Acórdão nº 06S2577 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: I - AA, residente na Rua ... - 0º Dtº, Odivelas, intentou contra Metropolitano de Lisboa, E.P., com sede na Avª ..., nº 0 Lisboa, acção com processo comum, pedindo que: seja declarado que a importância que lhe vem sendo paga pela ré, ao abrigo do disposto na cláusula 42ª do Acordo de Empresa aplicável, seja recalculada com base, não apenas na retribuição base e nas diuturnidades auferidas pelo seu falecido marido, mas incluindo também a média mensal das demais componentes da retribuição auferida nos doze meses que antecederam o falecimento, tais como o acréscimo por trabalho nocturno, subsídio de turno e subsídio de quilometragem; seja a referida importância objecto de actualizações anuais, em percentagem igual à estabelecida anualmente para actualização das pensões pagas pela Segurança Social, de que essa importância constitui complemento; seja a ré condenada a pagar à autora as diferenças decorrentes dos direitos acima mencionados, com efeitos desde a data do falecimento do seu marido, acrescidas de juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento.

Para tanto alega o seguinte: - BB, cônjuge da autora e trabalhador da ré, com a categoria profissional de factor, faleceu em 1 de Novembro de 1991; - era associado do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa que, por sua vez, se encontra filiado na FESTRU - Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos, estando abrangido, à data do seu falecimento, nas suas relações com a ré, pelo Acordo de Empresa celebrado entre a FESTRU e a ré, publicado no B.T.E., 1ª Série, nº 29, de 8 de Agosto de 1990; - nos termos da cláusula 42ª do referido Acordo de Empresa, a autora tem direito a receber, enquanto se mantiver na situação de viuvez, 50% do valor da retribuição que o falecido marido vinha auferindo à data do falecimento, uma vez que o falecimento ocorreu quando o mesmo se encontrava ao serviço da ré; - além da retribuição base e das diuturnidades, o falecido também era remunerado, por acréscimo relativo a trabalho nocturno, subsídio de turno e subsídio de quilometragem; - acontece que a ré tem vindo a pagar-lhe mensalmente, uma importância (fixada em Esc. 20.600$00), a título de complemento da pensão de sobrevivência atribuída pela Segurança Social, que corresponde apenas a 50% da retribuição base, acrescida das diuturnidades que o seu falecido marido auferia à data do seu falecimento.

Na contestação, a ré excepcionou a ilegitimidade da autora, a utilização de meio processual impróprio e a prescrição dos pretensos direitos da autora anteriores a 15 de Outubro de 1997. Defendeu-se também por impugnação.

No saneador, foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias - ilegitimidade da autora e impropriedade da acção - e procedente a excepção de prescrição, declarando-se extintos os créditos anteriores a 15 de Outubro de 1997.

Declarada aberta a audiência de julgamento, o tribunal, usando da faculdade conferida pelo nº 3 do artº 265º do CPC, determinou que a ré diligenciasse a interpretação do conceito de retribuição constante da cláusula 42ª do Acordo de Empresa pela Comissão Paritária prevista na cláusula 4ª desse AE.

Junta a acta da reunião da Comissão Paritária, datada de 10 de Maio de 2004, em que os representantes dos Sindicatos votaram a tese expressa pela autora e os representantes nomeados pela Empresa a tese expressa na contestação, a audiência de julgamento prosseguiu, vindo a final a ser proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a reconhecer que: a) A importância que vem pagando à autora, ao abrigo do disposto na cláusula 42ª do Acordo de Empresa aplicável deve ser recalculada com base, não apenas na retribuição base e nas diuturnidades auferidas por BB, mas incluindo, nesse cálculo, a média mensal das demais componentes da retribuição auferida nos doze meses que antecederam o falecimento, constituídas pelo acréscimo por trabalho nocturno, subsídio de turno e subsídio de quilometragem; b) - Tal importância deve ser objecto de actualizações anuais, em percentagem igual à estabelecida anualmente para actualização das pensões pagas pela Segurança Social, de que essa importância constitui complemento; c) - A autora tem direito a receber as diferenças decorrentes dos direitos acima mencionados, com efeitos desde a data do falecimento do seu marido, acrescidas dos juros de mora desde os respectivos vencimentos até integral pagamento.

A ré apelou da sentença, com sucesso, pois, o Tribunal da Relação julgou procedente a apelação e revogando o decidido, absolveu a ré do pedido.

Inconformada, desta vez a autora, vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª - A cláusula 42ª-1-4 do Acordo de Empresa (aplicável) estabelece que o valor do complemento à pensão de sobrevivência devido ao cônjuge do trabalhador falecido é o correspondente à diferença entre a pensão concedida pela Segurança Social e 50% do valor da retribuição ou da pensão que o trabalhador vinha recebendo à data do falecimento; 2ª) - Uma vez que à data em que foi instituído este direito o conceito legal de retribuição era muito mais vasto do que o que se cinge à remuneração base e às diuturnidades, se a vontade dos negociadores dessa cláusula fosse a de restringir, para esse efeito concreto, o conceito legal de retribuição, teriam afirmado claramente essa intenção, referindo-se à remuneração base e às diuturnidades e não à retribuição; 3ª) - Aliás, quando os mesmos "legisladores" quiseram restringir esse conceito para um efeito concreto, fizeram-no expressamente, estabelecendo, na cláusula 31ª, que "todos os trabalhadores abrangidos por este acordo têm direito a receber pelo Natal um subsídio correspondente a 100% da retribuição mensal compreendendo a remuneração fixa e as diuturnidades respectivas"; 4ª) - Assim, se, nessa época, a retribuição dos trabalhadores abrangidos pelo referido AE era constituída apenas pela remuneração fixa e pelas diuturnidades, não havendo, por essa razão, necessidade de restringir, na cláusula 42ª, o conceito de retribuição àquelas duas prestações pecuniárias - retribuição fixa + diuturnidades -, então também não havia necessidade de estabelecer essa restrição em relação ao subsídio de Natal; 5ª) - E se as partes viram necessidade de restringir, na cláusula 31ª, relativamente ao subsídio de Natal, o conceito legal de retribuição que vigorava ao tempo, se quisessem operar na cláusula 42ª a mesma restrição, não se teriam limitado a usar a expressão retribuição; 6ª) - De resto, o Tribunal da Relação a propósito de outra questão submetida a julgamento no mesmo recurso - saber se o complemento da pensão de sobrevivência deveria, ou não, ser objecto de actualização periódica - fez este raciocínio: uma vez que a cláusula 41ª, relativa ao complemento da pensão de reforma, estabelece o direito à actualização desse complemento enquanto que a cláusula 42ª é omissa a esse respeito, tal como acontecia, já em 1973, no âmbito da cláusula 68ª, isto evidencia que as partes tiveram a intenção de excluir do regime de actualização o complemento da pensão de sobrevivência; 7ª) - Ora, a ser assim, então teremos de chegar à mesma conclusão em relação ao confronto das cláusulas 31ª e 42ª, isto é, se na cláusula 31ª as partes estabeleceram que, para o cálculo do subsídio de Natal, a retribuição incluía apenas a retribuição fixa e as diuturnidades e na cláusula 42ª se referiram simplesmente à retribuição, isto indicia (também) o propósito de fixar diferentes conceitos de retribuição em função das finalidades tidas em vista; 8ª) - Acresce que as partes vieram a definir, posteriormente, em termos genéricos o conceito de retribuição, estabelecendo, na cláusula 26ª-1, que "constituem retribuição do trabalho todos os valores pecuniários que o trabalhador recebe pela prestação do seu trabalho", sendo certo que mantiveram inalteradas as referências à retribuição constantes das cláusulas 31ª e 42ª, isto é, conformando-se com o conceito amplo de retribuição constante da cláusula 42ª e mantendo, na cláusula 31ª, a restrição do conceito de retribuição para efeito do subsídio de Natal; 9ª) - Existe ainda um outro elemento de interpretação que aponta, claramente, no sentido preconizado pela recorrente, ou seja, o que emana da referida cláusula é a intenção de garantir ao cônjuge sobrevivo metade do rendimento do cônjuge falecido - se o trabalhador falecer no activo, é garantida ao cônjuge sobrevivo metade da retribuição que aquele auferia; se (o trabalhador) falecer na situação de reformado, é garantido ao cônjuge sobrevivo metade da pensão que aquele auferia; 10ª) - Ora, como se sabe...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
  • Acórdão nº 5489/19.1T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-05-2022
    • Portugal
    • Tribunal da Relação do Porto
    • 4 Mayo 2022
    ...relação jurídica em apreciação nos termos que resultam dos factos já assentes. Conforme é referido no Ac. do STJ de 10-01-2007 (processo n.º 06S2577), acessível na íntegra na base de dados do IGFEJ − http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ −, «(…) Como faz notar Menezes Cordeiro (Manual de Direito do ......
  • Acórdão nº 35457/15.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2017
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 26 Octubre 2017
    ...República, 1ª Série, nos termos ali identificados. [16] Neste sentido, cf. o Acórdão do STJ, de 10/1/2007, proferido no âmbito do processo nº 06S2577, Relatado por Maria Laura Leonardo, e disponível em [17] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 1148/......
  • Acórdão nº 2528/13.3TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 3 Marzo 2016
    ...normas (1960, traduzido por Baptista Machado). [13] Neste sentido, cf. o Acórdão do STJ, datado de 10/1/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 06S2577, disponível em [14] Consta dos autos, a fls. 534 e segts, que: “em 2010, o resultado líquido (da 1ª Ré) ascendeu a 5.672 milhões de Euros… e ......
  • Acórdão nº 1103/11.1TTMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015
    • Portugal
    • Court of Appeal of Porto (Portugal)
    • 28 Octubre 2015
    ...subjectivas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitam às partes que as hajam celebrado [Cfr. Ac. STJ, de 10-01-2007, proc.º 06S2577, Maria Laura Leonardo, disponível em Nos termos do art.º 9º-1 do Código Civil, a “interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir......
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT