Acórdão nº 0646249 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Março de 2007
Magistrado Responsável | CUSTÓDIO SILVA |
Data da Resolução | 07 de Março de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acórdão elaborado no processo n.º 6249/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)**1. Relatório Na sentença de 29 de Junho de 2006, consta do dispositivo o seguinte: "Face ao exposto, julgo a acusação procedente, por provada, e, em conformidade: 1. Condeno o arguido B………., pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, respeitante a IVA, p. e p. pelo art. 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, e arts. 30º, n.º 2, e 79º, ambos do Código Penal, n pena de 7 (sete) meses de prisão.
-
Pelos fundamentos supra expostos, suspendo a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 (três anos), sob a condição de, no prazo de 3 (três) anos, comprovar documentalmente nos autos ter pago a quantia em dívida, no montante de € 9939,56 (nove mil novecentos e trinta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), e legais acréscimos".
**O arguido veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões: "1ª - Os factos pelos quais o recorrente foi condenado nestes autos e aqueles pelos quais foi condenado no processo n.º ../99.9 IDPRT, do .º Juízo Criminal de Gondomar, integram um único crime continuado de abuso de confiança fiscal.
-
- Assim, tendo havido um primeiro julgamento no processo n.º ../99.9 IDPRT, o julgamento a que o recorrente foi sujeito nestes autos, representou um segundo julgamento pelo mesmo crime, o que viola o disposto no art. 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (C. R. P.), que consagra o princípio ne bis in idem.
-
- Partindo, então, deste ponto que existe um único crime continuado desde Janeiro de 1996 a Dezembro de 2000, verifica-se que no início da prática da conduta criminosa o arguido ora recorrente tinha apenas 20 anos, estando, por isso, abrangido pelo regime especial para jovens, previsto no D. L. 401/82, de 23-09.
-
- Não obstante este facto, a aplicabilidade, ou não, de tal regime não foi ponderada, pese embora seja de conhecimento oficioso.
-
- Assim, temos que o artigo 4º do D. L. 401/82 implica a aplicação de uma pena especialmente atenuada, dentro dos limites do artigo 73º do C. P.
-
- Desta forma, no caso concreto, a pena a aplicar ao arguido ficaria limitada entre o máximo de dois anos e o mínimo de um mês, conforme dispõe o C. P. no seu artigo 73º, n.º 1, als. a) e b), sendo certo que, nos termos da alínea c) daquele mesmo artigo, quando «o limite máximo da pena de prisão não for superior a três anos pode a mesma ser substituída por multa dentro dos limites legais».
-
- Pelo que, se fossem aplicadas as regras contidas nos artigos 4º do D. L. 401/82 e 73º, n.º 1, alíneas a) e b), do C. P., a pena de multa seria a mais adequada para aplicar ao arguido.
-
- Refira-se, também, que, apesar deste regime especial para jovens não ser de aplicação automática, o certo é que os pressupostos da sua aplicação verificam-se nos presentes autos, uma vez que o recorrente se encontra profissional e familiarmente inserido, bem como é técnico de enfermagem, é Presidente da Assembleia de Freguesia de ……… e frequenta o 1º ano de Direito da Universidade de Coimbra, sem esquecer que os factos praticados pelo agente são a excepção e não a regra da sua conduta.
-
- Assim, entende o recorrente que a douta sentença em crise viola os artigos 1º e 4º do D. L. 401/82, de 23-09, e o art. 73º do C. P., pelo que deveria ser substituída por outra onde se pondere a aplicabilidade, ou não, daquele regime especial.
-
- Ainda que os entendimentos acima expostos não tenham acolhimento na decisão do presente recurso, sempre se dirá que não foram investigados pelo Tribunal a quo os factos necessários para concluir, ou não, da continuidade criminosa do arguido, bem como da aplicabilidade, ou não, do regime especial para jovens.
-
- Facto que inquina a sentença ora recorrida pelo vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, n.º 2, alínea a), do C. P. P.
-
- Considera o recorrente que os critérios de escolha e determinação da medida da pena, impostos pelos artigos 71º e 72º do C. P., não foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo.
-
- Considerou o Tribunal a quo que, na determinação da medida da pena era atendida a ilicitude elevada da conduta do arguido.
-
- Resulta provado nos autos que o arguido ‘foi condenado nos autos de processo comum singular n.º ../99.9 IDPRT, do .º Juízo Criminal de Gondomar, por sentença proferida a 21/11/2005 e transitada em julgado a 12/12/2005, pela prática, entre 1996 e 1997, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105º, n.º 1, do RGIT, e arts. 26º, 30º, n.º 2, e 79º do C. P., na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 5, a qual foi declarada extinta pelo pagamento, por despacho proferido a 7/2/06 …'.
-
- Ora, o Tribunal a quo valora a sentença proferida no processo ../99.9 IDPRT como um factos agravante, penalizando, assim, o arguido, duplamente, até porque no que diz respeito àqueles autos o arguido já cumpriu a pena que lhe foi imposta.
-
- Aliás, a extinção da pena aplicada no processo ../99.9 IDPRT deverá ser valorada, e não foi, como atenuante, pois demonstra que o recorrente vem mantendo uma boa conduta, após o lapso de tempo já decorrido (artigo 72º, n.º 1 e n.º 2, alínea d), do C. P.).
-
- Deveria, também, ser valorado o comportamento anterior e contemporâneo ao crime, considerando, para efeitos de determinação da medida da pena, o pagamento voluntário da quantia de € 407,98, referente a I. V. A. Do 1º trimestre de 1997 (artigo 72º, n.º 1, do C. P.).
-
- Considerou, ainda, o Tribunal a quo que a determinação da medida da pena é feita ‘(…) considerando, sempre, o prejuízo sofrido pelo estado'.
-
- No entanto, resultou da prova feita em audiência que existem, a correr contra o recorrente, vários processos de execução fiscal e, enquanto estes estiverem a decorrer, não se poderá apreciar o prejuízo sofrido pelo estado, até porque, no âmbito daqueles processos, são sempre cobrados os devidos juros de mora.
-
- Portanto, este facto não poderia, nunca, ter sido levado em linha de conta (como factor agravante) para a determinação da medida da pena.
-
- Acresce, ainda, que o recorrente sempre se mostrou arrependido, tendo colaborado de forma decisiva com o Tribunal no apuramento da verdade, é primário e apresenta uma conduta exemplar, tanto antes como depois da prática do crime.
-
- Por tudo o exposto, considera o recorrente que o Tribunal a quo violou as normas legais contidas nos artigos 40º, 71º e 72º, todos do C. P., uma vez que é excessiva a pena de prisão aplicada, tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes, que, muito concretamente, diminuem de forma acentuada a ilicitude, a culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.
-
- Por esta razão, deveria a douta sentença do Tribunal a quo ser substituída por outra em que fosse aplicada ao recorrente uma simples pena de multa, a determinar dentro da moldura do artigo 105º, n.º 1, do RGIT".
**2. Fundamentação O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, do C. de Processo Penal - v., ainda, o ac. do S. T. J., de 15 de Dezembro de 2004, in C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.
**Há que, então, definir quais as questões que se colocam para apreciação e que são as seguintes: 1ª - Houve violação do princípio ne bis in idem (art. 29º., n.º 5, da Constituição da República Portuguesa) por o arguido ter sido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma de crime continuado (arts. 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e 30º, n.º 2, do C. Penal), quando havia sido condenado, também, por sentença de 25 de Novembro de 2005, transitada em julgado a 12 de Dezembro de 2005, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma de crime continuado (arts. 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e 30º, n.º 2, do C. Penal), na pena de 130 dias de multa, correspondendo cada dia à quantia...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO