Acórdão nº 0412122 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de instrução n.º …../03, do ….º Juízo de Instrução do Porto, findo o debate instrutório, o Sr. Juiz proferiu o seguintes despacho: "O arguido B…….. veio requerer a abertura da instrução por não se conformar com a acusação formulada pelo Ministério Público que lhe imputa a autoria de um crime de associação criminosa previsto e punível pelo artigo 299º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, e um crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos previsto e punível pelo artigo 2º, al. a) e n.º 3, do Dec. Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, este último crime na forma tentada.

Alegou, em síntese, a nulidade da intercepção telefónica que se encontra transcrita a fls. 10640 dos autos, sob a sessão 1317, por não ter sido efectuada de acordo com as formalidades impostas pelo artigo 188º do Código de Processo Penal e não ter sido sujeita a um verdadeiro controlo jurisdicional que garanta a salvaguarda de direitos e liberdades. Alegou também nada ter a ver com a matéria dos autos, e que a mesma acusação não tipifica os crimes de que vem acusado ou qualquer outro.

Conclui no sentido da sua não pronúncia.

Declarada aberta a instrução e designada data para o debate instrutório, vieram os arguidos C……. e D…….. apresentar os requerimentos que constam a fls. 13065 a 13103 e fls. 13187 a 13220, respectivamente.

O arguido C……. alegou «a nulidade de todas as intercepções de telefones, fax e correio electrónico levadas a cabo nos autos» pelas razões e fundamentos que desenvolve naquele requerimento.

O arguido D…….. alegou, em síntese, a manifesta falta de fundamento da acusação uma vez que os factos nela descritos não consubstanciam a prática de crime.

O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou a fls. 13180 a 13183 resposta escrita ao requerimento apresentado pelo arguido C……… .

Teve lugar o debate instrutório, com observância do legal formalismo.

O tribunal é o competente.

Não há nulidades, questões prévias ou incidentais que ora cumpra conhecer excepto a da alegada nulidade de todas as intercepções telefónicas, de fax e de correio electrónico, invocada pelos arguidos, nomeadamente pelo arguido C…….. .

Tratando-se da arguição de nulidade respeitante ao inquérito, a mesma foi tempestivamente suscitada, nos termos do artigo 120º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal.

Os arguidos têm legitimidade para arguir tal nulidade, independentemente do facto de terem sido directa ou indirectamente os visados por aquelas intercepções, na medida em que a prova das mesmas resultante é utilizada para fundamentar a acusação pelo crime de associação criminosa que a todos é imputado.

Importa assim analisar a forma como decorreram as referidas intercepções, de telefone, fax e correio electrónico, tendo em vista detectar se em alguma delas ocorreu alguma nulidade.

O primeiro despacho que autoriza intercepções telefónicas surge a fls. 24 do processo, com o seguinte resumido teor: «Face aos indícios existentes nos autos, parece de todo o interesse para a investigação e no âmbito da descoberta da verdade, proceder às diligências, as quais se deferem. Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 187º e 269º, n.º 1, al. c), ambos do C. P. Penal, autorizo a intercepção e gravação das comunicações telefónicas efectuadas de e para os n.ºs ……073, ……591,da operadora Telecel, e ……517 e ……643 da TMN, bem como a possível utilização como fax. Pelo período de 60 dias. No entanto, desde que as gravações realizadas atinjam as cinco horas, ou quando não atinjam tal tempo de gravação no período máximo de trinta dias, devem ser presentes, ou desde logo no interesse imediato para diligência de prova».

Relativamente a este despacho, o arguido C…….. alega que, como resulta do mesmo através da expressão «parece de todo o interesse», a decisão de interceptar os telefones correspondentes é tomada com base em impressões e suposições, sem evidência demonstrada de que não fosse possível recolhê-la através de outro meio, pelo que teria sido violado o princípio da necessidade e da subsidiariedade da escuta telefónica.

No entanto, afigura-se-nos que não assiste razão ao arguido.

A expressão «parece de todo o interesse» deve ser interpretada no contexto em que é utilizada, tendo em atenção a regra geral de interpretação das declarações, que decorre nomeadamente do artigo 236º do Código Civil. A declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante; e sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Assim, as escutas só foram determinadas porque o juiz que as autorizou ficou convencido, pelos elementos que lhe foram apresentados, que as mesmas tinham grande interesse para a prova.

E salvo melhor opinião foram igualmente respeitados os princípios da necessidade e da subsidiariedade, uma vez que se nos afigura improvável que a autoridade policial pudesse dar bom andamento às investigações sem o recurso às escutas telefónicas. Para tal conclusão atente-se nas diligências de recolha de prova que só foram possíveis em virtude daquelas intercepções.

Logo, não se vislumbra qualquer nulidade ou ilegalidade no despacho de fls. 24 que determinou as primeiras intercepções telefónicas.

Tal despacho autorizou as intercepções pelo período de 60 dias, mas impôs uma restrição: logo que as gravações efectuadas totalizassem as cinco horas, ou quando não atingissem tal tempo de gravação no período máximo de trinta dias, deviam as mesmas ser presentes. Esta determinação deve ser interpretada no sentido de impor o cumprimento do disposto no artigo 188º, n.º 1, do C.P.P. no período máximo de 30 dias.

Determina o referido preceito legal que da «intercepção e gravação (...) é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as intercepções, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova».

O arguido C……. invoca que não foi elaborado o auto a que alude o artigo 188, n.º 1, e que tal falta é fundamento para nulidade das escutas.

Com todo o respeito, afigura-se-nos que o referido auto consta de fls. 32, completado com os elementos do «print» informático e da informação escrita a fls. 85, preenche os elementos exigidos pelo que salvo melhor opinião aquela alegação não preenche a invocada nulidade.

Alegou ainda o arguido que o CD n.º 2, com os registos da intercepção ao telemóvel ……..073 (código 15550) nunca foi apresentado ao juiz de instrução.

Ora, verificado o referido CD n.º 2, constata-se que o mesmo contém as sessões 841 a 1147, a primeira interceptada no dia 20/04/2002, às 06:41 horas, e a última no dia 23/04/2002, às 00:43 horas, cfr. também indicado no «print» informático junto aos autos, a fls. 296 e 300.

Do exposto se conclui que esse CD foi efectivamente apresentado ao juiz de instrução, fazendo parte do conjunto de 11 CD referidos a fls. 364, cujos registos constam do «print» informático que faz fls. 269 a 362.

Sobre esses 11 CD incidiu o despacho do Ministério Público a fls. 368 dos autos: «Vão os autos ao M.º Juiz do TIC a quem se promove se digne ordenar, após audição, a transcrição das conversações assinaladas com as menções ‘com interesse' e ou ‘transcrever' a fls. 268 a 362, porquanto se afigura conterem importantes elementos probatórios, ao abrigo do disposto no artigo 188º do C.P.P.».

Sobre essa promoção determinou o despacho de fls. 374: «Fls. 368: Como se promove».

Assim, o CD n.º 2 da intercepção ao telefone ……..073 (código 15550) foi efectivamente apresentado ao juiz de instrução. Sucedeu apenas que o referido CD não continha qualquer elemento indicado como tendo interesse para transcrever. E efectivamente do respectivo «print» informático, a fls. 296 a 300 não foi feita qualquer menção de «com interesse» ou «transcrever». Assim, o despacho de fls. 374 não determinou a transcrição de qualquer registo do referido CD n.º 2, e as transcrições das intercepções do mesmo telemóvel, a fls. 436 a 447, não incluem qualquer sessão contida no mesmo CD.

Concluímos assim que não se verifica a invocada nulidade que resultaria da falta da apresentação do referido CD.

Também os CD n.º 2 e n.º 3 relativos ao telefone …….566 (código 15777) foram apresentados, em conjunto com o respectivo «print» informático, a fls. 358 a 362 e 338 a 357, e subsequentemente sujeitos a apreciação judicial, pelo despacho de fls. 374.

Alegou ainda o arguido que não foi cumprido o prazo máximo de trinta dias para a apresentação ao juiz.

Ora, esse prazo interrompe-se com cada uma das apresentações. Assim, com a apresentação ocorrida no dia 9/05/2003 (a fls. 274), interrompeu-se o referido prazo de trinta dias e reinicia-se a contagem do prazo. Logo, a contagem de tempo indicada pelo requerente, nomeadamente a fls. 13075 e 13076 e fls. 13096 e segs. não se mostra totalmente correcta.

A título de exemplo, o CD n.º 4 relativo ao telemóvel n.º …….073 (código 15550) foi apresentado no dia 31/05/2002, em conjunto com outros, ou seja decorridos 21 dias desde a primeira apresentação, cfr. resulta de fls. 274, 609 e 611 a 613.

No entanto, constata-se que houve situações em que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 188º, n.º 1 do C.P.P. no referido prazo de um mês, em violação do despacho que havia autorizado a intercepção telefónica.

Assim, o CD n.º 1, contendo os registos das sessões 1 a 118 da intercepção ao telemóvel n.º …….643 (alvo 15552), relativos a comunicações efectuadas entre 12/04/2002 e 21/05/2002, cujo «print» informático consta de fls. 472 e 473, foi objecto de informação da Policia Judiciária de 24/05/2002, cfr. fls. 600 a 602, sobre a qual incidiu o despacho do Ministério Público, a fls. 606 a 608. Depois o processo foi remetido ao TIC, em 29/05/2002. A fls. 612 e 613 foi ordenada a intercepção de outros dois...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT