Acórdão nº 06P4258 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Em 1.ª instância e na sequência do julgamento que, na procedência da acusação do Ministério Público, condenou o arguido AA, devidamente identificado, nascido a 29/04/1924, como autor material de um crime de homicídio voluntário, além do mais, na pena de 9 (nove) anos de prisão, recorreu o condenado à Relação de Coimbra que, por acórdão de 5 de Julho de 2006, decidiu «julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, consequentemente, como autor material de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do Cód. Penal condenar o arguido (…) na pena de sete (7) anos de prisão» Ainda irresignado, recorre agora o mesmo arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando conclusivamente o objecto da sua discordância: 1. Os factos dados como provados não permitem enquadrar a actuação do arguido ao tipo legal de crime previsto no artigo 131.º do Código Penal.

  1. Assente que está que o arguido não quis matar a vítima, nada indica que o previsse ou se conformasse com esse resultado, devendo afastar-se o dolo eventual.

  2. A idade avançada do arguido, a perda de capacidade de percepção e discernimento que lhe estão associados, o cenário de pressão em que estava envolvido, o repentismo e a brusquidão do seu movimento, o uso instintivo de um objecto que tinha aleatoriamente na mão, o facto de ter desferido uma única pancada, o infeliz acaso de ter acertado logo numa vista da vítima (em qualquer outro ponto do rosto dificilmente a morte ocorreria), a circunstância desta ter falecido sete dias depois devido a hemorragias internas, a certeza de que ambos eram amigos, inculcam claramente a ideia de que o recorrente apenas quis agredir o seu opositor e que para ele era inimaginável poder vir a causar-lhe a morte.

  3. Logo a sua actuação deve ser subsumida à previsão dos artigos 144.º e 145.º do Código Penal e não à do artigo 131.º do mesmo diploma.

  4. Tendo o tribunal recorrido optado, e bem, pelo regime de atenuação especial da pena e considerando a moldura penal aplicável ao crime de homicídio com as reduções constantes do artigo 73.º do Código Penal, não se justifica, por ser desproporcionada e excessivamente gravosa, a aplicação de uma pena de prisão de sete anos.

  5. O disposto nos artigos 71.º e 50.º do Código Penal, devidamente articulado com as circunstâncias concretas em que ocorreram os factos, com o arrependimento do arguido, com a sua reparação ou ressarcimento dos familiares das vítimas, com a sua provecta idade, com a ausência de antecedentes criminais e com a sua personalidade de pessoa reputada e considerada, reclamava e aconselhava a aplicação de uma pena de prisão não superior a três anos e sempre suspensa na sua execução, por serem diminutas ou quase nulas as exigências de prevenção geral e especial da pena.

  6. Os artigos 71.º e 72.º do Código Penal, por possibilitarem que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua liberdade até ao final dos seus dias, acaba por viabilizar uma prisão perpétua, o que torna esses preceitos inconstitucionais, por violarem os princípios fundamentais da saúde, da vida, da liberdade e da integridade da pessoa humana insertos nos artigos 24.º, n.º 1 e 2, 27.º, 30.º, 64.º, n.º 2, al.

    b), e 72.º da Constituição da República Portuguesa.

  7. O douto acórdão recorrido fez uma [in] correcta interpretação dos artigos 14.º, 131.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal e violou as disposições dos artigos 144.º, 145.º e 50.º do mesmo diploma, para além de todas as normas constitucionais enunciadas na conclusão anterior.

  8. As normas incorrectamente interpretadas e aplicadas devê-lo-iam ter sido no sentido de sujeitar o arguido a uma pena de prisão não superior a três anos suspensa na sua execução.

    Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido em conformidade.

    Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em defesa do julgado.

    Subidos os autos, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto promoveu a designação de dia para julgamento.

    Questões a decidir: 1. Qualificação jurídica dos factos: - artigos 144.º e 145.º, como defende o recorrente ou 131.º do mesmo Código, como decidiu o aresto impugnado? 2. Pretensa inconstitucionalidade dos artigos 71.º e 72.º do Código Penal «por possibilitarem que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua liberdade até ao final dos seus dias, acaba por viabilizar uma prisão perpétua, o que torna esses preceitos inconstitucionais, por violarem os princípios fundamentais da saúde, da vida, da liberdade e da integridade da pessoa humana insertos nos artigos 24.º, n.º 1 e 2, 27.º, 30.º, 64.º, n.º 2, al.

    b), e 72.º da Constituição da República Portuguesa».

  9. Medida e espécie de pena: a pena deveria ser não superior a três anos de prisão, substituída por pena suspensa.

  10. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

    Factos provados 1 - Em 29 de Junho de 2003, cerca das 17.00 horas, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "Taberna ...", sito na Rua ..., em Paranhos da Beira, área desta comarca.

    2 - Nesse dia estava a chover, pelo que o arguido AA trazia consigo um chapéu de chuva com o comprimento total de 88 cm, com tela para acolhimento de cor preta com um diâmetro de 1.02 m, o punho com o comprimento de 17 cm e o rodapé com 11 cm, em madeira, tendo embutido um pivot em plástico de cor preta com cerca de 2,5 cm.

    3 - Naquele dia e hora, no supra aludido estabelecimento comercial, encontrava-se igualmente BB, bem como CC, DD (proprietária do aludido estabelecimento), EE, FF e GG.

    4 - O arguido AA e BB permaneceram na Taberna ...durante algum tempo, tendo ali estado a beber e a conversar com diversas pessoas. Entretanto o arguido saiu, tendo regressado algum tempo mais tarde, antes da hora do jantar.

    5 - Ao final desse dia, quando o BB se dirigiu ao balcão da dita taberna, junto ao qual se encontrava o AA, gerou-se uma discussão entre aquele e o arguido. De seguida, o arguido saiu para o exterior do aludido estabelecimento comercial trazendo na mão o dito chapéu-de-chuva, tendo o BB saído logo de seguida.

    6 - Já no exterior da referida Taberna..., quando o arguido AA se encontrava já na Estrada Nacional e o BB ainda no degrau que dá acesso à dita Taberna..., o qual tem uma altura de cerca de 30 cm, o arguido virou-se para trás, ficando de frente para o BB, e sem que nada o fizesse prever, empunhou o aludido chapéu de chuva, segurando-o pelo punho com as duas mãos, fazendo com o mesmo um movimento brusco de baixo para cima, direccionando o pé (com cerca de 11 cm) do chapéu de chuva à cara do BB, desferindo-lhe um golpe, de forma violenta, rápida e precisa e da frente para trás, com a extremidade do dito chapéu, atingindo-o na parte inferior da região orbitária esquerda.

    7 - Após ter sofrido a perfuração na parte inferior da região orbitaria, o BB agarrou com as mãos o dito chapéu de chuva e dirigiu-se de imediato ao...

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