Acórdão nº 06S2839 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "AA" propôs no Tribunal do Trabalho do Funchal a presente acção contra o Empresa-A , presentemente denominado de Banco ...., S. A., pedindo que o réu fosse condenado a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas até à decisão final, reservando-se, todavia, o direito de optar pela indemnização de antiguidade.

Em resumo, o autor alegou que foi ilicitamente despedido em 18.7.87, por ser nulo o processo disciplinar (o réu não observou o prazo referido no n.º 8 do art.º 10.º da LCCT, o que implicava a caducidade do direito de punir) e por falta de justa causa (não cometeu grande parte dos factos que lhe foram imputados; a globalidade dos actos que praticou eram do conhecimento dos seus superiores hierárquicos; outros funcionários do réu praticaram factos idênticos aos seus e nem sequer foram alvo de procedimento disciplinar; o procedimento disciplinar já tinha prescrito relativamente a quase todos os factos; em 25 anos de serviço sempre foi considerado trabalhador zeloso, dedicado e competente; nunca sofreu qualquer sanção disciplinar; foi promovido várias vezes por mérito).

O réu contestou, defendendo a regularidade do processo disciplinar, a improcedência da prescrição e da caducidade do procedimento disciplinar e a verificação da justa causa.

No despacho saneador, o M.mo Juiz julgou a acção procedente, com o fundamento de que o processo disciplinar era nulo, por dele não constar a decisão de despedimento.

O réu recorreu, arguindo a nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia (uma vez que o autor não tinha questionado a falta da decisão final) e alegando que decisão de despedimento estava junta ao processo disciplinar.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso e ordenou que os autos prosseguissem com a elaboração da especificação e da base instrutória.

Elaboradas aquelas peças processuais e realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando o réu a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a pagar-lhe as retribuições vencidas desde os 30 dias que antecederam a data de propositura da acção até à data da sentença, sem prejuízo do desconto das verbas que tenha eventualmente auferido nos termos do art.º 13.º, n.º 2, al. b), da LCCT, com o fundamento de que o processo disciplinar era nulo, pelo facto da nota de culpa não ter sido acompanhada da cópia dos numerosos documentos que o réu juntou no decurso da audiência de julgamento, o que prejudicou o seu direito de defesa (nulidade essa que havia sido suscitada pelo autor no decurso da audiência, a fls. 1135, aquando da junção dos referidos documentos) e, subsidiariamente, com o fundamento de que não havia justa causa, devido à "incongruência disciplinar" do réu, por só ter instaurado procedimento disciplinar ao autor e por ter promovido o mesmo a gerente de novo Balcão do Caniço e com o fundamento de que a sanção aplicada é desproporcionada à gravidade das infracções e dos consequentes prejuízos sofridos pelo réu, dado que a maior parte dos créditos concedidos foram recuperados e estão garantidos ou em pagamento e dado que o objectivo do autor (com 25 anos de serviço, sem antecedentes disciplinares e com algumas promoções no currículo) não tinha sido a obtenção de benefícios de ordem pessoal, mas e apenas o de satisfazer os pedidos de certos clientes.

O réu voltou a recorrer, por entender que a nulidade em questão não existia e por considerar que os factos praticados pelo autor constituíam justa causa de despedimento.

O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso no que toca à nulidade do processo disciplinar, mas improcedente no que diz respeito à justa causa, mantendo, por isso, a decisão da 1.ª instância.

Mantendo o seu inconformismo, o réu interpôs o presente recurso de revista, concluindo a sua alegação da seguinte forma:

  1. Sobe o presente recurso da decisão proferida que julgou ilícito o despedimento do recorrido por inexistência de justa causa.

  2. Os factos provados, demonstram em síntese que o recorrido, enquanto primeiro e principal responsável do Balcão, desenvolveu as seguintes práticas: desobediência a directivas dos superiores hierárquicos; manutenção de descobertos sem autorização dos superiores hierárquicos; autorização de reformas de letras sem entregas dos complementos de reformas; não suspensão do débito de prestação, causando prejuízos ao Banco; aprovação de crédito a "clientes negativos"; autorização de transferências entre contas, sem que as debitadas tivessem saldos para tal; certificação de guia de depósito de capital de constituição de sociedade, sem que existisse dinheiro depositado; aprovação de financiamento com falsos objectivos; falsear dados fornecidos aos superiores hierárquicos para obtenção de despachos.

  3. O tribunal "a quo", na apreciação da justa causa, relevou o facto de não terem sido sancionados o imediato superior hierárquico do recorrido, bem como o outro membro da gerência, o sub-gerente.

  4. Ora, o tribunal "a quo", nessa sua apreciação, não levou em conta o facto do sub-gerente, o outro membro da gerência, depender funcional e hierarquicamente do recorrido, cabendo a este "a gestão comercial e administrativa do estabelecimento".

  5. Não teve em conta o respeito e até o temor reverencial que o sub-gerente, enquanto tal e num entendimento de cidadão normal - tinha para com o seu "chefe", o ora recorrido, que geria o balcão conforme entendia.

  6. Não teve em conta o facto do recorrido, em algumas situações, ter actuado de per si, o que bem demonstra a forma como encarava o respeito pelos regulamentos e as boas práticas bancárias.

  7. E, em contrapartida, o tribunal "a quo" relevou a antiguidade do recorrido e os seus antecedentes o que não é suficiente, face aos demais pontos em análise, para obviar à justeza da sanção aplicada (veja-se a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.4.97 anteriormente citado).

  8. O recorrido, com tais práticas demonstrou uma total incapacidade para o desempenho da actividade bancária, violando normas básicas de funcionamento e uma total falta de profissionalismo, com a agravante do mesmo ter optado pela reintegração que, sendo um direito seu, nos leva a inquirir como poderá amanhã exigir responsabilidades aos seus subordinados.

  9. A conduta do recorrido ao serviço do Banco consubstancia uma clara falta de suporte psicológico para a função e para o desenvolvimento da relação laboral, traduzindo uma total quebra de confiança (vid. Acórdão do STJ de 25/06/1997 in www.cidadevirtual.pt/sti/iurinfor).

  10. O descrito comportamento do recorrido, além de grave, pela reiterada violação de normas, acarreta consequências gravosas para o recorrente, na medida em que trai a referida confiança, sendo susceptível de criar no espírito da entidade patronal a legítima dúvida sobre a idoneidade futura da conduta deste seu trabalhador, fundamental para a manutenção do contrato de trabalho, para além de colocar em perigo os interesses do recorrente.

  11. Sendo que a justa causa assenta em três pressupostos, a ilicitude, a culpa e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, temos por certo que tais pressupostos se encontram demonstrados nestes autos.

  12. Consideramos, assim, que o Acórdão recorrido errou ao aplicar o direito aos factos, merecendo censura, nomeadamente por ter violado o disposto nos art.os 9.º. n. os 1 e 2, alíneas a), d) e e), 10.º, n.º 1, 12.º, n. os 1, 3 e 5, do DL 64-A/89, de 27/2, actualmente artigos 396.º, n. os 1, 2 e 3, alíneas a), d) e e), do Código do Trabalho.

O recorrido contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em parecer a que as partes não responderam, pronunciou-se no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  1. Os factos Os factos, que, sem qualquer impugnação, foram dados como provados na 1.ª instância e que a Relação manteve, são os seguintes: 1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 10/7/1972, tendo então celebrado um contrato individual de trabalho ao abrigo do qual lhe era recentemente atribuída a categoria profissional de "Gerente".

    2) Desde 1/8/1992, o Autor desempenhou as funções de Gerente no "Estabelecimento da ...", as quais terminaram em 12/1/1996.

    3) Em 18/7/1997, após processo disciplinar, o Autor foi despedido pelo Réu.

    4) O Autor esteve de férias no período compreendido entre 14/9/1995 e 3/10/1995, inclusive.

    5) O Autor está filiado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.

    6) O processo disciplinar foi instaurado em 2/9/1996, tendo o Conselho de Administração do Banco, único órgão com poder disciplinar, deliberado em 28/8/1996 instaurar o processo.

    7) A nota de culpa foi enviada ao Autor em 18/9/1996 e por ele recebida na mesma data.

    8) O Autor fazia parte do órgão colegial do Banco denominado "Gerência".

    9) Entre a nota de culpa e a decisão final verificou-se o desaparecimento de algumas acusações formuladas contra o Autor, nomeadamente as que constavam dos art.os 36.º e 37.º e 74.º a 79.º, inclusive, da nota de culpa.

    10) O gerente que veio substituir o Autor (BB) não foi objecto de qualquer processo disciplinar.

    11) O Autor não integrava a Direcção Regional, a Direcção Comercial, nem o Conselho de Crédito do Réu.

    12) É considerada como correcta uma percentagem de 6% de crédito mal parado relativamente ao total do crédito concedido.

    13) Apenas se consideram fora do normal as situações em que esse crédito exceda os 10%.

    14) Segundo o mapa de "evolução do crédito" referente à variação de Dezembro/95 a Julho/96, em vários estabelecimentos da Região tinha sido atingido ou excedido esse limite de 10%.

    15) No caso do "Estabelecimento do ...", apesar dessa ultrapassagem e apesar de ter sido instaurado processo disciplinar ao seu gerente, o Réu acabou por aplicar-lhe apenas a sanção de "repreensão registada".

    16) O A., em 25 anos de serviço, até à instauração do processo disciplinar, sempre foi...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT