Acórdão nº 07S051 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | MARIA LAURA LEONARDO |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA", por si e em representação de sua filha menor BB, residentes na Rua .... ... dos ..., nº .., ..., Alhandra, instaurou a presente acção especial de acidente de trabalho contra Companhia Empresa-A, Companhia Empresa-B, Companhia Empresa-C, Companhia Empresa-D e Empresa-E, esta com sede na Rua João Mendonça, ..., ..., Senhora da Hora, pedindo que estas sejam condenadas a pagar: (i) À autora AA: - a pensão anual e vitalícia de € 3.149,38, desde 18/01/2002 até perfazer a idade da reforma por velhice, e de € 4.199,17 a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho; - € 4.176,12, a título de subsídio de morte; - € 2.784,08, referente a despesas de funeral; - € 4,00, de despesas com transportes; (ii) À autora BB a pensão anual de € 2.099,58, desde 18/01/2002, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou ensino superior, ou sem limite de idade, no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
Alegaram, em síntese, que no dia 17/01/2002 CC, casado com a autora AA e pai da autora BB, sofreu um acidente de trabalho de que resultou a sua morte ao serviço da ré Empresa-E. Nessa altura aquele auferia a retribuição anual de € 475,00 x 14 e € 320,66 x 12 e a entidade patronal do sinistrado tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a 1ª ré na posição de líder das outras seguradoras, também demandadas na acção.
A ré Empresa-A contestou, assumindo que lhe cabia representar as restantes rés nas responsabilidades emergentes no contrato de seguro em causa nestes autos, dado ter sido celebrado em regime de co-seguro, cabendo-lhe a posição de líder.
Alega que o acidente está descaracterizado porquanto se deveu a culpa exclusiva do sinistrado, que se acidentou porque o seu estado de embriaguês, com um grau de alcoolemia de 2,45 g/l, foi a única causa do acidente.
A ré Empresa-E também contestou para dizer que à data do acidente tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a ré Empresa-A, pela totalidade das retribuições auferidas pelo sinistrado.
A ré Empresa-C invocou que o contrato de seguro foi celebrado no regime de co-seguro, sendo a contestante uma das seguradoras com a quota de 10%, pelo que a sua responsabilidade estaria sempre limitada à percentagem de responsabilidade assumida. Mais declarou aceitar os factos alegados pela ré Empresa-A.
A fls. 134, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) deduziu pedido de reembolso, invocando, para tanto, que com base no falecimento de CC, pagou à autora AA, a título de subsídio por morte, a quantia de € 2.088,06.
As rés Empresa-A e Empresa-E contestaram este pedido, com base em fundamentos idênticos aos já vertidos nas contestações iniciais.
As autoras responderam à contestação, salientando que competia às rés provar o nexo de causalidade entre o acidente e o grau de alcoolemia apresentado pela vítima.
Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu condenar as rés "Empresa-A", "Empresa-B", "Empresa-C" e "Empresa-D", a pagar, respectivamente, na proporção de 60%, 20%, 10% e 10% : (
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A "AA": - uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3.149,38 (três mil cento e quarenta e nove furos e trinta e oito cêntimos), devida desde 18 de Janeiro de 2002 e que passará para € 4.199,17 (quatro mil cento e noventa e nove euros e dezassete cêntimos), após a idade da reforma ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho da autora, a pagar em 14 prestações mensais até ao 30 dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento; - a quantia de € 4,00 (quatro euros), a título de despesas com deslocações obrigatórias a tribunal.
(b) A "BB": - a pensão anual de € 2.099,58 (dois mil e noventa e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), devida desde 18 de Janeiro de 2002 até à data em que atinja 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade, quando afectada de doença física ou mental que a incapacite sensivelmente para o trabalho, acrescida de subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, a pagar nos meses de Maio e Novembro de cada ano, bem como dos juros de mora desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita, à taxa legal e até integral pagamento; - a quantia de € 2.088,06 (dois mil e oitenta e oito euros e seis cêntimos) a título de subsídio por morte, acrescida juros de mora, à taxa legal, desde 15 de Julho de 2003 e até integral pagamento.
(c) Ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS), a quantia de € 2.088,06 (dois mil e oitenta e oito euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 05 de Dezembro de 2003 e até integral pagamento.
Decidiu, ainda, absolver: - a ré "Empresa-E" de todos os pedidos - e as rés "Empresa-A", "Empresa-B", "Empresa-C" e "Empresa-D" tanto do pedido de pagamento das despesas de funeral como do pedido de pagamento a AA do subsídio por morte.
As rés apelaram, mas sem sucesso, dado que o Tribunal da Relação confirmou a sentença.
De novo inconformadas, vêm pedir revista, terminando as suas alegações do seguinte modo: 1ª) - Não é possível defender, por um lado, que o mesmo condutor possa ser punido com uma pena até uns anos por conduzir em estado de embriaguez e, por outro, que o acidente não está descaracterizado por não haver violação de preceitos legais e de regras relativas à segurança; 2ª) - Nos presentes autos, em que o condutor circulava com uma taxa de alcoolemia de 2,45 g/l, que já constitui ilícito criminal, seria inaceitável concluir que a referida taxa em nada interferiu na capacidade de conduzir e na ocorrência do acidente; 3ª) - A prova do nexo de causalidade entre o álcool e o acidente terá que ser aferida da conjugação de diversos elementos, designadamente: as características do local, a dinâmica do acidente, o grau de alcoolemia registado, os dados científicos, as regras da experiência e a própria teleologia da lei; 4ª) - No caso dos autos, o réu conduzia com uma taxa de alcoolemia de 2,45g/l; 5ª) - O local do acidente é uma faixa de boa visibilidade com uma curva ligeira; 6ª) - Dada a simples configuração da via, só o grau de álcool no sangue, muito superior ao permitido por lei, podia determinar a falta de sensibilidade e reflexos que levaram o réu a não adequar a velocidade às características do local, e a não conseguir travar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, despistando-se; 7ª) - O condutor médio não se despista nem embate em muros sem qualquer razão: é esta uma regra da experiência comum; 8ª) - A condução com uma taxa de álcool de 2,45 consubstancia uma conduta dolosa que importa violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela lei; 9ª) - A sentença, ao não considerar o acidente descaracterizado, violou o art° 7°-1-a) da Lei nº 100/97; 10ª) - O ISSS não tem direito ao subsídio por morte já que este é um típico benefício com vista à protecção social dos familiares da vítima, mas que sai fora do conceito de indemnização; 11ª) - O fundamento do subsídio por morte de beneficiário da segurança social é exclusivamente a morte, seja qual for a sua causa - a morte é um facto futuro e certo (só não se sabe o momento da sua ocorrência); 12ª) - O artigo 16° da Lei nº 28/84 prevê a possibilidade de sub-rogação do ISSS no caso de indemnizações; ora, o subsídio por morte é um benefício e não uma indemnização; 13ª) - Da conjugação dos artigos 2°, 5°-5, 16° deste diploma e do art° 4º do DL 322/90 resulta que o subsídio de funeral nada tem de compensação por danos, limitando-se a ser uma atribuição patrimonial em função da morte do beneficiário, abstraindo da causa da mesma; 14ª) - A sentença não podia condenar nem a ré Empresa-A para além de 60% do valor do subsídio por morte conforme sua percentagem no regime do co-seguro, nem podia condenar a Empresa-B no reembolso ao ISSS das prestações pagas já que não existe nenhum pedido do ISSS relativamente a esta seguradora.
15ª) - Ao condenar a ré Empresa-B e Empresa-D a pagar ao ISSS, o M. Juiz condenou além do pedido, em violação do estabelecido no art° 661º-1 do CPC.
Termina no sentido da absolvição das rés do pedido.
Nas contra-alegações, tanto as autoras, patrocinadas pelo MP, como o Instituto de Solidariedade e Segurança Social defendem a manutenção do acórdão recorrido.
II - Questões Saber: A - Se o acidente deve ser descaracterizado; B - Se as rés/seguradoras estão obrigadas a reembolsar o ISSS do subsídio por morte que este pagou à beneficiária - AA; C - Em caso de resposta positiva, se a condenação das rés Empresa-B, Empresa-C e Empresa-D no seu reembolso - segmento confirmado pelo acórdão recorrido - viola o disposto no artº 661º do CPC.
III - Factos
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No dia 17 de Janeiro de 2002, cerca das 19h00, o sinistrado CC, quando se deslocava para casa, foi vítima de um acidente de viação, quando conduzia o veículo de matrícula RC, na Estrada Nacional n° 10, ao km 126,150, concelho de Vila Franca de Xira...
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