Acórdão nº 0616088 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE FRANÇA
Data da Resolução30 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Nos autos de processo comum (singular), que sob o nº …/03.3TAVNF, correram termos pelo .º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, foram submetidos a julgamento os arguidos "B………., Lda", e C………., sob a acusação da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. artº 27º-B do R.J.I.F.N.A., na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 140/95, de 14/06, com referência ao artº 24º, nº 1 do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15/01, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24/11, quanto ao 2º arguido e à sociedade arguida a responsabilidade penal emergente dos artºs 6º, nº 3 e 7º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 20-A/90, alterado pelos Decreto-Lei nº 394/93, de 24/11 e Decreto-Lei nº 140/95, de 14/06.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, requerendo a condenação destes no pagamento da quantia de 97.703,63 €, acrescida de juros sobre a quantia peticionada, calculados nos termos do Decreto-Lei nº 411/91, de 17/10 e artº 3º do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/03, até integral pagamento.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos: a)Condenar o arguido C………., como autor material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto no artº 24º e artº 27º-B do RJIFNA e punido pelo artº 105º, nº 1 da Lei nº 15/2001, de 05/06, ao abrigo do artº 2º, nº 4 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, condicionada ao pagamento, naquele prazo, das prestações devidas à Segurança Social e apuradas nos autos.

b)Declarar extinta a responsabilidade criminal da sociedade B………., Lda determinando, nesta parte, o arquivamento dos autos.

c)Julgar o pedido de indemnização civil provado e, em consequência, condenar os demandados a pagar ao demandante a quantia de 97.703,63 € (noventa e sete mil setecentos e três euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados nos termos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16/03, até integral pagamento.

Inconformado, viria o arguido C………. a interpor o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1. Nos termos da lei fiscal, sobre o valor das remunerações auferidas pelos trabalhadores, deve a entidade patronal liquidar e deduzir, e posteriormente entregar à Segurança Social, uma percentagem sobre essa remuneração.

  1. Ou seja, ocorre uma transmissão de um débito do devedor principal (trabalhador) para o devedor substituto, tanto mais que a divida do primeiro passa para o passivo obrigacional do substituto, pois este regista a divida como créditos do Estado.

  2. Ora duvidas não podem existir de que estamos face a uma prestação, isto porque a própria lei diz que no momento em que a liquidação desse tributo é feita, o acto de dedução concretiza a exoneração do devedor originário pela transmissão da dívida para o sujeito passivo incumbido de registar esse acto, lei essa que obriga o sujeito passivo a registar essa quantia a credito do Estado (Segurança Social).

  3. A lei estatui que no momento em que a liquidação do tributo é feita, o acto de dedução concretiza a exoneração do devedor originário pela transmissão da divida para o sujeito passivo incumbido de registar como crédito do Estado.

  4. No caso do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social não há bem jurídico, uma vez que estamos perante relações jurídicas obrigacionais e nunca relações jurídicas reais.

  5. O legislador, no artº 107º do RGIT suprimiu a palavra "apropriar-se", não por lapso, mas porque ele próprio sabe que figurar neste crime uma apropriação é ficcionar o inexistivel.

  6. A lei fiscal o menciona e considera no seu corpo normativo, e como menciona e considera a M.ma Juíza de Instrução, na decisão instrutória, o Estado, nesta relação jurídica é credor tributário.

  7. O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é inconstitucional por violação dos artºs 1º, 13º, 25º, 26º e 27º da CRP, bem como o artº 11º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, e artº 1º do Protocolo nº 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  8. A sociedade arguida viu-se confrontada, por falta de dinheiro, com um dilema: ou pagava os salários na medida do possível - e nunca na sua totalidade pois distribuiu o dinheiro realizado, equitativa e proporcionalmente pelos funcionários - ou pagava ao Estado.

  9. Nesta medida dois deveres se impunham à sociedade, gerida pelo recorrente: ou cumpria o dever de pagar os salários aos trabalhadores, que é um direito constitucional destes (artº 59º, 1, a), da CRP) ou cumpria o dever de entregar o valor deduzido à remuneração dos trabalhadores.

  10. A actuação do recorrente, apesar de típica, não é ilícita, porque operam duas causas de exclusão da ilicitude.

  11. Num primeiro momento opera o estado de necessidade do artº 34º do CP.

  12. Todos os pressupostos deste estado de necessidade estão preenchidos, isto porque o sócio gerente, para proteger o interesse de terceiros (trabalhadores, pois é interesse para estes receberem o seu salário, porque sem ele não sobrevivem), evitou o perigo de não haver dinheiro para pagar os salários dos trabalhadores, impondo ao lesado (Estado) o não recebimento do seu crédito.

  13. Nesta situação, o interesse do terceiro é superior ao interesse do lesado, visto que aquele tem o seu direito consagrado constitucionalmente e este apenas legalmente.

  14. Nesta conformidade e nos termos do artº 34º, CP, não é ilícito o acto praticado nestas condições pelo que a condenação que caiu sobre o recorrente deve ser substituída pela absolvição.

  15. Porém, e mesmo que assim se não entenda, a mesma ilicitude está justificada mas agora à luz do artº 36º do CP.

  16. Isto porque o estado da sociedade arguida já não permitia pensar na sua sanidade económica, o que levou apenas a existirem dois deveres para a sociedade: pagar salários e pagar...

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