Acórdão nº 0643716 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2006

Data06 Dezembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*No processo comum nº …/05.0TASJM, do .º Juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira, a assistente B………., Lda deduziu acusação particular contra a arguida C………., imputando-lhe a prática, em concurso real, de 4 crimes de ofensa a pessoa colectiva através da imprensa, previstos nos Arts. 187º, nº 1 e nº 2, alínea a) e 183º, nº 1, alínea a) e nº 2, do Código Penal e nos Arts. 30º e 31º, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro.

O Ministério Público acompanhou esta acusação.

A folhas 60, veio a arguida requerer a abertura de instrução, pretendendo que a conduta constante da acusação não constitui crime, pelo que deveria ser proferido despacho de não pronúncia; para tanto, indica e apresenta prova por documentos e testemunhal, a ser produzida nessa fase processual.

A folhas 108, o M.mo Juiz de Instrução proferiu despacho a designar data para a realização do debate instrutório, por entender que não se tornaria necessária a produção de qualquer outra prova, face aos contornos da questão jurídica em causa.

Consequentemente, a folhas 118 foi proferida decisão instrutória, na qual a arguida não foi pronunciada, sendo ordenado o arquivamento dos autos, considerando ali o M.mo Juiz que: não foi deduzida acusação também contra o director dos jornais onde foram publicados os textos em causa, havendo comparticipação necessária e representando tal uma desistência de queixa (Art. 31º, nº 3, da Lei de Imprensa). Por outro lado, entendeu-se ainda naquele despacho que não existem indícios da prática dos crimes acusados, desde logo porque a assistente não exerce a autoridade pública, e como tal não passível de ser objecto do crime previsto no Art. 187º do Código Penal.

Deste despacho de não pronúncia, recorrem a assistente e o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (que balizam o âmbito e a amplitude do recurso):*Da assistente (por remissão): 1. O presente recurso tem por objecto o despacho de não pronúncia da arguida C………., pela prática de quatro crimes de ofensa a pessoa colectiva, através de imprensa, p.p. pelo nº 1 do artigo 26º do nº 1 do artigo 30º, do nº 1 do artigo 187º e alínea a) do nº 1 e nº 2 do artigo 183º, todos do Código Penal e pelos artigos 30º e 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, nos estritos termos em que a Assistente lhos imputou, em autoria material, na acusação particular deduzida; 2. O douto despacho de não pronúncia ora recorrido refractou a sua fundamentação em três argumentos: a) um de natureza formal (omissão de apresentação de queixa e dedução de acusação particular contra, também, o director do jornal onde os escritos foram publicados); e b) outros dois de natureza "substancial" (falta de indícios suficientes atenta a qualificação jurídica feita pela assistente da factualidade constante dos presentes autos e impossibilidade de qualificação jurídica da conduta da arguida como passível de consubstanciar a prática de um crime de difamação ou de injúria); 3. Por isso, o presente recurso versa sobre matéria de direito e sobre a matéria de facto, nos termos do disposto na 1ª parte do artigo 434º conjugada com a alínea c) do nº2 do artigo 410º, ambos do Código Processo Penal; 4. O 1º argumento do despacho ora recorrido assenta na: falta de pressuposto necessário à apreciação do mérito por "falta" de apresentação de queixa-crime e correspondente dedução de acusação particular também contra o Director do jornal onde os escritos em apreço foram publicados; 5. Na invocação do argumento mencionada na precedente conclusão, o despacho de não pronúncia ora recorrido embasa a sua fundamentação legal apenas e tão-somente nos nº 1 a nº 3 do artigo 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Liberdade de Imprensa), referindo que se trata de uma situação de comparticipação necessária.

6. Não obstante, a conduta imputada à arguida nos presentes autos pela Assistente, enquadra-se não nas situações previstas nos nº 1 a 3º do artigo 31º da referida Lei, mas antes no seu nº 4 conjugado com o nº 5; 7. O nº 4 e nº 5 do artigo 31º da Lei 2/99, de 13 de Janeiro constitui, assim, uma contra-regra, ou, se se quiser, uma excepção à exigência da verificação de comparticipação necessária, isto é, que nesse caso, por se conseguir individualizar e identificar o responsável pela prática do crime; 8. Na verdade, e como resulta claramente dos autos, designadamente, os escritos dos jornais, que as declarações prestadas pela arguida - através da elaboração daqueles - encontram-se devidamente identificadas, tanto mais que aquelas contém o nome e, ainda, a fotografia da arguida, cfr. documentos juntos com a queixa-crime sob os Doc. nº 1 a 4 e juntos aos autos a fls. 5 a 8 dos autos e cujo conteúdo aqui se dão por integrados e reproduzidos para os efeitos legais.

9. Assim, nenhuma dúvida subsiste quanto à subsunção factual da situação em apreço na previsão do nº 4 conjugado com o nº 5 do artigo 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, não tipificando este normativo qualquer conduta em sede de comparticipação necessária; 10. Por conseguinte, não se tratando, como não se trata, da imputação de crimes de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, cometidos através da imprensa, em caso de comparticipação criminosa, a responsabilidade criminal é, apenas e tão-só, da pessoa que prestou as declarações, uma vez que, como resulta claramente dos autos, esta encontra-se perfeitamente identificada; 11. Ao não entender deste jeito, o Ex.mo Juiz a quo ao proferir despacho de não pronúncia, declarando extinto o procedimento criminal contra a arguida C………., violou o disposto no nº 4 conjugado com o nº 5 do artigo 31º da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, na 1ª parte do artigo 26º, no nº 1 e nº 2 do artigo 115º aplicável ex vi artigo 117º, todos do Código Penal; 12. No que concerne ao 2º argumento invocado no despacho ora em apreço: falta de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação à arguida de uma pena, em virtude da qualificação jurídica efectuada pela Assistente em face da conduta assumida por aquela, assenta no facto do exercício da "autoridade pública" ser um elemento "condicionante para todas as entidades que o tipo descreve", como escreve o Prof. Faria Costa em anotação ao artigo 187º do Código Penal in Comentário Conimbricense do Código Penal; 13. Ora, salvo o devido respeito, a posição sustentada no douto despacho recorrido não tem (ou, melhor, tem uma menor) correspondência com a letra da lei e também com o pensamento do legislador ao tipificar a conduta susceptível de integrar a prática do crime em questão; 14. O artigo 187º do Código Penal corresponde ao artigo 185º do Projecto de Revisão do Código Penal que veio a operar-se pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, sendo, por isso, importante utilizar, como meio de interpretação do pensamento do legislador, a discussão realizada no seio da Comissão de Revisão, designadamente, no que concerne à própria evolução da redacção dada ao preceito legal sub iudice.

15. Por conseguinte, na 25ª sessão da Comissão de Revisão, realizada em 27 de Março de 1990, foi referido pelo Sr. Dr. Ferreira Ramos que: o artigo encontra plena justificação e já se encontrava presente no Anteprojecto de 1987, para protecção de um bem jurídico especial. Observou no entanto, que no Anteprojecto de 1987, o exercício da autoridade pública só se referia aos organismos ou serviços e já não às pessoas colectivas. [in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p.279].

16. Ainda, na mencionada Sessão, foi acordado dar a seguinte redacção: "Quem afirmar ou propalar factos inverídicos, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, capazes de ofenderem o crédito, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva ou uma corporação, organismo os serviço público que exerçam autoridade pública merecem por parte do público, será punido (…)"[…], [ibidem, p.279] 17. Não podemos deixar de reparar que, naquela data, o tempo verbal encontrava-se conjugado no plural, contrariamente ao que sucede com a redacção que veio efectivamente a ser aprovada; 18. Para além do mais, e no que concerne à legitimidade processual, o artigo 186º do Projecto, após a intervenção do Sr. Conselheiro Manso Preto que defendia que "no que respeita ao artigo 185º, exigiria a acusação particular, sempre que não houvesse o exercício de autoridade pública; tendo a Comissão, na referida 25ª Sessão, aprovado, quanto ao que importa atento o objecto do presente recurso, a seguinte redacção: "O procedimento criminal (…) depende de acusação particular, ressalvados os casos: b) do artigo 185º, sempre que o fendido exerça a autoridade pública, em que é suficiente a queixa." [sublinhado nosso], [ibidem, p.280]; 19. Acresce que, este tipo legal foi, ainda, objecto de discussão na 45ª Sessão da Comissão de Revisão, realizada em 11 de Dezembro de 1990. Nesta, foi referido pelo Sr. Prof. Figueiredo Dias "que neste artigo se protege algo mais (ou algo diferente) do que a honra. Cobre-se também a informação falsa, por exemplo, de interesse patrimonial (determinado bem, produzido pela fábrica A tem defeito e não funciona passado um ano)." [ibidem, p.504] 20. Ora, até pelo exemplo referido pelo mencionado Professor, se vislumbra que o exercício de autoridade pública não é constitutivo do elemento típico em relação a todas as entidades nele identificadas.

21. Por isso, nesta Sessão o texto sofreu também uma alteração da redacção, em conformidade com o pretendido âmbito de protecção da norma, passando para: "1 - Quem (…) capazes de ofenderem a credibilidade ou a confiança que sejam devidas a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido…" [ibidem, p. 504]; 22. Destarte, se quanto ao bem jurídico em causa, nenhum reparo merece o despacho ora recorrido, já não podemos deixar de manifestar a nossa discordância quanto ao facto do "exercício de...

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