Acórdão nº 0612241 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I 1. Nos presentes autos de processo comum singular nº …/02.2TAAMT, que correm termos no .º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Amarante, foi julgado o arguido B………. sob a acusação de ter praticado, em autoria material, factos integradores do crime de homicídio por negligência, da previsão do art. 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Por sentença de 24-10-2005, a fls. 522-539, foram julgados totalmente improcedentes a acusação e os pedidos civis deduzidos contra o arguido e a seguradora COMPANHIA DE SEGUROS X………., S.A., pelos demandantes C……… - esta também intervindo como assistente - D………., E………. e F………., pelo INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL e pelo HOSPITAL Y………., e, em consequência, foi o arguido absolvido do crime de que estava acusado e os demandados absolvidos de todos os pedidos civis deduzidos nos autos.

Preliminarmente, foi decidido pela ilegitimidade "ad causam" do arguido e do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL quanto aos pedidos civis contra eles deduzidos.

  1. Inconformada com aquela decisão, a assistente C………. recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: a. A assistente recorre também da matéria de facto, pretendendo a reapreciação da prova, uma vez que considera ter havido erro notório na sua apreciação - arts. 410º, nº 2, al. c), e 412º, nº 3, ambos do CPP.

    1. Com base nessa reapreciação, tendo em conta os depoimentos (transcritos no texto da alegação) do arguido B………. (cassete nº 1, lado A, de 252 a 1693) e da única testemunha presencial G………. (cassete nº 2, lado A, de 000 a 1829), devem aditar-se aos factos dados como provados mais os seguintes: - o arguido, de modo repentino, guinou o volante do seu veículo automóvel para a esquerda, para ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, invadindo a faixa de rodagem contrária; - por via dessa inesperada manobra embateu no motociclo de matrícula ..-..- BT; - o arguido iniciou a referida manobra sem se certificar que a faixa de rodagem estava livre e que não punha em risco a segurança de outros.

    2. Na verdade, a dita testemunha, presencial do acidente ocorrido, é pessoa da "terra" e vizinho do arguido, que conhecia há muito, mas não conhecia a infeliz vítima nem seus familiares, tendo prestado um depoimento que em nada pode ser infirmado quanto à razão de ciência ou de credibilidade do depoente, sendo certo que nada se lhe apontou que pudesse fazer perigar a dita razão de ciência e de credibilidade, d. Testemunha que desde sempre peremptoriamente afirmou que se apercebeu, pelo barulho do trabalhar, que para trás de si na fila de trânsito em que seguiam circulava uma moto, e que o arguido a dada altura iniciou uma ultrapassagem ao veículo conduzido pela testemunha e que praticamente nesse momento ouviu um estrondo constatando que a infeliz vítima embatera num poste do lado esquerdo da via, estrondo que ocorre já com a dita ultrapassagem concluída.

    3. Por seu turno, o arguido, que no dizer da própria douta sentença recorrida, revelou alguma insegurança na exposição que fez ao tribunal sobre a dinâmica do acidente e que aparentava grande nervosismo, nega a ultrapassagem, o que faz, contudo, sem revelar um depoimento claro e seguro nas suas afirmações.

    4. Sendo de salientar que enquanto a testemunha revela um manifesto desinteresse no litígio, o arguido é, objectiva e subjectivamente, pessoa/parte altamente interessado num certo desfecho do mesmo.

    5. A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do princípio in dubio pro reo, pois para tal se baseou necessariamente nessas duas versões aparentemente contraditórias, sendo que pelo que fica referido não pode acolher-se a negativa do arguido, já que se não lhe pode atribuir o mesmo peso e valor que à versão da dita testemunha.

    6. A versão de uma só testemunha, se credível e aceitável, exposta por quem revela isenção e desinteresse, como é o caso, pode e deve mesmo ser considerada mais que suficiente, já que não é à quantidade mas sim à qualidade dos depoimentos que há que atender-se.

    7. Por isso, impõe-se, uma vez reapreciada a prova, dar como provados os factos referidos na conclusão b. supra, uma vez que a douta sentença recorrida faz errada apreciação da prova produzida, e, em consequência, deve julgar-se procedente a acusação e o arguido condenado na pena que se julgue mais adequada.

    8. O arguido B………. foi julgado parte ilegítima, mas tal decisão faz errada aplicação do art. 29º, nº 1, al. a), do Dec.-Lei nº 522/85, e, por isso, deve ser revogada, uma vez que o pedido de indemnização formulado pelos recorrentes ultrapassa em € 35.960,25 o montante do seguro obrigatório, pelo que por tal excesso é responsável o arguido, nos termos da citada disposição legal.

    9. Uma vez julgada procedente a acusação, conforme Conclusão G supra, e face à respectiva matéria fáctica constante da douta sentença recorrida, deve igualmente o pedido de indemnização civil ser julgado procedente, nos termos em que está deduzido, e a respectiva seguradora condenada até ao limite do seguro e o arguido no montante que exceder este.

    10. Se, porém, assim não suceder, deve o pedido de indemnização civil ser julgado procedente nos termos do art. 503º, nº 1, 599º, 483º e 496º todos do CC, ser apreciada e decidida a responsabilidade civil à luz da responsabilidade objectiva ou pelo risco, já que mesmo em processo penal tal decisão está sujeita às regras da lei civil.

    11. E, por isso, dado que o arguido tinha a direcção efectiva do veículo ligeiro de passageiros AX-..-.., que conduzia no seu interesse, é responsável pelos riscos ou danos resultantes do acidente, a morte da infeliz vítima.

    12. Pelo que, tendo em conta o já referido na conclusão I supra, deve, por isso, o pedido de indemnização civil ser julgado procedente e os requeridos Companhia de Seguros X………., S.A., e B………. ser condenados no pagamento da indemnização respectiva em conformidade com o pedido e o mais referido em tal dita conclusão.

  2. Responderam à motivação do recurso o arguido e a demandada seguradora, pronunciando-se ambos no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

    O arguido concluiu que a sentença recorrida não enferma do vício de erro na apreciação da prova; que o depoimento da testemunha G………. deixou muitas e fundadas dúvidas, para além de ter declarado que não viu nenhum embate entre o motociclo e qualquer veículo automóvel; que o arguido seguia numa fila lenta e sem fluidez, em "pára-arranca", que não lhe permitia fazer a propalada manobra de ultrapassagem; que a absolvição do arguido é justa e deve ser mantida.

    A demandada seguradora concluiu que foi correctamente avaliada a prova produzida e é correcta a decisão da matéria de facto; que a única testemunha que depôs sobre o acidente reafirmou sempre não saber se o arguido tinha intervindo no acidente; que nenhuma outra testemunha afirmou ter visto o motociclo da vítima a embater no veículo conduzido pelo arguido; que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal; e face à prova produzida e à matéria de facto provada, tanto a acusação como os pedidos civis tinham de improceder.

  3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu o desenvolvido e bem fundamentado parecer que consta a fls. 663-668, em que, depois de examinar os depoimentos prestados pelo arguido e pela testemunha G………., concluiu que, perante o non liquet que decorre desses depoimentos, não restava outra alternativa ao tribunal que não fosse resolver essa dúvida em favor do arguido, segundo o princípio in dubio pro reo, como foi resolvido na sentença recorrida. Pronunciando-se pelo não provimento do recurso.

    Este parecer foi notificado aos demais sujeitos processuais, nos termos e para os fins do disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal. Nenhum deles respondeu.

    Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e realizou-se a audiência de julgamento.

    II 5. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: 1) No dia 4 de Agosto de 2002, pelas 19 horas e 35m, na Estrada nacional nº .., em ……….., nesta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula AX-..-.., marca Renault, seguindo numa fila de trânsito na faixa de rodagem da direita, atento o sentido Amarante-………. .

    2) No mesmo sentido e em direcção ao ………., circulava o motociclo de matrícula ..-..-BT conduzido pela vítima H………. que tentou ultrapassar o veículo do arguido.

    3) A dada altura, o motociclo entrou em despiste e o corpo do seu condutor, a vitima H………., foi chocar contra um poste de iluminação pública que ladeia a estrada.

    4) Por causa do acidente resultaram para a vítima H……… as lesões descritas e examinadas no auto do relatório de autópsia médico-legal, junto a fls. 28 a 33 dos autos, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, a morte.

    5) O falecido H………. era casado com C………. e pai de...

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