Acórdão nº 06P3163 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

"AA" foi julgado pelo Tribunal de Círculo de Matosinhos, no âmbito de processo do 3º Juízo Criminal dessa cidade, pronunciado por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos art.ºs 21.° n.º 1 e 24.º, alíneas b), c) e f) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, e de um crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do art.º 368.º-A, n.º 2 do CP.

A final veio a ser absolvido do crime de branqueamento, mas condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo art. 21.° n.º 1 e 24.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 14 anos de prisão. Foram declaradas perdidas a favor do Estado, não só as substâncias estupefacientes, como todos os bens e quantias também apreendidos, estes nos termos dos art.ºs 36.º da Lei nº 15/93, de 22.1., e 7.º da Lei n.º 5/02, de 11.1.

  1. O arguido recorre da sentença condenatória para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, conclui o seguinte: a) - Viola o princípio da "proibição de dupla valoração ", e faz, pois errónea interpretação do artigo 71 °, n.ºs 1 e 2, "in proemium" do C. Penal, utilizar o "juiz para determinação da medida da pena... a circunstância valorada pelo legislador como factor de agravação ao fixar a moldura penal", como ensina e exemplifica o Prof. F. Dias, in "Direito Penal Português", págs. 234 e 235 -, se, como no caso concreto, considera como factor de determinação do "quantum" de pena a ilicitude dos factos, "elevada, considerando os bens jurídicos violados, em última instância, com este tipo de crime, que é a saúde e o bem estar dos cidadãos e da pessoa humana em geral", demais quando a mesma douta decisão sublinhara que agravação "preconizada pelo ...artigo 24°, b), c) e j) tem em conta, no caso em análise, a escala, já muito elevada em que o crime é praticado, sendo o seu agente um elemento muito preponderante na prática do mesmo" (sic).

    e a necessidades de prevenção, que "se prendem com a necessidade de ....combater...que fomenta o consumo e a desgraça humana" (sic - fls. 44 do douto acórdão), ou seja, "...desrespeito pelos valores da ...pessoa humana, como sejam os da saúde e da sua integridade física, em prol apenas do seu enriquecimento patrimonial e do seu bem-estar e dos seus" b) - Viola a regra do artigo 71 do C.P., considerar como agravação na determinação da pena em concreto, o facto de o arguido fazer deste tipo de condutas o "seu modo de vida", se, em momento algum da douta decisão há a tal alusão, sendo que a subalternidade ou dependência que decorre da matéria de facto consubstanciada nos itens 38 e 39 da douta decisão e a fundamentação quanto à absolvição do crime de branqueamento é a demonstração de que o douto tribunal não tem elementos para concluir que só de actividades ilícitas viva - vivia - o arguido.

    1. - Viola a regra do artigo 71, n.º 2 do C.P. - conduta posterior ao facto - considerar agravante a "postura em audiência e durante toda a instrução do processo (a revelar) personalidade desviante, avessa a valores preconizados pela comunidade em que se insere"; se: - os elementos probatórios que existiam nos autos, são fruto de uma longa, paciente e paulatina investigação com mais de dois anos e a colaboração de um "agente encoberto " que todos menos o arguido como tal conheciam, - se o mesmo arguido viu dar como não provado que "obnubilasse a criminosa origem de quantias depositadas e movimentadas" - se é princípio geral, reforçado no direito anglo - saxónico, o aforismo "nemo auditur perrire volens", ou a tutela conferida pelo artigo 14, n.º 3 do Pacto internacional relativo a direitos civis e políticos, pelo que agia a defender-se; - se daqui se não pode inferir que, em termos de razoabilidade veja-se a extensão da tutela das declarações do arguido dada no ac. do STJ de 29-03-2000, no proc. n.º 1134/99, acima citado se pudesse concluir que o seu comportamento processual era "ineludivelmente de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo" Fazendo funcionar como valoração contra o arguido o seu comportamento processual, violou-se a regra acima (apud. autor e obra citada, pág. 255).

      Fixar em CATORZE anos, neste caso, uma pena aplicada, quando o limite máximo abstracto era de QUINZE anos, é violar o regime do artigo 71° do C. Penal.

    2. - Viola a regra do artigo 30°, n.º 4 da C. Rep., e o regime dos artigos 7°, n.º 1 da Lei 5/02, com referência ao artigo 111°, n.º 2 do C. Penal, considerar verificada a "presunção de conexão com actividade criminosa" quando - as contas e valores apreendidos remontam a datas muito anteriores - n.ºs 28, 29 e 30 da matéria fáctica dada como provada - à dos factos versados neste processo, ocorridos que foram em "data indeterminada de 2004", - alguns desses valores eram de contas que não são de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não é o único nem principal sócio; - a conexão imposta pela "essência político - criminal da regulamentação contida no artigo 109° (hoje 111°) parece só poder alcançar-se de um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia de que o "crime não compensa " - Prof. F. Dias, op. cit. pág. 632 -, mas sempre a exigir causalidade necessária, como "consequência directa", certamente que não quanto ao montante, mas já quanto à proveniência genética dessa vantagem, quando, a tal respeito, na douta decisão se "trabalha" com "presunções" em sede de condenação! Não é isso que resulta do trecho em que se lê: "têm proveniência ilícita designadamente que provêm do tráfico de estupefacientes a que o arguido se vem dedicando há já algum tempo, embora sem ter sido nunca apanhado ...nomeadamente as 4 importações de mercadorias, muito duvidosas, que efectuou, que passaram pelo nosso país" ( sic - a fls. 47)? Aqui, não se pode dizer que "cesteiro que faz um cesto, faz um cento...!" Ou fez - ou não fez! Termos em que, reduzindo o montante da condenação para o máximo de sete anos de prisão, tendo em conta o lugar paralelo do acórdão do SJ200405060004535, de 06-05-2004, relatado pelo Sr. Cons. Pereira Madeira - com a consequente e posterior expulsão, e revogando a douta decisão quanto à perda de "vantagens" decretada, e relativamente aos valores referenciados a fls. 13 da douta decisão, se fará JUSTIÇA.

  2. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e pronunciou-se pela sua improcedência.

    A Excm.ª PGA junto deste Supremo requereu que fosse fixado prazo para as alegações escritas.

    O relator, nos termos do art.º 417.º, n.ºs 5 e 6, do CPP, fixou o prazo de dez dias para as alegações e enunciou assim as questões que merecem exame especial: A - Sobre a medida da pena: 1ª- Há violação do princípio da "proibição de dupla valoração" se o colectivo considerou que a agravação do tráfico "preconizada pelo...artigo 24°, b), c) e j) tem em conta... a escala, já muito elevada em que o crime é praticado, sendo o seu agente um elemento muito preponderante na prática do mesmo" e se na determinação do quantum da pena atentou na ilicitude elevada dos factos e nas necessidades de prevenção? 2ª- Viola a regra do artigo 71.º do CP, considerar como agravação na determinação da pena em concreto, o facto de o arguido fazer deste tipo de condutas o "seu modo de vida", se em momento algum da decisão há tal alusão, sendo que a absolvição do crime de branqueamento é a demonstração de que o tribunal não teve elementos para concluir que só de actividades ilícitas vivia o arguido? 3ª- Viola a regra do artigo 71.º, n.º 2 do CP - conduta posterior ao facto - considerar agravante a "postura em audiência e durante toda a instrução do processo (a revelar) personalidade desviante, avessa a valores preconizados pela comunidade em que se insere", se o arguido tem direito a usar o silêncio e se o seu comportamento processual só deve ser valorado contra ele se for ineludivelmente de lhe imputar uma intenção de prejudicar o decurso normal do processo? 4ª- Fixar em 14 anos de prisão, neste caso, quando o limite máximo abstracto é de 15 anos, é violar o regime do artigo 71.º do C. Penal? B - Sobre a perda dos bens para o Estado: 5ª- Viola a regra do artigo 30°, n.º 4 da CRP e o regime dos artigos 7.º, n.º 1 da Lei 5/02, com referência ao artigo 111.º, n.º 2 do C. Penal, considerar verificada a "presunção de conexão com actividade criminosa" quando as contas e valores apreendidos remontam a datas muito anteriores à dos factos versados neste processo, ocorridos que foram em "data indeterminada de 2004", se alguns desses valores eram de contas que não são de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não é o único nem principal sócio, se não se provou que a sua proveniência fosse directamente relacionada com o tráfico de estupefacientes e, assim, tais contas e valores não deviam ter sido declarados perdidos para o Estado? 4.

    A Excm.ª PGA neste Supremo Tribunal alegou por escrito e concluiu o seguinte: 1- Improcedendo as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação, salvo no que diz respeito às reportadas questões que, suscitados, se prendem com a medida judicial da pena e declarada perda a favor do Estado dos bens e valores apreendidos.

    Efectivamente, 2- Considerando a moldura abstracta (5 a 15 anos de prisão) do ilícito em causa e o condicionalismo que, extrínseco ao tipo legal, depõe contra e a favor do arguido concede-se que alguma redução (embora não da envergadura pretendida pelo recorrente) possa sofrer a pena a impor-lhe, de sorte a quedar-se à volta dos 10 / 11 anos de prisão.

    3- E, com respeito à declarada perda a favor do Estado dos bens e valores apreendidos, ela justificar-se-á, não tanto pelo estabelecido na Lei n.º 5/2001 de 11.01 mas, pelo previsto no Dec.-Lei n.º 15193 de 22.01 (art.ºs 35° e seguintes), aliás invocado para o efeito no douto acórdão impugnado, por expressa referência ao art.º 36.°, n.º 2 do citado diploma, 4- Visto que, obedecendo...

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