Acórdão nº 0613508 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução22 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, foi julgado em processo comum (……./03.9TAMTS) e perante tribunal singular o arguido B………….., identificado nos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão: "

  1. Condena-se o arguido B……….. pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º do C. Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; B) Decreta-se a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no art. 50º do C. Penal; C) Condena-se, ainda, o arguido pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 25º, nº1, al.a), do Código da Estrada, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros); D) Condena-se também o arguido na sanção acessória de inibição de condução pelo período de 12 meses - al. b), do art.69º do CP, devendo, para tal, fazer a entrega, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva carta de condução, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena de desobediência; E) Mais vai o arguido condenado no pagamento das custas processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida e a procuradoria em ¼; F) Pagará, ainda, o arguido 1% da taxa de justiça para o F.A.V., nos termos do art.13º nº3 do D.L. nº423/91, de 30 de Outubro.

(…) Outrossim, julgo parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido indemnizatório deduzido pelo assistente C…………. - por si e em representação dos seus filhos D………. e E…….. contra a Companhia F…………., S.A., e, em consequência, condená-la a pagar a diferença entre a quantia global de € 404.968,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação para contestar, até integral pagamento, e a totalidade das prestações que lhes tenham sido pagas a título de pensão devida por acidente de trabalho até ao momento em que a demandada efectuar o pagamento da indemnização aqui em causa, absolvendo-se do restante pedido.

Custas por demandante e demandada, na proporção do decaimento.

Julgo procedente por provado o pedido de reembolso deduzido pelo ISSS/CNP contra a Companhia de F………., S.A., condenando esta a pagar-lhe os montantes relativos ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência pagas na pendência da acção, ou seja, até à ampliação do pedido, constante de fls. 391 dos autos, num total, pois, de € 10.277,05, quantia acrescida dos respectivos juros de mora legais desde a data da notificação até integral e efectivo pagamento.

Custas pela demandada. (…)" Inconformados com tal decisão, dela recorreram o arguido e a Companhia de Seguros "F………… SA", formulando as seguintes conclusões: Arguido

  1. Do texto da decisão recorrida decorre que o arguido deve ser absolvido por dúvidas, uma vez que a vítima G………. procedia, em corrida, à travessia da via da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, obliquamente e em direcção à passadeira destinada a peões e por serem insuficientes as menções conclusivas relativas à velocidade e condução desatenta e à falta de cuidado e destreza acusadas na sentença.

b) Da reapreciação da prova emerge que o arguido deve ser absolvido por certeza de que não praticou o crime pelo qual foi mal acusado.

c) O Tribunal fez mau uso do princípio da livre convicção do julgador substituindo o mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo por um conjunto de considerações de facto e de motivações que não foram expostas representativamente no processo e que, assim, se mostram indevidamente adquiridas; d) O depoimento das testemunhas - cuja reapreciação se requer por referência ao assinalado na motivação e na acta - H……….., I……… e J…………, impõe a alteração da matéria de facto com o sentido e alcance da: - Eliminação da matéria de facto provada do facto 8, por não poder ser do arguido o rasto de travagem; - Eliminação da matéria de facto provada do facto 9, no segmento à velocidade a que o arguido circulava; - Eliminação dos n.ºs 15 e 16, por traduzirem conclusões e não juízos de facto relativos a conduta objectivada; - Adição à matéria de facto das alíneas consideradas não provadas a), b), c) d) e e).

e) A matéria de facto dos números 4, 5 e 9 é insuficiente para excluir ou afirmar a culpa do peão que iniciou a travessia com inconsideração do trânsito, o que integra o vício de conhecimento oficioso; f) A fundamentação da distância a que o arguido se encontrava e da velocidade a que circulava feita por referência à ausência de percepção pelas testemunhas de acusação traduz erro notório na apreciação da prova e constitui decisão de questão duvidosa contra o arguido em violação do princípio in dubio pro reo; g) Face aos factos 4 e 5 da matéria de facto deve afirmar-se a culpa do peão quanto à produção do acidente por violação das regras de atravessamento consagradas no art. 101º, 1 e 3 do C. Estrada, que a sentença recorrida violou por desaplicação; h) É infundamentada a decisão de aplicar ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir que o Tribunal decidiu em termos de funcionamento automático e com violação do regime do art. 69º do C. Penal.

i) Deve ser revogada a sentença recorrida e absolvido o arguido por não ser culpado do sinistro.

Companhia de Seguros "F………., SA" 1- Adere ao recurso do arguido na parte relativa à matéria de facto; 2- O acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima ao atravessar em corrida e obliquamente, fora da passadeira, a faixa de rodagem em que circulava o arguido, à frente do qual se meteu, violando o preceituado nos artigos 100º, n.º 1 e 101º, n.º 1 e 3 do Cód. da Estrada; 3 - Do ponto do passeio de onde a G………….. partiu, ao atravessar a faixa de rodagem (destinado especificamente, como diz a lei, ao trânsito de veículos), ela podia aperceber-se da circulação do arguido, por se tratar de uma recta com mais de uma centena de metros; 4 - Foi a conduta da G………….. a causa única e adequada ao acidente, mostrando-se irrelevante eventual excesso de velocidade por parte do arguido, já que, se não fora a corrida da G……….., ele teria passado sem qualquer risco; 5- O arguido estava tolhido na execução de qualquer outra manobra de fuga, por à sua frente se estarem cruzando duas senhoras em corrida, obliquamente, em sentido inverso (a G………. e a testemunha H…….); 6- Consequentemente, deve julgar-se improcedente o pedido de indemnização civil e a recorrente absolvida (art. 505º do C. Civil).

7 - Assim não se entendendo, deve reconhecer-se que a G……… contribuiu para o acidente com maior percentagem de culpa; 8 - É devida indemnização por danos patrimoniais a terceiros nos termos estabelecidos no nº 3 do art. 495º do C. Civil - ou seja às pessoas com direito a exigir alimentos à vítima e nessa medida; 9 - O direito a alimentos não depende apenas do facto de o alimentando manter relações familiares com a vítima, mas ainda da alegação e prova de que ele está carecido de alimentos e que o obrigado está em condições de lhos prestar (artigos 342º, 2004º, n.º 1 e 2013º, 1, b) do C. Civil); 10 - Atendendo-se ainda à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (art. 2004º, 2 do C. Civil); 11 - Nada, mesmo nada, vem alegado ou provado de que resulte que o requerente C………. dependia economicamente de sua mulher, a malograda G………., ou que esta contribuísse para os seus alimentos; 12 - Haverá, assim, que considerar apenas o direito dos dois filhos menores à prestação de alimentos por parte da mãe e do pai, nos termos dos artigos 1879º e 1880º do C. Civil; 13º - Perante o salário da mãe, é razoável admitir que ela contribuiria para os alimentos dos filhos pelos 200,00 euros mensais, contribuindo o pai com outro tanto; 14º - Perante aquela medida dos alimentos perdidos com a morte da mãe, é razoável atribuir aos menores (considerando uma duração média de 15 anos a 2.400,00 euros/mês) uma indemnização que ande pelos 30.000,00 euros na proporção que o tribunal considerar correcta e justa para cada um dos menores; 15º - À indemnização por danos patrimoniais haverá que abater as quantias recebidas a título de acidente de trabalho e as pensões de sobrevivência recebidas do ISSS; 16º - Deve reduzir-se para não mais de 40.000,00 Euros e 500,00 Euros as indemnizações pela perda da vida e pelos padecimentos da G………… entre o curto período que mediou entre o acidente e a entrada em coma; 17º - Os juros sobre os danos futuros (alimentos) e os danos não patrimoniais deverão correr apenas depois de abatidas as aludidas quantias e só a partir da decisão actualizadora, nos termos do art. 566º do C. Civil.

O ISSS/CNP e o assistente C………. responderam à motivação, defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público na 1ª instância defendeu igualmente a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se à audiência de julgamento.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: Factos provados: "Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1) No dia 5 de Setembro de 2003, cerca das 16h15m, o arguido conduzia o motociclo matricula ..-..-UT, na Avª …….., Sr.ª da Hora, nesta Comarca; 2) A avenida é composta por quatro vias de trânsito, duas em cada sentido; 3) O arguido circulava no sentido sul/norte e não obstante a faixa da direita se encontrar desimpedida, circulava pela faixa da esquerda; 4) Nas mesmas circunstâncias espácio-temporais, a vítima G……….. procedia, em corrida, à travessia da via, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, obliquamente e em direcção à passadeira destinada a peões; 5) Quando a referida G………… se encontrava já sobre a passadeira, foi embatida pelo motociclo...

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