Acórdão nº 2269/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Dezembro de 2006

Data12 Dezembro 2006

Acordam, precedendo audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: A - Relatório Nos autos de processo comum, perante tribunal colectivo, com o nº …, do … Juízo Criminal da Comarca de …, foi lavrado acórdão em 10 de Maio de 2006 que julgou - por aplicação do princípio in dubio pro reo - improcedente, por não provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência, absolveu o arguido A…., recepcionista, casado,….. , actualmente preso no Estabelecimento Prisional do …, da prática de: um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, ns. 1 e 2, al. b), conjugado com o artigo 204º, nº 2, al. f) do Código Penal; um crime de posse de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275º, nº 4 do Código Penal, conjugado com o artigo 3º, nº 1, al. a) do Dec-Lei nº 207-A/75, de 17-04.

* Inconformado, recorreu o Ministério Público junto do Tribunal de … do acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - As provas produzidas e analisadas em sede de audiência de julgamento não foram salvo o respeito devido avaliadas correctamente pelo Tribunal" a quo".

2 - Conjugado o teor dos depoimentos das testemunhas, em especial de J.A., A. G. e de N. S. com os restantes factos dados como provados no douto acórdão deveria o arguido ter sido condenado e não absolvido.

3 - Sendo o testemunho do J. A. credível, sereno, corajoso e isento de qualquer desígnio que não seja o de colaborar com o Tribunal na aplicação da justiça, mal andou o Tribunal" a quo" ao não o valorar devidamente.

4 - Dizer ao Tribunal que com 90% de certeza o arguido era a pessoa que saiu da Pastelaria R P de arma na mão após agredir o L. B., especificando quais os traços identificadores do agressor, revela uma sensatez notória e uma capacidade de memória pelo menos mediana, não podendo ser afastado o seu depoimento com o recurso a generalidades.

5 - O facto de o J. A. não ter assistido à agressão por se encontrar no exterior da Pastelaria só reforça a credibilidade do seu depoimento e não o contrário, dado que a sua serenidade não foi influenciada pela violência da agressão que ocorreu num lugar fechado com várias pessoas presentes, circunstâncias que muitas vezes são geradoras de pânico.

6 - O "modus operandi", os objectos apreendidos posteriormente ao arguido, os depoimentos das diversas testemunhas, apontam com certeza no sentido de ter sido o arguido a cometer os crimes constantes da acusação.

7 - O princípio do "in dubio pro reo" só tem aplicação se existirem dúvidas razoáveis e não dúvidas que não têm real suporte.

8 - O evitar o erro judiciário é um desígnio para o qual o Ministério Público também tenta contribuir.

9 - Avaliada a prova constante dos autos pelo homem médio suposto pela ordem jurídica o arguido teria sido condenado, artigo .127°, do CPP.

10 - Foram violados pelo douto acórdão ora impugnado, as disposições legais contidas nos arts. 127° e 4100,nº 2, al.c), do Código de Processo Penal.

11 - Deve assim, o douto acórdão ora impugnado ser substituído por outro, que condene o arguido pelos crimes de Roubo, p. e p. no art. 210°, nº 1 e 2, al. b), conjugado com o disposto no art. 204°, nº 2, al .f), do Código Penal e pelo crime de Arma ilegal, p. e p. no art. 275°, nº 4, do C. Penal e art. 3°, nº 1, al. a), do DL nº 207 -A/75, de 17/4.

*O arguido apresentou resposta com os seguintes considerandos: O Ilustre Procurador da República "a quo" não deu cumprimento ao disposto no art° 412º, nº 3 do CPP.

Nas Conclusões do Recurso não constam " os pontos de facto que considera incorrectamente julgados" - art- 412- 3- a) CPP - limitando-se a considerações genéricas e abstractas, o que impõe a rejeição do recurso".

O recurso deve ser rejeitado In totum.

Se assim não se entender, deve o mesmo improceder e mantida a absolvição.

*O Exmº Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, adiantando os seguintes considerandos, que se resumem: "O controle de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade." "Por isso, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, estiver formada sem vícios e for uma das soluções plausíveis segundo as regras de experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção." "No caso concreto deve concluir-se pela ocorrência de um inequívoco "non liquet".

As razões apontadas pelo Exmº recorrente não bastam para abalar os alicerces utilizados na parte da sentença recorrida subordinada à epígrafe "razões da convicção do Tribunal".

«Ora e conforme decidido no Ac. STJ de 13/10/1999, in Proc. 262/99-3ª "não é toda e qualquer dúvida que fundamenta o princípio "in dúbio pró reo", mas apenas a dúvida razoável, razoabilidade esta que cabe ao julgador analisar caso a caso" ou, como salienta Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, a fls. 213, "um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido".

"Tal é, exactamente, o que sucede no caso dos autos, em que a concreta razoabilidade da dúvida determinou a fundada absolvição do arguido".

*Cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal, o arguido respondeu emitindo a sua concordância com a posição do Exmº Procurador-geral Adjunto.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal (artigo 423 do CPP).

*B - Fundamentação Cumpre decidir.

*B.1 - Pelo Tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos: 1) No dia 31.03.03, cerca das 09.30m, como era seu hábito, L.B. saiu do seu escritório nas Bombas de combustível … em direcção a …, a fim de fazer um depósito no Banco …, tal como costuma fazer há cerca de oito anos.

2) Assim, saiu do escritório e entrou no seu carro ….seguindo em direcção a … pela estrada de …. e posteriormente pela Via Rápida…, onde à entrada virou à direita na direcção da Repartição de Finanças.

3) Aqui chegado, L. B. estacionou o carro num parque ali existente, no lado esquerdo da via, junto à Rua … 4) Dali seguiu a pé, ao escritório do seu contabilista (situado a cerca de uma centena de metros), onde foi entregar alguns papéis, tendo saído pouco depois em direcção ao largo da …, onde virou à direita no sentido da Avenida …, deslocando-se sempre a pé.

5) Naquele dia L. B. levava consigo dois sacos, um com a quantia de 18.408,21 euros, em dinheiro e cheques, e outro contento 380,00 euros, em moedas e umas cópias de uns projectos que pretendia entregar ao seu arquitecto.

6) Quando L. B. ia a meio da Rua …, um indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto aproximou-se então do ofendido L. B., por trás, e tocou-lhe nas costas, obrigando-o a virar-se para ver quem era. 7) Nessa altura, o referido indivíduo pulverizou os olhos do L. B. com um spray que trazia nas mãos, de características não apuradas, ao mesmo tempo que lhe disse "dá-me o dinheiro".

8) Logo que se apercebeu de que de que estava a ser vítima dum assalto, L. B. correu para a Pastelaria "R P", que se encontrava próxima daquele local, a fim de aí pedir auxílio.

9) O ofendido então entrou na referida Pastelaria, cerca das 10H00 do referido dia, e pediu que o ajudassem.

10) Nessa altura e logo atrás do ofendido entrou o referido indivíduo que, agarrando L. B. pelo braço, acabou por andar de encontro às mesas do café com aquele que ia tentando libertar-se.

11) Quando conseguiu libertar-se, L. B. dirigiu-se ao balcão, cambaleando e quase sem ver em virtude do spray com que foi atingido anteriormente estar a impedi-lo de o fazer, e escondeu-se atrás do mesmo balcão.

12) Nessa altura, o referido indivíduo retirou uma pistola que trazia consigo na cintura, de características não concretamente apuradas, de cor cinzenta, e correu atrás do ofendido para trás do balcão, onde agarrou L. B. pela cabeça e deferiu-lhe uma forte pancada contra o balcão, fazendo com que caísse ao chão.

13) Nessa altura, e enquanto L. B. se encontrava caído no chão, o referido indivíduo desferiu-lhe vários socos e pontapés, atingindo-o na cabeça e corpo.

14) Nesse momento, L. B. atirou os sacos que trazia consigo para dentro dum armário que se encontrava aberto.

15) O indivíduo referido agarrou num dos sacos que continha a quantia de 380 euros em moedas e saiu da pastelaria, pondo-se em fuga.

16) Como consequência directa e necessária da agressão supra referida, L. B. sofreu hematomas da região malar esquerda; macerações labiais extensas superiores e inferiores; equimose e hematoma palpebral superior e inferior esquerdos com hemorragia ocular externa; hematoma massetérico esquerdo e direito com maceração e escoriação superficial; lesões escoriadas e feridas do dorso das mãos sobretudo da esquerda, lesões que lhe determinaram 12 dias de doença, sendo 4 de incapacidade para o trabalho.

Mais se provou que, 17) O arguido foi no passado recepcionista em hotelaria e na restauração, encontrando-se preso à ordem do processo comum colectivo nº deste juízo, no qual foi condenado a 20 anos de prisão por sentença ainda não transitada e por factos ocorridos em 26.04.03 em …, cuja decisão de Primeira Instância se encontra a fls. 384 destes autos.

18) O arguido é casado e tem filhos que vivem com a mãe.

19) Tem antecedentes criminais.

20) Negou ter cometido qualquer dos factos constantes da acusação.

*E como não provados os seguintes factos: I. Por ter conhecimento do hábito do ofendido em dirigir-se sempre ao Banco da mesma forma e utilizando o mesmo trajecto, o arguido acordou ou não com outro indivíduo (cuja identificação não se apurou) em assaltarem L. B., no decurso do trajecto que o mesmo fazia habitualmente, e apoderarem-se das quantias que o mesmo levasse consigo no referido dia.

  1. Assim, acertaram ou não assaltar o ofendido L. B. no dia 31 de Março de 2003.

  2. Na sequência desse plano...

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