Acórdão nº 07P1602 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2007

Data24 Maio 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

No processo comum colectivo n.º 1101/04.1 GACSC do 4º Juízo Criminal de Cascais, o arguido AA foi submetido a julgamento e condenado, como autor material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo art. 131° do C. Penal, na pena de onze anos de prisão, e, por parcialmente provado, procedente o pedido de indemnização civil, condenado a pagar à demandante BB a importância de € 1.900,00 (mil e novecentos euros) bem como, oficiosamente, no pagamento de uma indemnização civil ao menor CC no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) acrescida de juros à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento.

Foi ainda decidido absolver o arguido do crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punível pelo art. 359°, n.º 2, do C. Penal, de cuja prática se encontrava acusado.

Inconformado, o M.º P.º interpôs recurso da decisão, recurso ao qual a Relação de Lisboa, após várias incidências processuais que motivaram já a intervenção deste Supremo Tribunal por duas vezes no processo, deliberou conceder provimento «e, consequentemente: 1.º Considerar o arguido AA autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 131° e 132º n.º 1 do Código Penal; 2.º Condenar o arguido AA na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

» É a vez de o arguido se mostrar irresignado, assim manifestando, em síntese, perante este Supremo Tribunal, as razões dessa discordância: I - Do douto acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 1101/04.1 GACSC que correu seus termos pelo 4.º Juízo Criminal de Cascais, inconformado, recorre o MP [da decisão] que condena o arguido AA pelo crime de homicídio simples, na pena de 11 anos de prisão.

II - Entende o MP encontrarem-se provados factos que impelem a qualificação do homicídio trazendo como consequência o aumento significativo da pena.

III - Assim, procura obter a qualificação do crime fundamentando a sua discordância à solução seguida no douto acórdão recorrido em argumentação extraída dos factos provados.

IV - Solicitando que deve dar-se como provado que o arguido agiu com reflexão sobre os meios empregados e persistindo na intenção de matar, bem como com frieza de ânimo, assim cometeu o crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea i), do Código Penal.

V - Ora a este respeito os Venerandos Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, reconhecem que "Com o devido respeito pela argumentação do recorrente, a ilação que tira desses factos (invocados pelo MP) encontra-se viciada no seu raciocínio." VI - Fundamenta a sua decisão com a demonstração lúcida, clara e incontroversa da falta de prova concluindo: "Parece-nos, pelo exposto, que as objecções tecidas pelo recorrente não têm fundamento fáctico e, desse modo, obter o efeito pretendido", ou seja, a qualificação do crime.

VII - Logo, o douto acórdão proferido pelo Tribunal em 1.ª instância, então recorrido, não se encontra em contradição nem se encontram preenchidos os requisitos necessários para a qualificação do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 1 e 2, alínea i), do CP.

VIII - Assim sendo, cai pela base toda a fundamentação do pedido do presente recurso (sic) (1) por não existirem provas bastantes para a sua qualificação.

IX - Levando o Tribunal da Relação de Lisboa a concluir não existirem provas para dar como provado, como pretendia o MP que o arguido "agiu com reflexão sobre os meios empregados e persistido na intenção de matar", afastando definitivamente da discussão o artigo 132.º, n.º 2, alínea i), do CP.

X - Não se mostram violadas (2) as normas contidas nos artigos 132.º, n.º 2, alínea i) e 71.º, ambos do C. Penal, devendo assim manter o douto acórdão proferido pelo douto tribunal a quo de 1.ª instância (sic).

XI - Todavia, entendem os Venerandos Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa que na qualificação do crime prevista no artigo 132.º, a enumeração é meramente exemplificativa invocando que as circunstâncias qualificativas são elementos da culpa e não do tipo, pelo que não são de funcionamento automático.

XII - No caso, aponta como elementos ponderadores para aquela especial censurabilidade o modo como o arguido cometeu o crime.

XIII - Por ter sido uma mera consideração circunstancial não se teve em conta os factos provados e não provados resultantes do contraditório, e por via desta toda a defesa do arguido e consequentemente a falta de prova da acusação em sede de audiência de julgamento.

XIV - Fundamentar um agravamento de pena de prisão em quatro anos com base apenas no modo como o arguido cometeu o crime, sem provas subjectivas factuais, já afastadas dessa consideração, espelhando no presente caso um homicídio qualificado atípico, vai muito para além do que o arguido foi pronunciado, condenado e muito para além do que constituiu o fundamento do pedido constante do recurso apresentado pelo MP.

XV - No âmbito deste controverso entendimento onde ficam, in casu, os princípios da legalidade, da tipicidade e do contraditório, bem como o da segurança jurídica.

XVI - Nunca deverá o homicídio qualificado atípico ser qualificado apenas em sede de recurso, ofendendo irremediavelmente o princípio do contraditório.

XVII - "O conteúdo essencial do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência nem nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar" (art.º 32.º, n.º 5, da CRP).

XVIII - "(…) só tem que se ter sempre presente que o processo criminal há-de ser a due processo of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o MP (Ac. Trib. Const, de 4 de Nov. de 1987, BMJ, 371, 160).

XIX - A ser catapultado esse discutível entendimento sustentado apenas em amarras jurisprudenciais e doutrinais, deverá sê-lo em momento processual em que permita ao arguido exercer na plenitude o contraditório, dando-lhe possibilidade de defesa sobre fundamentos ou entendimentos com os quais nunca foi confrontado.

XX - Em suma, não deverá suprir-se com o vasto e ilimitado campo da atipicidade o que não se conseguiu a nível da prova, tanto mais que o ónus impende sobre a acusação.

XXI - Alerta-se que esta atipicidade é invocada não existindo alteração à base probatória que fundamentou a decisão de 1.ª instância, e não decorrendo desta prova de especial...

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