve nesta consulta com a mãe por apresentar alguma instabilidade emocional em relação à figura do pai. (…) Segundo os profissionais que avaliaram o pai da Carolina, este apresenta uma instabilidade emocional, tendo problemas do foro psiquiátrico que não assume nem quer ajuda para superar as suas dificuldades. (…) Seria aconselhável neste momento as visitas do pai serem suspensas, até o pai da menor ser capaz de resolver a sua instabilidade emocional e ser capaz de manter uma relação saudável com a Carolina (…). Na minha opinião, a presença do pai na vida desta criança será importante para o seu desenvolvimento, desde que não ponha em risco a estabilidade e integridade desta e quando o pai perceber qual deverá ser o seu papel nesta relação e a forma correcta de agir com a filha. A Carolina vai continuar a ter acompanhamento psicológico, de forma a que perca os medos que tem e que possa ter uma percepção diferente em relação ao pai, pretendendo-se que veja este não como um intruso mas como alguém que lhe poderá dar afecto".

v No dia 3 de Maio de 2004, a Arguida M… fez dar entrada das suas alegações neste Tribunal, para serem juntas ao processo que corria termos sob o nº 74/03.2TBVPT-A e que se destinava a alterar a regulação do exercício do poder paternal referente à menor Carolina.

v Tais alegações foram acompanhadas da Informação Clínica subscrita pela Arguida Pa....

* Estes são, no essencial, os factos.

* O Direito: Comete o crime de difamação "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo" - art. 180º, nº 1, do Cód. Penal.

A incriminação em apreço constitui uma tutela do direito à honra, bem jurídico constitucionalmente protegido, atento o disposto no art. 25º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que a todos...

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