Acórdão nº 06P3520 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução06 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que o condenou, pela prática em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, n.º 1 e n.º 2, al. f), 73º, nº 1 als. a) e b), 22º e 23º, todos do C. Penal, na pena 10 (dez) anos de prisão. Mais foi condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do C. Penal, cada um, na pena de 3 (três) anos de prisão.

Mais foi condenado a pagar à assistente a quantia € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, bem assim condenado solidariamente ambos os arguidos a pagar à assistente a quantia € 200,00 (duzentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescidas ambas as referidas quantias de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido e até integral e efectivo pagamento.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1-Como já resulta das suas alegações, no decurso do inquérito, imediatamente após a detenção do arguido, a defesa requereu um exame de natureza médica, tendente a aferir se o arguido estaria sob o efeito de drogas, no dia da prática dos factos, e se porventura essa ingestão teria influenciado decisivamente a sua capacidade de decisão.

2-Certo é que em tempo útil tal diligência não foi realizada, e o seu resultado foi por isso inútil.

3-Ora, esse espaço de dúvida deixado pela ausência dessa prova e a impossibilidade física de ser renovada não pode prejudicar o arguido.

4-Por isso, nas suas conclusões explanadas em 51 a 55 do seu recurso para a Veneranda Relação do Porto, entendeu o arguido que o Acórdão da 1 a instância violou o Princípio in dubio pro reo", pois não tinha elementos para desconsiderar que o arguido havia consumido drogas momentos antes dos fatídicos acontecimentos.

5-E quanto a esta questão o arguido não mereceu pronúncia.

6-Não está em causa a tempestividade da arguição de uma nulidade, pois em momento algum este meio de prova poderá ser produzido, pois não nos esqueçamos, já não terá qualquer efeito útil.

7-Está sim em causa a valoração deste vazio de prova e espaço de dúvida ao longo de todo o processo e em diversos momentos em prejuízo do arguido, e em frontal choque com o tão aclamado Princípio da inocência do arguido.

8-E numa frontal violação do previsto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, pois "deixa em cacos" todos os efectivos direitos de defesa do arguido.

9-O Acórdão recorrido não cumpre ainda nem o seu dever de pronúncia nem o seu dever de fundamentação quanto à questão do arrependimento do arguido.

10.-Questão essencial para a correcta aplicação da medida concreta da pena.

11-Pretende o acórdão recorrido, de forma totalmente inadmissível suprir a falta de pronúncia quanto ao arrependimento, através de um mecanismo de deduções e interpretações quer de outros factos dados como provados, quer da matéria vertida na contestação quer do objecto do recurso da decisão proferida em 1 a instância.

12-Olvidando que o processo penal não se rege pelo princípio do dispositivo, nem o vertido na contestação criminal delimita as questões que o Tribunal vise conhecer, muito menos a impugnação da matéria de alguns facto possa inquinar a sinceridade da confissão 13-A verdade é que no Acórdão de 1ª instância tal facto não resulta nem provado nem não provado, e o juízo "provado" ou "não provado" não se pode inferir do processo ou de factos conexos.

14-A verdade é que esse julgamento não foi realizado e é essencial.

15-Doutra forma, condiciona-se de forma decisiva o juízo a fazer sobre a proporcional idade ou não da medida concreta da pena.

16-Violou o acórdão recorrido o dever de fundamentação e pronúncia consagrado no artigo 374 do C.P.P. importando a nulidade do mesmo conforme cominação prevista no artigo 379 alínea a) e c) do mesmo diploma.

Do crime de roubo 17-Antes de explanar todas as suas conclusões, faz notar o arguido e pretende realçar a ligeireza com que o Acórdão recorrido aborda as questões suscitadas, e reduz o recurso quanto à matéria de direito a um parágrafo, afirmando que, face à matéria dada como provada a tese do arguido não tem consistência.

18-Não vislumbra o arguido onde é que o seu recurso foi conhecido e discutido! Onde estão fundadas as razões da sua discordância! 19-Salvo devido respeito, não é esta a forma correcta de abordar um processo urgente, com arguido preso, condenado numa tão elevada pena de prisão.

20-Bom, carpidas as mágoas, entende o recorrente que o Acórdão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação do vertido em 210 do Código Penal, bem assim das regras do concurso aparente e da consumpção de crimes.

21-Ao condenar o arguido pela prática de um crime de roubo valorou duplamente a violência perpetrada contra o corpo da assistente, que preenche, isso sim, o tipo objectivo dom crime de homicídio na forma tentada.

22-Proíbem as regras do processo penal, que se valorem duplamente os mesmos factos, bem assim, que se censure duplamente a mesma conduta.

23-Estamos perante uma relação de consumpção, em que a violência do eventual crime de roubo está consumida pelo crime de homicídio tentado.

24-No caso em apreço não há, nem autonomia nem pluralidade de resoluções por parte do arguido AA.

25-Por fim, entende o recorrente que não teve nem tem intenção de se apropriar de bens de terceiro quem, como o arguido AA, percorre as dependências da casa, vê objectos em ouro pousados sobre uma mesa e não se apodera desses bens.

Da qualificação do crime de homicídio 26-Foi o arguido condenado numa pena de 10 anos de prisão, por ter cometido um crime de homicídio, qualificado, na forma tentada.

27-Entendeu o acórdão recorrido, no entender da defesa, mal, que se verificava preenchida a alínea f) do artigo. Para que assim fosse seria imperioso que a intenção de matar surgisse no momento em o arguido procurava perpetrar o outro crime, neste caso de roubo.

28-Basta uma leitura atenta para aferir que a intenção de matar apenas se torna inequívoca no momento em que o arguido espeta a faca no olho da assistente, afirmando "é assim", conforme aliás, refere o Acórdão recorrido.

29-É, por isso necessário que o homicídio seja determinado pela execução, realização ou perpetração do crime de roubo (Vide anotação de Prof. Figueiredo Dias, in pago 34 e seguintes do Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume I).

30-Ora da matéria dada como. provada resulta que a apropriação de bens e as ofensas ao corpo da assiste se deram em momentos diversos, (primeiro aquele e depois este), executados por arguidos diversos, em espaços temporais diferentes, em visibilidade entre eles.

31-Não parece ainda que o arguido se prontamente se entrega às autoridades buscasse a impunidade dos seus actos.

32-Por último e mais importante, a matéria de facto provada parece aceitar que a apropriação se deu em momento anterior à tentativa de homicídio, razão pela qual não se poderá verificar a circunstância qualificadora.

33-Por fim, o vertido em 37° dos factos provados, por si só, não basta para qualificar a conduta do arguido, por ser uma afirmação é meramente conclusiva, insuficiente, sem prova de outros factos onde possa assentar, para suportar a agravação 34-Não resulta que o homicídio fosse determinado pela execução, realização ou perpetração do crime de roubo.

Da medida concreta da pena 35-Ainda que não proceda nenhum dos pontos anteriores, entende o recorrente que o Acórdão recorrido fez incorrecta aplicação dos artigos 40° e 71 0, bem assim dos artigos 131 ° e 132° todos do Código Penal.

36-O Acórdão recorrido violou as directivas respeitantes à finalidade preventiva especial da pena, pois impossibilita a ressocialização do arguido e aplica uma pena concreta que ultrapassa em larga medida a culpa do arguido.

37-A pena é exagerada e desproporcional.

38-Não pode o Acórdão recorrido olvidar que o arguido, de forma sincera confessou integralmente e sem reservas ter cometido o crime de homicídio na forma tentada, bem assim a forma da sua execução (note-se que não pode a confissão servir apenas para atenuar as custas do processo).

39-Que se manifestou arrependido, que prontamente se entregou ás autoridades.

40-Que não tem antecedentes criminais nem nunca teve comportamentos violentos censuráveis por quem quer que seja.

41-Que mantém apoio claro e directo da sua família, que é ainda um jovem, com possibilidade de ser acolhido pela sociedade, atento até o facto de ter bom comportamento do sistema prisional.

42-Por fim, que se encontra curado do seu problema de adição de drogas, por acção de fármacos e de cuidados de técnicos prestados no sistema de reclusão.

43-E não esquecendo que a sua conduta foi despoletada pela acção do arguido BB.

44-Existe pois espaço para tecer um juízo de prognose póstumo positivo face ao arguido, existem razões para acreditar que o arguido se afastará do cometimento de ilícitos desta natureza assim que for restituído à liberdade.

45-Ao condenar o arguido numa pena concreta muito para além do meio da pena, o acórdão recorrido condena ao arguido como se um de um homicídio consumado se tratasse, o que não é manifestamente o caso, violando as regras da proporcional idade.

46-Ao julgar desta forma, o acórdão recorrido represtina o antigo sistema da retribuição ou expiação das penas, da velha lei do Tabelião.

47-Esta é uma pena que apenas atende ao alarme social e à necessidade preventiva geral da comunidade, mas esquece que a prioridade é verdadeiramente a necessidade preventiva especial positiva.

48-Doutra forma, estaremos a estigmatizar e a ostracizar os reclusos, assegurando-lhes que a sociedade já não acredita da sua reinserção.

49-Parece à defesa, para o caso concreto justo e adequado a aplicação de uma pena de prisão não superior a 5 anos.

50-Consequentemente, deve ser reformulada a pena concreta decorrente da aplicação...

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