Acórdão nº 06B4207 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2007

Data01 Março 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

I AA intentou, no dia 19 de Novembro de 2003, contra o Instituto de Medicina Legal, BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 146 646,50 e juros de mora desde a citação à taxa legal a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da privação da sua liberdade em consequência de erro grosseiro dito cometido por eles em relatório médico de autópsia.

O Instituto Nacional de Medicina Legal invocou a sua ilegitimidade ad causam e a prescrição, e BB e CC referiram a incompetência em razão da matéria do tribunal da ordem judicial, serem partes ilegítimas e a prescrição do direito de crédito invocado pelo autor.

Na fase do saneamento, no dia 29 de Dezembro de 2003, foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções dilatórias da ilegitimidade dos réus e da incompetência do tribunal em razão da matéria e os absolveu do pedido com fundamento na prescrição do direito de crédito invocado pelo autor.

Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Junho de 2006, julgando verificada a mencionada prescrição, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - é aplicável por analogia o prazo de prescrição de três anos a que se reporta o artigo 498º do Código Civil; - o conhecimento do direito a que se reporta aquele normativo equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos; - esteve impossibilitado de conhecer o seu direito indemnizatório, por virtude das violentações físicas e psíquicas a que esteve sujeito pelos outros reclusos na prisão; - dada a gravidade da privação ilegal da liberdade, o prazo de exercício do direito previsto no artigo 226º do Código de Processo Penal é demasiadamente exíguo e desproporcionado, face ao previsto no artigo 498º do Código Civil; - o artigo 226º do Código de Processo Penal extirpa o conteúdo e amputa o alcance do direito à indemnização constitucionalmente consagrado na medida em que, perante o valor atendível, limita a sua concretização de modo não proporcional nem racional; - razões meramente economicistas não bastam para que a lei imponha tão profunda limitação de direitos e valores de civilização adquiridos; - o referido artigo contraria o nº 3 do artigo 18º da Constituição e a função do Estado no relacionamento dos cidadãos e de garante dos seus direitos; - de uma forma ou de outra, não prescreveu o direito de indemnização, face à sua negligente actuação na elaboração do relatório médico-legal que levou à sua prisão injusta.

Respondeu o Instituto Nacional de Medicina Legal, em síntese de conclusão: - como está em causa a privação da liberdade por acto jurisdicional, a causa de pedir reconduz-se à responsabilidade civil do Estado; - o recorrido limitou-se à coadjuvação técnica do juiz, a sua intervenção não é causalmente adequada à produção do invocado dano de privação da liberdade, sendo que as conclusões da perícia não se sobrepõem à valoração do conjunto das provas analisadas em audiência; - a valoração da prova é função jurisdicional, como tal privativa do juiz, pelo que a sua actividade de perícia não podia ter influído na decisão do juiz de instrução que decretou a prisão preventiva, porque na data do seu decretamento ainda não tinha sido realizada; - a convicção do juiz na imputação da culpabilidade ao recorrente formou-se independentemente da participação do recorrido, e não é parte na relação material controvertida, porque não foi o autor do facto que produziu a privação da liberdade do primeiro; - o direito de indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência da privação ilegal da liberdade não é de prescrição, caducando num ano após a libertação ou a decisão em definitivo do respectivo processo; - o princípio da igualdade não proíbe a fixação de prazos curtos para a acção de indemnização, cuja avaliação releva dos interesses protegidos em causa.

Responderam, por seu turno, CC e BB, em síntese de conclusão: - as conclusões do relatório da autópsia limitam-se a fazer parte dos elementos em que assenta a decisão dos juízes no sentido da condenação e de privação da liberdade do recorrente; - a responsabilidade pela privação da liberdade assente em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que depende só pode ser exigida do Estado como titular exclusivo da função jurisdicional; - o prazo de prescrição previsto no artigo 226º do Código de Processo Penal não colide com direitos de garantia previstos no artigo 18º, nº 3, da Constituição, por ser suficiente para a efectivação do direito de reparação em razão da privação da liberdade; - o pretenso direito do recorrente prescreveu por não ter sido exercido no referido prazo.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. O relatório da autópsia elaborado pelos réus foi junto ao processo no dia 7 de Outubro de 1999, e o interrogatório judicial, no final do qual foi determinada a prisão preventiva do autor, teve lugar no dia 26 de Outubro seguinte.

  1. O autor foi preso preventivamente no dia 25 de Outubro de 1999, e, por acórdão proferido no dia 6 de Abril de 2000, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, foi condenado na pena de doze anos de prisão pela autoria de um crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal.

  2. Na fundamentação sobre a decisão da matéria de facto, foram consideradas no acórdão condenatório mencionado sob 2: - as declarações do arguido, os depoimentos de DD e EE - filhos daquele e da vítima - de FF, GG e HH, II e JJ, FF, KK, DD, LL, MM, NN, Dr. OO, PP, QQ e de RR; - o depoimento do réu BB, médico que realizou a autópsia e que esclareceu que "a causa da morte foram as várias lesões apresentadas pela vítima, contemporâneas e recentes, que o edema epidural fora provocado por agressão violenta que com normalidade conduz à morte, não relacionando a ocorrência desta com os hábitos alcoólicos da vítima, a que tudo...

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