Acórdão nº 07B302 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" intentou, no dia 12 de Dezembro de 2003, contra Empresa-A acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 235 307,43 e juros desde a citação, e o que se liquidasse em execução de sentença relativamente a futuras intervenções cirúrgicas.

Fundamentou a sua pretensão nas lesões sofridas no atropelamento pelo veículo automóvel com a matrícula nº ME, pertencente a BB, por este conduzido no dia 11 de Agosto de 2002, na freguesia de ...., Vila Nova de Famalicão, àquele imputável a titulo de culpa, e no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre o último e a ré.

A ré, na contestação, afirmou que o atropelamento foi causado pelo autor, por ter atravessado a estrada em termos de não ser avistado pelo condutor do veículo automóvel, e, quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais, referiu desconhecê-los, e, na réplica, o autor declarou manter o afirmado na petição inicial.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 16 de Agosto de 2005, por via da qual a ré foi condenada a pagar ao autor € 70 000 e juros à taxa legal desde a citação e metade da quantia a liquidar em execução de sentença referente a futuras intervenções cirúrgicas, internamentos, medicamentos, despesas hospitalares, tratamentos, exames, consultas, compra de muletas e próteses, fisioterapia e deslocações que ele tenha de efectuar em consequência das lesões traumáticas causadas pelo acidente.

Interpuseram o autor e a ré recursos de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Julho de 2006, deu parcial provimento ao recurso do primeiro, negou provimento ao recurso da última, condenou esta a pagar àquele € 114 000 - € 74 000, por danos patrimoniais e € 40 000, por danos não patrimoniais - e juros de mora à taxa legal, e manteve a condenação no que se liquidasse posteriormente, e ambos interpuseram recurso de revista.

AA formulou, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a inobservância das leis e regulamentos relativos ao trânsito rodoviário faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a concreta comprovação de falta de diligência e a existência de causalidade; - funciona a prova de primeira aparência - presunção simples ou judicial - apontando aquela inobservância no sentido de culpa do infractor, devendo ser deste o ónus de contraprova; - as luzes médias do veículo a funcionar iluminariam a faixa de rodagem onde ele circulava, numa extensão de cerca de trinta metros e a faixa de rodagem, incluindo as bermas respectivas; - em matéria de responsabilidade civil por acidente de viação cujo dano haja sido provocado por uma contra-ordenação estradal, existe uma presunção iuris tantum de negligência do seu autor; - a dificuldade de visão de BB recomendava que ele tomasse todas as cautelas na utilização das luzes do veículo automóvel; - ele conduzia o veículo automóvel com velocidade excessiva, violando o artigo 24º, nº 1, do Código da Estrada, devendo ser considerado o exclusivo culpado no acidente; - o montante indemnizatório por perda de capacidade de ganho deve fixar-se em € 80 000, tendo em conta a sua idade e expectativa de vida, o salário percebido, a progressão na carreira, os aumentos do salário, a valorização e ascensão profissional, a inflação e a taxa de juros dos depósitos a prazo; - incluindo o necessário para pagar o salário mínimo a pessoa que lhe preste auxílio e cuidados, deve ser-lhe fixada a indemnização por danos patrimoniais em montante não inferior a € 95 000; - deve ser-lhe atribuída, a título de danos não patrimoniais, indemnização em valor não inferior a € 59 000; - foram violados os artigos 349.º, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 3, 562º, 564º, nº1 e 566.º, n.º 2, do Código Civil; 8.º, 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, alíneas c), e), f) e i), 27.º, n.º 1, 28.º, n.º1, 59.º, n.º 1, 60.º n.º 1, alínea b), 61.º n.º 1, alíneas b) e c), todos do Código da Estrada e 646º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Empresa-A formulou, por seu turno, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - apesar de ser noite, o veículo era visível para o recorrente e o seu acompanhante, eles seguiam distraídos e alheados ao trânsito ao atravessarem pela frente do veículo a faixa de rodagem sem previamente se terem certificado de que o podiam fazer sem perigo para o trânsito; - essa foi a causa adequada do acidente, designadamente não terem parado no eixo da via, com o que o condutor do veículo não poda contar; - AA foi o único responsável pela eclosão do acidente, pelo que a recorrente deve ser absolvida do pedido; - entendendo-se que BB concorreu para o acidente, a sua contribuição deve ser fixada em um quarto e reduzir-se a quantia atribuída a título de danos não patrimoniais para € 40 000.

- o acórdão recorrido violou os nºs 1 e 2 do artigo 483º e o nº 2 do artigo 487º, ambos do Código Civil.

Respondeu AA, em síntese útil de alegação: - deve manter-se a matéria de facto, não podendo ser alterada no recurso de revista; - BB é o único culpado no acidente, como tal devendo ser considerado.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Representantes da ré, por um lado, e BB, por outro, declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 243339001, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pelo último, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel ligeiro de passageiros particular, marca Volkswagen modelo Golf Turbo Diesel, com travões de disco às rodas da frente, com a matrícula nº ME, na qualidade de proprietário.

  1. No dia 11 de Agosto de 2002, cerca das 21 horas e 30 minutos, quando já era noite, na Estrada Nacional nº 14, ao quilómetro 30,6, na Rua de ..., freguesia de ...., concelho de Vila Nova de Famalicão, BB, que tem dificuldades de visão que o obrigam ao uso diário e permanente de óculos de elevada graduação, conduzia o veículo automóvel mencionado sob 1.

  2. A faixa de rodagem tinha a largura média de 6,9 metros, tendo cada hemi-faixa a largura de 3,45 metros, o pavimento era alcatroado, as condições climatéricas eram boas, a velocidade máxima horária legalmente permitida era de 50 quilómetros, conforme sinal vertical de proibição existente a cerca de quarenta metros antes do local do atropelamento e do sinal de aproximação de cruzamento.

  3. O local do atropelamento, na referida Estrada Nacional, é uma localidade densamente povoada, com grande movimento de peões, ladeada e marginada de ambos os lados por edificações com saídas directas para a mesma, onde estava uma placa indicativa de localidade.

  4. No local do acidente não havia passeio, pista ou passagem destinada a peões, mas apenas uma berma seguida da valeta, e ambas as bermas tinham apenas a largura de 0,50 metros.

  5. O autor, nascido no dia 31 de Dezembro de 1947, acompanhado de outro peão, encontrava-se, então, na berma esquerda da referida Estrada, sentido Braga-Famalicão, com a intenção de atravessar a faixa de rodagem, da sua margem esquerda para a margem direita, da Rua de ... para a Rua de ...., sentido Braga/Famalicão.

  6. Eles lançaram-se a atravessar a faixa de rodagem pela frente do veículo, perpendicularmente, em linha recta, sem previamente se terem certificado de que o podiam fazer sem perigo para o trânsito, e de que do seu lado esquerdo, sentido Famalicão-Braga, se aproximava um veículo automóvel, sem se deterem ao eixo da via antes de invadirem a hemi-faixa de rodagem sentido Braga- Famalicão.

  7. Quando o autor estava a efectuar a travessia, surgiu o veículo mencionado sob 1, com 1,9 de largura desde o vidro retrovisor esquerdo ao retrovisor direito, no sentido Braga/Famalicão, com as luzes de cruzamento ou médios desligadas, a velocidade aproximada de 50 quilómetros por hora, travou de imediato, efectuou uma derrapagem no solo alcatroado, em bom estado de conservação, com 22,10 metros de extensão, desviou-se para a direita, mas não evitou de colher o autor e o seu acompanhante.

  8. O autor foi violentamente atropelado e colhido do lado direito do seu corpo pela frente direita junto ao farol do veículo automóvel, no local em que a Estrada, sentido de marcha Braga/Famalicão, se desenvolve em descida em forma de recta por mais de 150 metros.

  9. Aquando do referido atropelamento, sentido de marcha Braga/Vila Nova de Famalicão, na mesma hemi-faixa de rodagem não circulava qualquer outro veículo automóvel à frente do veículo automóvel mencionado sob 1 e entre o mesmo e o local onde ocorreu o atropelamento não havia veículos estacionados nas duas bermas.

  10. O aludido atropelamento ocorreu a cerca de 0,50 metros de distância da berma direita da aludida estrada, a cerca de 2,95 metros de distância do eixo da via, sentido de marcha do veículo mencionado sob 1- Braga/Vila Nova de Famalicão, onde a mesma se configura em forma de descida recta de inclinação acentuada por mais de 150 metros e constitui um cruzamento do seu lado esquerdo com a Rua de ... e, do seu lado direito, com a Rua de ....

  11. Mercê da violência do embate, foi o autor transportado sobre o capôt do veículo automóvel durante 7,90 metros e foi projectado a cerca de 20 metros de distância em relação ao local do seu atropelamento, acabando por cair fora da faixa de rodagem, dentro da berma direita, junto de uma paragem de autocarros e respectiva entrada de passageiros, existente na berma direita da referida Estrada Nacional, atento o sentido Braga/Famalicão, aí ficando o autor estendido no solo, completamente inanimado.

  12. Após o atropelamento, o veículo apenas conseguiu imobilizar-se a cerca de 7,9 metros do local daquele atropelamento, a cerca de 22,1 metros do início da sua travagem, a 2,7 metros da sua parte lateral esquerda traseira em relação ao eixo da via, tendo toda a sua parte lateral direita - frente e traseira - invadido e ficado a ocupar parcialmente a berma direita da referida estrada, atento o seu sentido de marcha.

  13. Como consequência directa e necessária...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT