Acórdão nº 53/03.01DAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Novembro de 2006

Data29 Novembro 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I. RELATÓRIO Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença mediante a qual o tribunal recorrido decidiu julgar a acusação procedente, condenando os arguidos nos seguintes termos: - o arguido A...

, como co-autor, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um ano e dois meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos, condicionada ao pagamento ao Estado, nesse prazo, da totalidade da quantia equivalente às prestações tributárias e acréscimos legais que deveriam ter sido entregues após 29 de Novembro de 1999, devendo o seu pagamento ser comprovado nestes autos findo esse prazo; - o arguido B...

como co-autor, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um ano e dois meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos, condicionada ao pagamento ao Estado, nesse prazo, da totalidade da quantia equivalente às prestações tributárias e acréscimos legais que deveriam ter sido entregues após 29 de Novembro de 1999, devendo o seu pagamento ser comprovado nestes autos findo esse prazo; - a arguida C...

como autora, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de dois anos e seis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada ao pagamento ao Estado, nesse prazo, da totalidade da quantia equivalente às prestações tributárias e acréscimos legais que deveriam ter sido entregues até 29 de Novembro de 1999, devendo o seu pagamento ser comprovado nestes autos findo esse prazo - a arguida D...

, como autora material, sob a forma consumada de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos arts. 7.º e 105.º, n.o 1, n.º 2 e n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 600 (seiscentos dias de multa à taxa diária de € 15 (quinze euros).

*Inconformados com a sentença dela recorrem os três primeiros arguidos, motivando o recurso com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Ocorreu deficiente gravação de ambas as cassetes em que foram gravadas as declarações orais prestadas em audiência, sendo inaudíveis várias partes dessas gravações.

  1. O Tribunal “a quo” está assim impedido de proceder à transcrição da gravação magnetofónica das declarações prestadas em audiência, como lhe é imposto por os recorrentes impugnarem a decisão proferida sobre matéria de facto.

  2. O que consubstancia irregularidade prevista no art. 123º, n.0 2 do Código de Processo Penal que afectando a validade do acto só pode ser sanada com a realização de novo julgamento.

  3. Foram incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto em que consta que a sociedade arguida recebeu IVA dos seus clientes.

  4. Em face da prova produzida deveria o Tribunal a quo não julgar provado o recebimento das quantias de IVA em causa.

  5. Nesse sentido apontam o depoimento dos arguidos. o depoimento das testemunhas de acusação e os próprios documentos juntos, sendo que, 7. Não há qualquer prova de que tais quantias tenham sido recebidas.

  6. Não resultando provado um único concreto recebimento desse IVA.

  7. Razão pela qual devem ser repetidos os referidos depoimentos, mas essencialmente, o depoimento da única testemunha de acusação E...

    .

  8. A decisão recorrida contem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

  9. Por um lado, decide-se que a arguida C..., até 29.11.99 geria, com exclusão dos outros arguidos o pagamento de impostos ao Estado, e que este, a partir desta data era gerido pelos arguidos A... e B....

  10. Por outro lado, decide-se que os arguidos (não se excluindo nenhum deles) deveriam ter entregue e não entregaram, retendo, os montantes de IRS referentes a 1998 e 1999 que deveriam ter entregue nos anos de 1998. 1999 e 2000.

  11. Há também contradição no que concerne aos montantes de IVA não entregues ao Estado de Janeiro de 1998 a Outubro desse ano, referindo a douta sentença sobre tais montantes três valores distintos, o que constitui contradição insanável.

  12. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no que concerne ao IVA de Janeiro a Outubro de l998.

  13. Ficou provada a existência de deduções em excesso relativas a Janeiro a Outubro de 1998 e que tais deduções em excesso foram determinadas pela inscrição nos campos 20 e 24 das Declarações Periódicas respectivas de valores diferentes dos extractos contabilísticos, bem como por erro de dedução do IVA contido nas rendas do contrato de locação financeira da viatura SEAT CORDOBA.

    1 6. Não ficou, no entanto, provado que os arguidos tivessem conhecimento desses erros e que quisessem esses erros que determinaram deduções cm excesso.

  14. Não resultando tal facto provado e só tendo ocorrido preenchimento de declarações periódicas de substituição em 13.11.2002 fruto da acção inspectiva se ocorreu apropriação c se esta foi querida, só o foi em consequência de tais erros desconhecidos e não queridos.

  15. Pelo que não resultaram provados os elementos relativos ao dolo.

  16. Na verdade, pelas razões expostas, os arguidos não representaram um facto que preenche o tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal.

  17. Pelo que ao entender de forma diversa da ora exposta, a decisão recorrida violou frontalmente o disposto no art. 14º do Código Penal e no art.0 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias e no art.0 24º, n.0 1, 2 e 5 do Regime Jurídico de Infracções Fiscais Não Aduaneiras.

  18. As liquidações oficiosas são, nos termos do disposto no n.0 1 do art.0 83º do CIVA o seguinte: ‘Se a declaração periódica prevista no artigo 40º não for apresentada, a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA procederá à liquidação oficiosa do imposto, com base nos elementos de que disponha.

  19. Deste modo, a liquidação oficiosa do imposto assenta em valores presumidos (presunções) e em métodos indiciários.

  20. Isto é, a liquidação oficiosa não é mais que a presunção por parte da Administração Fiscal de que um imposto em dívida é de determinado montante.

  21. Esta presunção, em matéria fiscal não pode afastar o princípio constitucional da presunção da inocência dos arguidos, principio que afasta de forma definitiva a possibilidade de haver condenação dos arguidos com base em presunções fiscais da sua culpa.

  22. Assim, frontalmente contrária à Constituição a República Portuguesa, por violação do seu artigo 320 que dispõe que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”, a interpretação do art.0 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias e no art.0 24º, n.0 1. 2 e 5 do Regime Jurídico de Infracções Fiscais Não Aduaneiras, segundo a qual é admissível a condenação pela prática do referido crime com base na presunção da divida de determinados montantes de impostos liquidados oficiosamente nos termos do disposto no art. 83º do CIVA.

  23. A decisão recorrida viola ainda, quer o art.0 24º do Regime Jurídico de Infracções Fiscais Não Aduaneiras quer o art.0 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

  24. Na verdade, no que se refere ao arguido B... e A..., os montantes em causa mesmo de acordo com a própria sentença são inferiores a € 24.939.89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).

  25. Pelo que, quer de acordo com a legislação vigente à data da prática dos factos, quer de acordo com a actual legislação, nunca os arguidos poderiam ter sido condenados pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada nos termos do n.0 5 do art.0 24º do Regime Jurídico de Infracções Fiscais Não Aduaneiras e nos termos do nº 5 do art.0 105” do Regime Geral das Infracções Tributárias, mas apenas nos termos do n.º 1 de cada uma das referidas disposições legais.

  26. Ao julgar de forma diferente houve erro na determinação da norma aplicável o que impõe, sempre. a revogação da decisão e a opção, face ás circunstâncias do caso, por pena de multa.

  27. Sendo que, no caso sub júdice, o regime mais favorável é o regime vigente à data da prática dos factos.

  28. No que concerne à arguida C... sempre a pena a aplicar deveria ter sido, atendendo ao facto de ser primária, estar integrada socialmente, viver sozinha em casa de renda, mostrar-se arrependida e gozar de excelente reputação, sempre deverá a pena a aplicar não ser superior a 15 meses de prisão cuja execução deve ser suspensa, tudo nos termos do disposto no art.º 71º, n,º 1 e 2 do Código Penal.

  29. Até porque, ficou provado, que só as circunstâncias de dificuldade económica da empresa levaram a que não houvesse entrega dos montantes em causa à Administração Fiscal, não tendo a arguida qualquer benefício a nível pessoal com tal facto.

  30. Ao aplicar pena tão grave quanto a aplicada a decisão recorrida viola, além das disposições supra referidas, também estas disposições da lei penal.

    TERMOS EM QUE DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA, ANULANDO-SE O JULGAMENTO, OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVEM OS ARGUIDOS SER BSOLVIDOS OU PELO MENOS DIMINUIDAS SUBSTANCIA LMENTE AS SUAS PENAS.

    *Respondeu o digno magistrado do MºPº, dizendo, em síntese conclusiva: 1. Da audição das cassetes que contém a transcrição da prova resulta que, efectivamente, existem algumas anomalias na gravação; 2. No entanto, tal facto não impossibilita a percepção do teor dos depoimentos — como aliás se depreende da leitura da transcrição operada pelos recorrentes não afectando irremediavelmente o valor do julgamento e permitindo a percepção global do teor da prova produzida em sede de discussão e julgamento e, conscientemente a sua reapreciação pelo Tribunal ad quem 3. Atento o sentido global dos depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento e...

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