Acórdão nº 848/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | JOÃO GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 26 de Junho de 2007 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Processo Comum perante Tribunal Singular que corre termos no 2º Juízo Criminal de S. .. com o n° 37/04., por despacho proferido em 06 de Novembro de 2006, a fls. 130-131 destes autos de recurso, a Mmª. Juiza, por considerar que a acusação, deduzida contra a cidadã chinesa W Q, pela prática de um crime de contrafacção, p. e p. pelo artigo 324º do Código da Propriedade Intelectual, aprovado pelo Dec-Lei nº 36/2003, de 5-3, não havia sido notificada à arguida devidamente traduzida determinou a remessa dos autos ao Ministério Público.
*Inconformado com uma tal decisão, dela interpôs o Mº Pº o presente recurso, pedindo a sua procedência, para que se revogue o despacho recorrido, substituindo-o por outro que, pronunciando a arguida, remeta os autos ao Tribunal competente para julgamento, com as seguintes conclusões: 1 - Há contradição na decisão que, decidindo da invocação de uma irregularidade consistente na falta de notificação e falta de trânsito em julgado de uma outra decisão, afirma que tal decisão é uma ordem irrecorrível e irreclamável mas acrescenta que é possível recurso; 2 - É igualmente contraditório afirmar que tal decisão só tem de ser notificada ao Ministério Público c conclui indeferindo à invocação da irregularidade da falta de notificação; 3- Pelo que se verifica a invalidade prevista no art. 410º, nº 2, al. b) do CPP; 4 - Do despacho recorrido resulta que a Mmª Juiz a quo entende que quando detecta uma irregularidade aquando da prolação do despacho a que alude o art. 311º, nº 1 do CPP não tem de notificar nenhum dos intervenientes porque está tão-só a determinar uma correcção por ordem irrecorrível e irreclamável; 5 - Contudo, o despacho proferido nessas circunstâncias tem de ser notificado nos termos do art.111º do CPP a todos os sujeitos processuais porque todos são afectados por tal decisão uma vez que implica a devolução dos autos, o protelamento do processo e a eventual realização de ulteriores diligências; 6 - É inconstitucional a interpretação do art. 311°, nº 1 e 123º do CPP no sentido de que é possível proferir uma ordem irrecorrível e irreclamável, ao Magistrado do Ministério Público para corrigir uma mera irregularidade por violar a autonomia daquela Magistratura, prevista no art. 219º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa; 7 - A não notificação de tal despacho ordenando-se a imediata remessa dos autos ao Ministério Público coarcta o exercício do direito a recorrer violando o artigo 399º e 401º, nº 1, al. a) do CPP; 8 - No despacho a que alude o artigo 311º, nº 1 do CPP não pode, entendendo-se que se está perante uma qualquer nulidade dependente de arguição, dar relevância à mesma para efeitos de determinar a devolução dos autos, devendo, ao invés, ter-se considerado sanada, prosseguindo os autos; 9 - Tal decisão é contraditória com a afirmação de que se trata de uma irregularidade que poderá afectar a validade de um acto e se determina a respectiva correcção, nomeando-se um intérprete quando dos autos resulta que tal intérprete fora já nomeado, como aliás, se dá conta no próprio despacho; 10 - Não há nulidade relativa ou outra invalidade se num processo é nomeado intérprete a arguido de nacionalidade chinesa, porque o mesmo visa possibilitar, sem custos, a garantia da compreensão dos actos processuais que lhe são efectuados, não sendo imposta a tradução da acusação em língua chinesa por qualquer preceito; 11 - Não é invocável o art. 92° n.º 3 do CPP porque este diz respeito à tradução de documentos em língua estrangeira; 12 - Aliás, é nula a notificação de acusação em língua chinesa em face do preceituado no artigo 92, nº 1 do CPP; 13 - Estando a situação processual do arguido devidamente acautelada com a nomeação de um intérprete, que se mantém para os demais actos do processo e de defensor oficioso que tem deveres deontológicos que visam a protecção da sua posição igualmente; Pelo que se deve dar provimento ao recurso, revogando-se os doutos despachos recorrido e ordenando-se a prolação de despacho que receba a acusação.
*Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da total procedência do recurso.
*Foi observado o disposto no n" 2 do ar1. 417° do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
******B.1 - Fundamentação: São estes os elementos de facto relevantes e constantes do processo: 1) Em 4 de Maio de 2005, nos serviços do Ministério Público de …, foi nomeada intérprete de língua chinesa Z Y C, residente em A, "para proceder às diligências necessárias no âmbito do inquérito nº 34/04.".
2) Nessa mesma data e no destacamento fiscal de S da Brigada Fiscal da GNR foi W Q constituída arguida, notificada dos seus direitos, inquirida e prestou termo de identidade e residência naqueles autos de inquérito.
3) Em 16 de Maio de 2005 Z Y C apresentou, em requerimento dirigido ao Exmº Procurador-adjunto, nota de despesas (incluindo as despesas de deslocação de 110 km entre A e S) e solicitou a fixação de honorários pelos serviços prestados em 4 de Maio de 2005.
4) Apresentou novo requerimento em 20-01-2006 dando conta de alteração de regime de IVA a incidir sobre os honorários.
5) Em 27-02-2006 o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de S, com vista a julgamento, em processo comum, por Tribunal Singular, deduziu acusação contra a cidadã de nacionalidade chinesa de nome W Q, casada, comerciante, natural da China, nascida a 30-11-1975, ……., residente na Av. ………S, por os autos indiciarem suficientemente que (transcrição): "No dia 28 de Dezembro de 2004, pelas 10,30 horas, no seu estabelecimento comercial, sito na Rua A, nº 5 B, S, W Q tinha colocados em exposição, para venda ao público, 25 casacos apresentando no forro e gola tecido com o padrão xadrez a imitar o da marca Burberry's.
Tais peças encontravam-se em exposição por se destinarem à venda a preço não determinado.
Contudo, estes produtos não eram originais daquela marca, porquanto: os acabamentos eram de qualidade inferior, o modelo de casaco não corresponde aos modelos originais da marca, a etiqueta de composição e lavagem e a etiqueta colocada no interior do colarinho com os dizeres Youngyou não têm correspondência ao original.
O padrão em causa era reprodução da gravura da marca mista n.º 145.838 propriedade de Burberry Limited.
A totalidade das peças de vestuário não foram fabricadas nem comercializadas pela marca respectiva.
No entanto, eram susceptíveis de induzirem o consumidor médio a pensar que se tratava de verdadeiro produto desta.
Sabia a arguida que tais peças de vestuário não eram originais da marca, mas adquiriu-as e pô-las em circulação, pretendendo vendê-las, como se fossem autênticas, guardando o lucro inerente.
Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei, pretendendo lucrar patrimonialmente.
Pelo exposto, cometeu um crime de contrafacção, p. e p., pelo artigo 324° do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 36/2003 de 5-3; PROVA: Pericial Auto de perícia de fls.55 e segs, auto de apreensão de fls.4, fotografias fls. 6 e 60, fls. 7 a 19, 28,; Testemunhal - A R C - GNR -BF; - A F J - idem; ……… Cumpra o disposto no artigo 277º, n° 3 do C.P.P., " ex vi" do disposto no artigo 283º, n° 5, do mesmo diploma legal".
6) Em 25-05-2006 (fls. 114) consta dos autos o formulário de notificação da acusação à defensora oficiosa da arguida.
7) Em 26-05-2006 (fls. 113) é enviada à arguida, em língua portuguesa, o formulário de notificação (habitual) da acusação deduzida.
8) Em 28-06-2006 os autos são remetidos electronicamente ao Tribunal Judicial de S para distribuição.
9) Em 17-06-2006 a Mmª Juíza do 2º Juízo Criminal de S lavra o seguinte despacho: "Em sede...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO