Acórdão nº 749/13.8TTGMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução07 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. Relatório Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, veio a beneficiária M. P., na qualidade de viúva do sinistrado A. D., patrocinada pelo Ministério Público, pedir a condenação de X Seguros, S.A. a pagar-lhe a pensão anual de € 2.226,12, com início em 11/07/2013, a quantia de € 1.828,00, de despesas de funeral, a quantia de € 5.533,70, de subsídio por morte, e a quantia de € 16,00 a título de despesas com transportes nas deslocações a este tribunal, acrescidas de juros de mora, à taxa legal.

    Alega para tanto, em síntese, que o seu marido, no dia 10 de Julho de 2013, quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de “Y, Lda.”, auferindo a retribuição de € 492,00 x 14 meses/ano, acrescida de € 2,20 x 22 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a Ré, e se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência, sofreu um acidente que lhe causou lesões que lhe provocaram a morte.

    Veio também o Instituto de Segurança Social I.P. deduzir pedido de reembolso contra a Ré, no valor de € 3.607,64, acrescido das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção e respectivos juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Contestou a Ré, não aceitando qualquer responsabilidade pela reparação do acidente por o mesmo se mostrar descaracterizado nos termos do disposto no art. 14.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 98/2009, de 04/09, por o sinistrado conduzir sob o efeito de uma TAS de 2,74 g/l, sendo o estado de embriaguez em que conduzia a única causa determinante do acidente.

    Contestou também o pedido formulado pelo Instituto de Segurança Social I.P., em termos semelhantes e acrescentando que, ainda que se viesse a apurar que as prestações reclamadas eram devidas, a quantia a reembolsar deveria sempre ser abatida da indemnização reclamada pela Autora.

    Por despacho, foi fixada à beneficiária a pensão anual provisória de € 2.226,12, a pagar pela seguradora.

    Foi elaborado despacho saneador e fixadas a matéria de facto assente e a base instrutória, tendo estas sido objecto de reclamação pela seguradora, que foi parcialmente atendida.

    Foi realizada perícia médico-legal de toxicologia forense, encontrando-se o respectivo relatório junto a fls.143 a 145.

    Procedeu-se a julgamento, no termo do qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória.

    Seguidamente, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, de que foi interposto recurso de apelação pela Ré, tendo este Tribunal da Relação proferido Acórdão de 4 de Maio de 2017 que terminou com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, acorda-se em anular parcialmente a decisão proferida na primeira instância e determinar que o tribunal recorrido proceda à ampliação da matéria de facto que foi objecto de julgamento, repetindo este quanto aos factos constantes dos arts. 15.º, 18.º e 19.º da contestação, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, proferindo-se nova sentença em conformidade com o resultado da ampliação da matéria de facto objecto de julgamento.

    Custas pela parte vencida a final.» O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio pedir a ampliação do pedido inicial, o que foi indeferido.

    Procedeu-se a julgamento para os efeitos determinados no acima mencionado Acórdão, após o que foi proferida nova sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo:

    1. A acção procedente, por provada e, em consequência, condeno a seguradora “X Seguros, SA”, a pagar à A.: - A pensão anual de € 2 226,12 (dois mil, duzentos e vinte e seis euros e doze cêntimos), com início em 11/07/2013 (sem prejuízo da pensão já recebida pela A. a título de pensão provisória); - A quantia de € 1 828,00 (mil, oitocentos e vinte e oito euros) de despesas de funeral; - A quantia de € 5 533,70 (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), de subsídio por morte; - A quantia de 16,00 (dezasseis euros) a título de despesas com transportes nas deslocações a este tribunal, sendo essas quantias acrescidas de juros, à taxa de 4%, nos termos do disposto nos artºs. 135º, in fine, do Cód. Proc. do Trabalho e 559º, nº. 1do Cód. Civil, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.

    2. Absolver a mesma Companhia de Seguros do pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social IP.

    Custas pela R. Seguradora.

    Fixo à acção o valor de € 37 530,60.» A Ré, inconformada, interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: «1) Deve ser alterada a resposta dada ao ponto 9 dos factos provados eliminando-se a mesma e substituindo-se pelos factos alegados quesitados quo tale em 5º, 6º e 7º da BI, tudo com fundamento no depoimento da testemunha presencial A. R. nas passagens assinaladas e transcritas (passagens de 01:22 a 01:37, de 01:22 a 01:37, de 08:41 a 09:07, de 09:28 a 09:45, 04:27 a 04:39) conjugado com o parecer de fls.143/145, relatório de autópsia de fls.35 e ss, e fotografias juntas como docs.1 e 2 da PI e com o croquis do auto de ocorrência junto a fls.31 a 34 onde se constata trata-se de uma curva prolongada e pouco pronunciada; 2) Deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto dada como provada, aditando-lhe o facto quesitado em 1º-A e aditado à base instrutória na sequência da anulação do julgamento, considerando a conjugação auto de ocorrência, com a certidão do arquivamento de onde sobressaem a ausência de qualquer indicio de deficiência do ciclomotor, o depoimento da testemunha A. R. ((Passagem de 09:28 a 09:45), da testemunha S. M. (Passagem de 04:30 a 06:00),da testemunha José, prestado na sessão de 9/3/2016 (Passagens de 06:23 a 06:39 e de 07:07 a 07:20), prestado na sessão de 25/10/2017 (Passagens de 05:52 a 07:20 e de 02:32 a 03:35) e, prestado na sessão de 2/05/2018 (Passagem de 03:10 a 03:26); 3) Dos factos provados resulta que o sinistrado que seguia alcoolizado com um TAS de 2,74g/l, e por isso com afectação das suas capacidades de condução, num estado de inércia geral, próximo da perda de funções motoras, em que está marcadamente diminuída a resposta de coordenação muscular aos estímulos, incapacidade ou grande dificuldade de se manter de pé ou andar, e no final de uma recta seguiu em frente sem desfazer a curva à esquerda, despistando-se e indo embater de rastos com um posto de um sinal de trânsito, sofrendo as lesões que o vitimaram, sem se apurasse causa diferente do TAS na eclosão do acidente; 4) Dispondo o art.º 81.º n.º 1 do CE que “é proibido conduzir sob a influencia de álcool ou substâncias psicotrópicas”, esta é uma inquestionável regra de segurança da condução estradal a que um trabalhador está obrigado quando no in itinere regressa do trabalho a casa a conduzir um veículo ainda que de duas rodas; 5) Segundo as entidades oficiais competentes “o risco de envolvimento em acidente mortal aumenta rapidamente à medida que a concentração de álcool no sangue se torna mais elevada”, pelo que, conduzir com um TAS de 2,74g/l quando a partir de 1,2 g/l já é tipificado como crime pelo ordenamento jurídico – art. 292.º do CPen – traduz uma actuação de elevadíssima ilicitude e grande temeridade na infracção violenta a uma das normas de segurança da actividade que o sinistrado levava a cabo quando sofreu o acidente – a condução estradal; 6) circunstâncias que, por um lado, justificavam a descaracterização deste acidente como de trabalho atento o disposto no art.º 14.º n.º 1 a) da NLAT tanto mais que, como é sabido, o Tribunal na interpretação do direito não está vinculado à qualificação que é feita pelas partes; 7) Por outro lado, iniciar a condução de um ciclomotor depois de beber bebidas alcoólicas que determinam um TAS de 2,74g/l é incontornavelmente um comportamento temerário em alto e relevante grau, nos termos e para os efeitos da descaracterização pelo disposto no art.º 14.º n.º 1 b) da NLAT; 8) Neste quadrante, a Mmª Juiz a quo não fez uma correcta aplicação do direito, desde logo, pela não consideração do facto dado como provado no ponto 19 “o sinistrado quando foi autopsiado apresentava uma presença de álcool etílico numa concentração de 2,74 g/l. (al L) da matéria de facto assente) bem como, os que provados também constam dos pontos 11), 17) e 18), quanto às condições da via e da velocidade lenta a que seguia o sinistrado; 9) Estando o piso seco e em bom estado, circulando o sinistrado numa recta entre os 30 e os 50km/h, finda a qual numa curva prolongada se despistou sem que houvesse a intervenção de qualquer terceiro, resulta adequado às regras da experiência comum que o único facto para tão inusitada queda e óbito do sinistrado se deveu ao estado de embriaguez em que se encontrava a conduzir; 10) Não pode ser exigido ao responsável, e no caso à ré, que para ver descaracterizado um acidente de trabalho pro negligência grosseira, tenha de alegar pela negativa todas as circunstâncias susceptíveis de provocar o acidente em questão e demonstrar que nenhuma delas se verifica, se dos autos não resulta o menor indício da possibilidade de qualquer se haver ocorrido; 11) Para a descaracterização por negligência grosseira, tem a responsável de alegar e provar a actuação grosseiramente negligente, o nexo causal entre ela e o acidente e, caso das circunstâncias concretas de cada caso resultem indícios da possibilidade de concorrência de qualquer outro factor alheio à actuação negligente, alegar e demonstrar em sede probatória a sua não concorrência no processo causal do evento; 12) É inconstitucional o art.º 14.º n.º 1 a) e n.º 3 da NLAT, na interpretação de ter a responsável de alegar e provar pela negativa que o acidente não ocorreu devido a nenhuma dessas hipóteses imaginárias sem a menor aderência a qualquer indício da ocorrência de uma delas, por violação do principio do acesso ao direito consignado no art.º 20.º da CRP; 13) No caso em apreço, estando provado que ao...

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