Acórdão nº 256/05.2GCAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução27 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Desavindo com a decisão prolatada no processo supra identificado, que na procedência da acusação do produzida pelo Ministério Público contra o arguido, A...

    , com os sinais identificadores constantes de fls. 62, o condenou, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de maus tratos e infracção de regras de segurança, previsto e punido no artigo 152º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal na pena de 14 (catorze) meses de prisão, cuja execução lhe viria a ser suspensa pelo período de 2 (dois) anos, ao abrigo do disposto no artigo 50º,do Código Penal; e ainda: (Relativamente à parte cível) a pagar à demandante B...

    , a quantia € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; e a pagar ao demandante “Hospital C...

    ”, a quantia € 50,30 (cinquenta euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal vencidos desde o dia 25-12-2005, e vincendos até integral pagamento, recorre o arguido, tendo despedido a motivação com a sequente síntese conclusiva: «

    1. O presente recurso tem como fundamento a discordância do arguido quanto à qualificação jurídica dos comportamentos que lhe vinham imputados – e pelos quais, aliás, acabou condenado -, a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, designadamente, o período de suspensão que lhe foi determinado e o montante indemnizatório que foi arbitrado pelo Tribunal recorrido.

    B) O arguido entende que os factos que fundamentaram a respectiva acusação eram insuficientes para lhe imputar o crime consignado no artigo 152.º, n.º 2 do Código Penal, C) Entende que os factos que foram dados como provados pelo Tribunal recorrido são insuficientes para o condenar pela prática do crime de maus tratos e infracção de regras de segurança, D) Entende que o Tribunal recorrido deveria tê-lo absolvido da acusação que foi formulada contra si em Novembro de 2005 ou, pelo menos, alterado a qualificação jurídica dos mesmos.

    E) Considera que em sede de inquérito e em sede de audiência de discussão e julgamento apenas resultaram provados – quando muito – factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de ofensas à integridade simples, previsto e punido no artigo 143.º do Código Penal, F) Que não resultou demonstrada a reiteração e habitualidade dos comportamentos imputados ao arguido pela acusação e necessários à sua condenação pelo crime que se encontra consignado no artigo 152.º, n.º 2 do Código Penal, G) Entende que o Ministério Público nem sequer deveria ter deduzido acusação J} por comportamentos anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, H) Que o Tribunal recorrido nunca o deveria ter condenado por esses comportamentos; I) Que ao fazê-lo o Ministério Público agiu sem legitimidade uma vez que na altura em que foram praticados esses comportamentos o respectivo crime era de natureza semi-pública e carecia de queixa do ofendido, J) E que o Tribunal recorrido ao proferir semelhante condenação violou o princípio da irretroactividade da Lei Penal.

    K) O arguido considera excessivo o período de suspensão de execução da respectiva pena de prisão na medida em que todos os pressupostos consignados para o efeito no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal se encontram reunidos, lhe são favoráveis, se encontra em marcha a respectiva partilha de bens e vai deixar de viver na mesma casa que a ofendida a muito breve trecho.

    L) Considera ainda excessivo o valor da indemnização em que acabou condenado a título de indemnização por danos morais.

    M) Saliente-se que o arguido tem uma situação económica bastante deficitária e que a precariedade da mesma ficou demonstrada em sede de audiência de discussão e julgamento.

    Nestes termos, E nos mais de Direito que V.Ex.ª(s) douta e superiormente suprirão, deve o presente . recurso ser considerado provido, com todas as consequências legais. E o recorrente . dispensado – por agora – do pagamento da respectiva taxa de justiça na medida em . que requereu oportunamente o beneficio da protecção jurídica nas modalidades de apoio judiciário consignadas no artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) e e) da Lei n.º 34/2004, de . 29 de Julho».

    Na comarca o Ministério Público alentou resposta de que se respinga o sequente extracto: […] IV- Ora, dispõe o art. 152º do Cód. Penal que quem infligir ao cônjuge (…) maus tratos físicos ou psíquicos (nº 2) é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

    Tal normativo penaliza a violência doméstica e/ou familiar, a qual consiste, segundo a definição apresentada pelo Conselho da Europa, no «acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade I de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» {Projecto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, BMJ 335-5).

    Ou seja, qualquer conduta que, por acção, ou omissão, inflija, reiteradamente, sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicas, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que seja seu cônjuge ou companheiro.

    Com efeito, dispõe o art. 152º do Cód. Penal que é punido com uma pena de 1 a 5 anos de prisão, quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou tratar cruelmente o respectivo cônjuge ou a pessoa que, com ela, conviva em situação análoga à dos cônjuges.

    Trata-se de um tipo legal de crime que, para se concretizar, pressupõe uma reiteração das condutas que integram o tipo objectivo e que são susceptíveis de, singularmente consideradas, constituírem, em si mesmas, outros crimes: ofensa à integridade física simples, ameaça, coacção, injúria, difamação.

    V – Segundo se expende no Acórdão de 05/11/2003, do Tribunal da Relação do Porto, In www.dqsi.pt , “De acordo com a razão de ser da autonomização deste tipo de crime as condutas que integram o tipo-de-ilícito não são individualmente consideradas, enquanto, eventualmente, integradoras de um tipo de crime, para serem atomisticamente perseguidas criminalmente, são, antes, valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido que signifique maus tratos sobre o cônjuge:”.

    Ou seja, entre o crime de maus tratos e os crimes que o podem integrar (nomeadamente o de ofensa à integridade física simples e o de injúrias, como no caso “sub judice”) estabelece-se uma relação de concurso parente, só se aplicando a pena cominada pelo art. 152º, nº2, do Cód. Penal, deixando de ter qualquer relevância jurídico-penal autónoma os crimes que o podem integrar.

    Unidade de acção típica não pode ser excluída pela realização repetida de actos parciais, quer estes integrem, ou não, outros tipos legais de crime.

    Com efeito, o crime de maus tratos a cônjuge vem descrito na lei como consistindo numa pluralidade indeterminada de actos parciais, ou seja, numa realização repetida do tipo (cfr. HANS HEINRICH, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S A, pags.998-999 e MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, previsto e punido 546-547).

    Segundo dispõe o art. 19º, nº2 do Cód. Proc. Penal, existem crimes que se consumam através de actos sucessivos ou reiterados, mas que são um só crime, não se podendo concluir pela existência de vários crimes, mas sim pela existência de múltiplas formas de executar ou praticar o crime.

    Será a consideração global dos vários actos (que, desacompanhados de certas circunstâncias e considerados em particular, consistem em crimes efectivos e punidos enquanto tal) que nos levam a concluir e a punir determinada conduta como crime de maus-tratos a cônjuge.

    Ainda na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/07/2002, In www.dQsLpt, o art. 152°, n01 e 2 do Cód. Penal “inclui os comportamentos que, de forma reiterada, lesam a dignidade humana, compreendendo a ratio deste normativo, para além dos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos (por exemplo humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc)…”.

    Segundo entendeu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/1997), para a verificação do crime de maus tratos não basta uma acção isolada, mas também não se exige uma habitualidade. Praticando, assim, tal ilícito “… o arguido que, durante os anos de 1993, 94 e 95, agrediu o seu cônjuge, com palavras torpes e batendo-lhe com as mãos”. (Como se pode ver no caso em apreço, o arguido vinha desde, pelo menos Outubro de 1999 até 2005, maltratando a sua companheira, umas vezes, através de ofensas corporais, outras por meio de insultos).

    E em relação ao art. 152º do Cód. Penal, que, no seu nº 2, pune a actuação de quem infligir ao cônjuge maus tratos físicos e morais, devendo configurar tal crime uma única agressão, desde que a sua gravidade intrínseca as pudesse qualificar como tal, ou seja, qualifica-se como crime de maus tratos as condutas agressivas, mesmo que praticadas uma só vez, que se revistam de gravidade suficiente para poderem ser consideradas como tal.

    Não são todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal do art. 152º, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, isto é, que traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança, desnecessária, da parte do agente.

    Ainda segundo o Ac. do ST J de 04/02/2004. «… O bem jurídico protegido pelo crime de maus tratos a cônjuge é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge (…) – Os maus tratos físicos consistem em actos que se traduzem em qualquer forma de violência física, designadamente ofensas corporais, enquanto os maus tratos psíquicos consistem em actos que ofendem a integridade moral ou o...

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