Acórdão nº 0741884 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | OLGA MAURÍCIO |
Data da Resolução | 13 de Junho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.
No âmbito do processo nº …./06.8TAMTS, do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi proferido despacho de não recebimento da acusação deduzida contra o arguido B………., pela prática de um crime de burla para obtenção de transporte, previsto e punível pelo art. 220º, n.º 1, al. c). do Código Penal.
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Inconformado Magistrado do Ministério Público interpôs recurso desta decisão, apresentando as seguintes conclusões: «1 - A douta decisão recorrida ao não receber a acusação deduzida pelo Ministério Público por a considerar manifestamente infundada, violou o disposto nos artºs 9º do C Civil 1º, nºs 1 e 3, 2º e 220 nº1, al. c), do C Penal o estatuído na Lei 28/2006 - em especial os arts 7º, 14º e 15º -, artºs 1º e 2º do DL nº 433/82 ,de 27/10 (na redacção vigente), e 311º do CPP, pois: 2 - Os elementos do crime de burla pela utilização de meio de transporte, p. e p. pela alínea c) do nº 1, do artigo 220º do Código Penal encontram-se expressos na acusação formulada: utilização pelo arguido de transporte colectivo sem posse de título de transporte válido sabendo que tal supõe o pagamento de um preço, a intenção do arguido de não pagar, quer o preço do bilhete, quer a sobretaxa, bem como a respectiva recusa de solver a dívida contraída; 2.1 - E só com a referida recusa é que se efectiva a lesão do património do(a) Transportador(a) situação que é análoga em qualquer das modalidades de transporte aéreo, fluvial e terrestre de passageiros; 3 - Aquando da vigência do Decreto-Lei 108/78 (e demais normas que vieram a ser revogadas pela Lei nº 28/2006), verifica-se que praticava a(s) contravenção(ões) - ou transgressão(ões) - aí previstas quem utilizava os meios de transporte colectivo de passageiros aí referidos sem que fosse possuidor de título de transporte que o habilitasse a viajar no respectivo percurso, no caso de dolo ,desde que não houvesse a referida recusa, ou negligência; 4 - A Lei nº28/86, de 04.JUL, que revogou nomeadamente o DL nº 108/78, de 24/MAl, aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões em matéria de transportes colectivos de passageiros, transformando as contravenções (e transgressões.) em contra-ordenações; e 4.1 - Atento preceituado no seu artº 7º, que identifica especificadamente quais as situações que integram a «falta de título de transporte válido», verifica-se que pratica a contra-ordenações aí previstas quem, em suma, dolosa ou negligentemente, utiliza meios de transporte colectivo de passageiros sem título de transporte que lhe permita fazê-lo, nada se referindo quanto à «recusa em solver a dívida».
4.2 - Estabeleceu, no seu artº 14º o regime transitório quanto às contravenções e transgressões praticadas antes da sua entrada em vigor, designadamente as previstas no DL 108/78, resultando de tal preceito (e dos mais dispositivos da mesma lei) que não há qualquer norma transitória para as condutas que anteriormente eram punidas pela lei penal - art. 220º, nº 1, al. c) do Código Penal 5 - O legislador com a Lei 28/2006 apenas quis proceder à alteração e aperfeiçoamento do regime que anteriormente vigorava quanto às transgressões (ou contravenções) ocorridas em matéria de transportes colectivos. E quis fazê-lo, como já fizera noutros domínios dentro de idêntica filosofia transformando, em suma, as velhas contravenções em transgressões em contra-ordenações, pois o «nosso ordenamento penal baseia-se em crimes e contra-ordenações»; 6 - O interesse tutelado no tipo de ilícito contra-ordenacional é o bom funcionamento e a credibilidade dos transportes públicos enquanto que a recusa efectiva do pagamento consubstancia a lesão do património da vítima (empresa); e a consideração de tal recusa como elemento relevante evidencia que o interesse tutelado é o património da empresa lesada, o que está de acordo a natureza de um crime contra o património; 7 - E entender, como o tribunal «a quo», que o referido novo regime contra-ordenacional retirou do âmbito do art. 220º do CP a utilização de transportes colectivos de passageiros sem título válido é olvidar a amplitude e o texto de ambos os preceitos punitivos, e, assim, o principio da legalidade e da tipicidade, bem como confundir os procedimentos adequados (trâmites) em caso de contra-ordenação com os procedimentos (‘trâmites,) em caso de crime; 7.1 - Ou seja, esse entendimento considera que a conduta de utilizar transporte colectivo de passageiros sem título válido com intenção de não pagar e recusa efectiva de pagamento passa a ser um ilícito de natureza conceptualmente autónoma, despido de qualquer fundamento ético-social" enquanto o caso de utilização de transporte não colectivo de passageiros sem título válido com intenção de não pagar continua a ter dignidade penal (e, assim, dados os interesses tutelados, dignidade ética e fundamento ético-social), o que não se mostra minimamente razoável e coerente; 8 - Não á razoavelmente concebível que um legislador cuja vontade seja transformar determinadas condutas integradoras de crime em contra-ordenação, bem como determinadas transgressões ou contravenções em contra-ordenações: a) tenha apenas de modo expresso preceituado a revogação dos diplomas e de preceito de diploma que previam as contravenções (ou transgressões) e nada, mesmo nada, tenha dito sobre o preceito que previa o tipo de crime; b) tenha apenas fixado um regime transitório quanto às contravenções ou transgressões e, mais uma vez, nada, mesmo nada, tenha dito no que concerne ao regime transitório pretendido quanto ao crime; 9 - Assim, atendendo às regras de interpretação das normas jurídicas constata-se que não houve (e o legislador não quis proceder a) qualquer revogação tácita (ou expressa) do ilícito criminal p. e p. pela al c) do nº 1, do artigo 220º do CP, continuando este tipo penal a ter a mesma aplicação que tinha antes da entrada em vigor desta lei; 10 - Face ao aduzido, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que receba a acusação pública e designe data para a realização da audiência de julgamento».
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O recurso foi admitido.
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O arguido não respondeu ao recurso.
Nesta Relação, o Exmº P.G.A. pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, pelos fundamentos constantes da sua motivação.
Cumprido o disposto no art. 417º do C.P.P. nada mais foi acrescentado.
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Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
* FACTOS PROVADOS 6.
Dos autos resultam os seguintes factos relevantes para a questão a decidir: 1º - A empresa C……….., S. A., apresentou queixa-crime contra B………., por este no dia 15/11/2005, às 17h 48m, ter viajado no veículo n.º …, na linha ., que circulava no concelho de Matosinhos, sem qualquer título de transporte, tendo-se recusado a solver a dívida correspondente ao preço do bilhete em falta, no montante de € 0,85 (oitenta e cinco cêntimos), acrescida da penalização prevista no art. 16º, a) das Condições Gerais de Transporte, no montante de € 77,00.
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- Em 10 de Outubro de 2006 o Ministério Público deduziu acusação contra B………., porque «no dia 15/11/2005, cerca das 17h48m, o arguido viajava, na veículo nº …, na linha . do ………., que circulava em ………., Matosinhos, com destino a ………., sem possuir qualquer titulo válido de transporte.
Com efeito, B………., ao ser fiscalizado não exibiu qualquer titulo de transporte, pois não validara o titulo nº ……. .
O arguido, embora soubesse que a utilização do serviço de metro ligeiro, pressupõe o pagamento de um preço, nunca teve intenção de efectuar o pagamento do preço do bilhete correspondente ao serviço de que usufruía.
Assim, ao entrar no metro na ………., não validou o andante, na espera de não ser fiscalizado.
Posteriormente, recusou-se a solver a dívida contraída, que corresponde ao preço do bilhete em falta, no montante de 0,85, acrescida da penalização prevista no art. 16°, a) das Condições Gerais de Transportes, no valor de 77 €.
O arguido agiu livre e conscientemente, com a intenção conseguida de viajar sem pagar o preço dessa viagem, recusando-se posteriormente a solver essa dívida, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.
Constituiu-se, assim, autor de um crime de burla para obtenção de transporte, p. e p. pelo art. 220º nº 1, c) do CP».
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- Em 5 de Dezembro de 2006 foi proferida a decisão recorrida, do seguinte teor: Na douta acusação pública, a fls. 14, vem imputada ao(s) arguido(a/s) B………., a prática de um crime de burla para obtenção de transporte, p. e p. no art.º 220º, n.º 1, al. c) do CP.
Para tanto, refere, e em síntese, que no dia 15 de Novembro de 2005, o(a/s) arguido(a/s) fazia-se transportar nos veículos ., na linha ., pertencente à "C………., S.A." com destino a ………. .
Abordado pelo agente fiscalizador, durante o trajecto, nesta comarca, verificou-se que o(a/s) arguido(a/s) se fazia transportar, sem qualquer título de transporte válido.
Assim o(a/s) arguido(a/s) utilizou tal meio de transporte sem qualquer título válido, bem sabendo que não o podia fazer, sem proceder ao respectivo pagamento. Mesmo com esse conhecimento, não se coibiu de praticar os factos descritos com vista a alcançar benefício que sabia não ser legítimo, o que conseguiu, uma vez que se...
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