Acórdão nº 74/07-3 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSILVA RATO
Data da Resolução22 de Março de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

* PROCESSO Nº 74/07 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA "A" intentou contra o Centro Nacional de Pensões, actualmente Instituto de Solidariedade e Segurança Social, a presente acção de simples apreciação positiva, sob a forma de processo ordinário.

Alegou para o efeito, em síntese, que viveu em união de facto com o falecido "B" durante cerca de vinte e cinco anos. Devido à sua idade e ao seu estado de saúde não pode trabalhar, nem dispõe de rendimentos suficientes para o seu sustento. Não tem descendentes ou ascendentes que lhe possam prestar alimentos. As suas duas irmãs tem uma situação económica precária e o falecido não deixou bens.

Pede que se reconheça a qualidade de titular das prestações por morte a atribuir pelo Réu.

Citado, contestou o Réu, admitindo os factos alegados nos arts. 6.°, 7°, 8.° e 11.° da petição inicial e impugnando os restantes.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.

Inconformada veio a A., interpor recurso de apelação, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões: 1ª. A autora, ora recorrente, é uma pessoa de idade avançada que a impede de trabalhar.

  1. A sua única fonte de rendimento é a pensão que aufere mensalmente atribuída pelo Centro Nacional de Pensões, no valor de € 225,33, a título de pensão de sobrevivência.

  2. Partilhou, durante pelo menos quinze anos, mesa, leito, habitação e despesas domésticas com "B", como se de marido e mulher se tratasse, sendo assim vistos pelas pessoas que com eles se relacionavam.

  3. As duas irmãs da ora recorrente, não lhe podem, de forma alguma, prestar alimentos em virtude de ambas haverem falecido entre a propositura da acção e a presente data.

  4. A autora não pode obter alimentos da herança aberta por óbito de "B", visto este ter herdeiros legitimários e não ter disposto, para depois da morte, dos seus bens, ou parte deles, a favor da autora, ora recorrente.

  5. E o próprio Tribunal a quo que concluiu que a autora, ora recorrente, carece de alimentos. "(...) In casu (...) apesar de se poder concluir que a autora carece de alimentos (..)". (o sublinhado e nosso) .

…, ponderadas todas as circunstancias expostas e as demais que doutamente se dignarão suprir, hão-de decretar, ... , a revogação da douta Sentença sob recurso, ... " O Réu deduziu contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***Na sentença foram considerados assentes os seguintes factos: "B" faleceu no dia 20 de Abril de 2000 (A).

"B" era beneficiário da Segurança Social com o n.º …(B).

"B", à data do seu óbito, encontrava-se na situação de aposentado, auferindo uma pensão mensal no valor de 126,20 € (C).

A autora está actualmente reformada e aufere mensalmente a quantia de 225,33 €, a titulo de pensão de sobrevivência atribuída pelo Centro Nacional de Pensões (D).

A autora tem 74 anos e é solteira (E e F).

A autora e "B", durante pelo menos quinze anos, partilharam mesa, leito, habitação e despesas domésticas como se fossem marido e mulher, sendo assim vistos pelas pessoas que com aqueles se relacionavam (arts. 1.0 a 5.0).

Por causa da sua idade, a autora não pode trabalhar (12.° e 13.º).

***III. Nos termos dos art.ºs 681°, n.º 3 e 690°, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660° do mesmo Código.

A questão suscitada no recurso constitui uma velha polémica, a de saber quais os pressupostos de facto necessários ao reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência e designadamente a quem incumbe a prova dos elementos negativos da causa de pedir neste tipo de acções.

O STJ entendeu e maioritariamente continua a entender «que nestes casos, para a obtenção da pensão de sobrevivência, deveria o autor alegar e provar o seguinte: 1) vivência do autor, em condições análogas às dos cônjuges, com a(o) beneficiária(o) falecida(o) durante um período superior a dois anos; 2) inexistência ou insuficiência de bens da herança da(o) falecida(o) para o efeito; 3) inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por partes dos familiares do autor a que aludem as alíneas a) a d ) do art° 20090 do Código Civil; 4 ) necessidade de alimentos por parte do autor».

Neste sentido vai o Aresto de 28.09.2006, proferido pelo STJ no processo n.º 06B2580, em que foi Relator o Sr. Conselheiro Oliveira Barros (vide site dgsi), que passamos a citar: Seguiu-se a Lei nº 7/2001, de 11/5, que, com quase decalque, no mais, da anterior, alargou a previsão das precedentes, passando a ser tidas em consideração as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo. Isto por igual adiantado, são do C.Civ. os preceitos citados ao diante sem outra indicação.

Determinado no nº 1° do art. 8º do DL 322/90, de 22/10, que o direito às prestações previstas nesse diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontram na situação prevista no nº 1° do art. 2020°, o nº 1° deste estabelecia que aquele que, no momento da morte da pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tinha direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos da alínea a) a d) do art. 2009°; e no nº 1 do art. 2009° estabelecia-se que estão vinculados à prestação de alimentos, por essa ordem: a) - o cônjuge ou o ex-cônjuge ; b) - os descendentes ; c) - os ascendentes; d) - os irmãos.

No que respeita aos requisitos necessários para o reconhecimento da qualidade de titular do direito à prestação de pensão de sobrevivência, vieram a desenhar-se na jurisprudência duas correntes.

De acordo com uma delas, que buscava fundamento em princípios constitucionais, basta ao pretendente da pensão provar que viveu com o beneficiário do regime da segurança social em união de facto por prazo superior a 2 anos (8) .

Segundo França Pitão, em "União de Facto no Direito Português " (2000 ), 189 e 190, basta para este efeito a prova dos requisitos legais da eficácia da união de facto, sendo "irrelevante nesta matéria saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento desta".

Tal assim porque, no parecer deste autor, "ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência decorrente do "aforro" (…) efectuado pelo seu falecido companheiro ao longo da sua vida de trabalho, mediante os descontos mensais depositados." Em tais termos, manifesta-se sem sentido, e por isso, inútil, fazer depender a atribuição da pensão de sobrevivência da demonstração da necessidade de alimentos. E nem também a lei faz depender essa atribuição da exigência dos mesmos, em acção de alimentos, a quem estaria obrigado a prestá-los. Com efeito, e como já notado, já o nº 5° do art. 6° da Lei nº 135/99, de 28/8, previa expressamente que " o requerente pode propor apenas acção contra a instituição competente para a atribuição das prestações".

A orientação que tem prevalecido (9), é, no entanto, a de que, dependendo esse direito da verificação dos pressupostos do art. 2020°, impende sobre o pretendente da pensão de sobrevivência o ónus da prova não apenas da união de facto com os requisitos exigidos, como ainda da carência efectiva da prestação de alimentos, da impossibilidade de os obter das pessoas obrigadas a essa prestação, ou seja, dos familiares referidos nas als. a) a d) do nº 1 do art. 2009°, e da inexistência ou insuficiência dos bens da herança do falecido para os prestar, ou seja, da impossibilidade de os obter dessa herança.

Assim parecem entender Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. e ed. cits., 136 e 137. Ora como se. vê dos arts.8°, nº 1, do DL 322/9Q de 18/10, 3°, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/l, 6°,nº 1, da Lei nº 135/99, de 28/8, e 6°, nº 1, da Lei nº 7!2001,de 11/5, todos esses diplomas legais remetem para o art. 2020°, cujo regime é justificado no ponto 46 do relatório do DL 496/77,de 25/11, que reformou o C. Civ.

Assume-se aí que "não se foi além de um esboço de protecção, julgado ética e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal".

Daí, desde logo, que não seja de aceitar a interpretação restritiva propugnada pela recorrente. Em vista da referência que se faz ao art. 2020° no art.6°, nº 1, da Lei nº 7/2001, de 11/5, uma tal interpretação revelar-se-ia, afinal, abrogatória, em parte, da exigência constante da parte final daquele dispositivo, referida ao art. 2009°.

Mais: uma vez que "quando alguém aplica um artigo do Código, aplica o Código inteiro" (Stammler), afigura-se irrecusável que onde naquele nº 1° se refere o art.2020°, uma vez que este, por sua vez, remete para o art. 2009°, não pode, por via deste, deixar de estar presente o art.2004°.

Resulta, deste jeito, das disposições referidas que o direito a pensão de sobrevivência por morte de beneficiário por parte da pessoa que com ele vivia em situação de união de facto não depende apenas da prova dessa situação, exigindo-se prova, para além do requisito geral de carência ou necessidade dos alimentos, de todos os requisitos previstos no art.2020°, nº 1 : - a vivência em condições análogas às dos cônjuges; - a verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos; - ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens ; - e não poder o sobrevivo obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes...

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