Acórdão nº 06P2935 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução18 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º ……DSTR , do Tribunal Judicial de Alcanena , foram submetidos a julgamento : -…………. , S A , com sede em Monsanto -Alcanena , - AA , - BB; e CC , vindo , a final , a ser absolvida a última , julgado extinto o procedimento criminal quanto à primeira , e condenados : - os arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria material de 4 crimes de abuso de confiança fiscal , em concurso real com quatro crimes continuado de abuso de confiança fiscal , p. e p. no art. 105º , n.ºs 1 e 5 , do RGIT e um crime de frustração de créditos , p . e p . pelo art.º 25.º n.º 1, do Dec.º-Lei n.º 394/93 , de 24/11, nas penas de prisão respectivamente de 2 anos , 1 ano , 4 meses , 2 meses , 1 mês , 6 meses , 6 meses , 2 anos e 3 meses e 6 meses , cada um , respectivamente .

Em cúmulo jurídico , cada um , em 3 anos de prisão , cuja execução foi declarada suspensa com a condição de, em 5 anos , os arguidos pagarem a quantia de 474.609, 34 € , devendo documentar nos autos dentro do prazo de um ano o pagamento de 1/5 de tal quantia , dentro de 2 o pagamento de 2/5 , dentro de 3 anos o pagamento de 3/5 , dentro de 4 o pagamento de 4/5 e no último ano o restante , nos termos do art.º 15 , do RGIT .

  1. Os arguidos AA e BB, discordando do decidido , interpuseram recurso directamente para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões , já resumidas : No concretismo da situação está sempre em causa o conceito fundamental da proporcionalidade e adequação da medida da pena, sem situações específicas respeitantes à medida da pena .

    Esse contexto está evidenciado na sentença e ressalta das vicissitudes por que passou a sociedade arguida , desde o ver-se sobreendividada , desde o ser titular de créditos incobrados em largos milhares de contas , até por se apresentar ao Plano Mateus e requerer contra si Processo Especial de Recuperação de Empresa , caindo em falência .

    A motivação dos arguidos , como a decisão reconhece , não tem por fundamento o enriquecimento que então se não verificou , mas a salvaguarda dos valores da honra , preservação dos postos de trabalho , manutenção / desenvolvimento de uma actividade industrial .

    Não foi seleccionado o Estado para não pagamento mas outros credores sofreram as mesmas consequências .

    Os pagamentos não foram efectuados devido à situação de cronicidade e irrecuperabilidade económica .

    Este condicionalismo há-de ser ponderado e concorrer para uma decisão "equilibrante das roturas " socialmente relevantes , provocadas por acontecimentos criminais .

    A determinação da pena há-de ser proporcionada à medida da culpa sem a exceder .

    A culpa do agente sai reduzida ou anulada quando a sua decisão reveste o dramatismo das decisões radicais , face a consequências previsivelmente radicais .

    A reivindicação da justa medida concreta da pena deve adequar-se à reposição do equilíbrio rompido por factos censuráveis .

    Factos que são circunstanciados pelo comportamento dos agentes , comportando a previsibilidade " ex-ante e ex-post " aos factos .

    A decisão recorrida fê-lo sob a condição de pagamento de uma quantia que , com encargos , ultrapassa em muito , 100.000 contos , em 5 anos e 5 prestações anuais .

    Isto pela leitura acrítica do art.º 14.º , do RGIF ( n.ºs 6 e 7 , do art.º 11.º , do RGIFNA) , que não pode ser aceite .

    Essa disposição não pode ser dissociada dos art.ºs 4º.º , 50.º e 51.º , do CP.

    Donde ser forçoso não concluir pela aplicação de pena para além de multa, esta adequada às possibilidades dos arguidos .

    O Colectivo ao impor a suspensão condicionada ao pagamento de 476.609, 34 € fundou-se irrestritamente numa interpretação demasiado rígida do art.º 14.º , do RGIF .

    Essa condenação atenta contra os princípios da igualdade , necessidade e proporcionalidade da pena , consagrados nos art.ºs 13.º e 18.º n.º 2 , da CRP : A obrigação em que foram condenados é manifestamente impossível .

    Ela mostra-se desintegrada do contexto do art.º 51.º n.ºs 1 a) e 2 , do art.º 51.º , do CP .

    Donde a inconstitucionalidade que se invoca de uma interpretação que descure a condição económica do agente .

    Quando assim se não entenda deve o pagamento daquela importância ser feito sem sujeição a prestações , em 5 anos .

    II .A Exm.ª Procuradora -Adjunta sustentou o acerto da decisão recorrida .

    III .O Exm.º Procurador Geral-Adjunto neste STJ requereu que se designasse dia para julgamento .

  2. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que o Colectivo teve como assente o seguinte quadro fáctico : A sociedade arguida dedicava-se à curtimenta e acabamento de pele sem pêlo , sendo sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal de tributação com periodicidade mensal .

    No quadriénio de 1996 a 1999 compunham o Conselho de Administração da sociedade , o arguido AA , como presidente e os arguidos CC e BB , como vogais .

    Durante aquele período todos os arguidos exerceram , de direito , as funções inerentes à sociedade arguida , sendo que apenas os arguidos AA e BB o fizeram de facto .

    A 17 de Janeiro de 2000 , a sociedade arguida requereu contra si processo de recuperação de empresa que correu termos nesse tribunal sob o n.º ….., tendo os arguidos AA e CC continuado a exercer funções inerentes à administração da empresa até à declaração da falência .

    A sociedade foi declarada falida por sentença proferida a 7 de Março de 2001 , transitada em julgado em 14 de Março de 2002 .

    Relativamente às operações realizadas no âmbito da sua actividade , a sociedade arguida enviou os serviços de cobrança do IVA as declarações periódicas relativas aos meses seguintes sem que as fizesse acompanhar do respectivo meio de pagamento , nas importâncias a seguir mencionadas: -50.105,93 € , relativa ao mês de Janeiro de 1996 , cujo prazo para pagamento expirava a 31/03/96 ; -35.996, 23 € , relativa ao mês de Fevereiro de 1996 , cujo prazo para pagamento expirava a 30/4/96 ; -17.380, 67 € , relativa ao mês de Março de 1996 , cujo prazo para pagamento expirava a 31/5/96 ; -55.365, 03 € , relativa ao mês de Maio de 1996 , cujo prazo para pagamento expirava a 31/7/96 ; -10.099 , 62€ relativa ao mês de Julho de 1998 , cujo prazo para pagamento expirava a 10/9/98 .

    -1615, 76€ relativa ao mês de Setembro de 1998 , cujo prazo para pagamento expirava a 10/11/98 .

    -19.907, 35 € , relativa ao mês de Novembro de 1998 , cujo prazo para pagamento expirava a 11/1/99.

    -10.631, 98 € , relativa ao mês de Dezembro de 1998 , cuja prazo para pagamento expirava a 10/2/99 .

    56.294, 93 € , relativa ao mês de Janeiro de 1999 , cujo prazo para pagamento expirava a 10/3/ .99, no total de 257.396, 30 €.

    Tais montantes de imposto de IVA exigível resultam da diferença entre o imposto liquidado pela sociedade arguida aos clientes e o imposto por si suportado e dedutível naqueles períodos .

    A sociedade arguida liquidou IVA nas transacções por si efectuadas durante os períodos suprareferidos e recebeu dos respectivos clientes a totalidade do IVA que liquidou .

    Em 14 de Novembro de 1996 , por requerimento subscrito pela arguida CC e por despacho de 25 de Março de 1997 , a sociedade arguida foi autorizada a pagar em prestações as quantias de IVA do ano de 1996 , no âmbito do regime aprovado pelo DL n.º 124/96 , de 10/08 (Plano Mateus) .

    A sociedade arguida havia sido admitida já no referido Plano Mateus autorizada a pagar em 120 prestações mensais iguais , o montante total de 666.359, 70 € ( 133.593.126$00) , com início em Janeiro de 1997 .

    A sociedade arguida apenas pagou 30 prestações , tendo efectuado o pagamento da 30.ª prestação no dia 3 de Abril de 2000, com atraso , uma vez que tal prestação se encontrava vencida desde o dia 31 de Outubro de 1999 .

    Por incumprimento parcial do pagamento a sociedade arguida foi excluída do Plano Mateus , a 29 de Setembro de 2000 , quando ainda devia 649.273, 08 € ( 130.167.567$00 ) , tendo a sociedade arguida sido devidamente notificada .

    No entanto como não cumpriu integralmente o pagamento foi dele excluído em 29 de Setembro de 2000 .

    Em data não concretamente apurada mas anterior ao mês de Janeiro de 1997 , os arguidos AA e BB , de comum acordo e no interesse da sociedade arguida , decidiram não pagar ao Estado o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ( IRS) que , a partir daquela data fosse devido , passando a integrá-lo no património da arguida.

    Assim , na concretização de tal decisão , a sociedade arguida descontou nas remunerações pagas aos seus trabalhadores ( categoria A) e administradores ou colaboradores por conta própria ( categoria B) as seguintes importâncias a título de IRS , que reteve nos períodos e montantes a seguir mencionados : Ano de 1997 -157, 12 € ( cat.B) relativa ao mês de Janeiro ; 2.773, 42 € , relativa ao mês de Julho ; 2.519, 79 , € relativa ao mês de Agosto ; 104, 75 € ( cat.B) relativa ao mês de Setembro ; (cat.B) 104, 75 € relativa ao mês de Outubro , 3.465, 13 € ( inclui 104, 75 € em cat.B) , relativa ao mês de Novembro e 3.293, 46 € , relativa ao mês de Dezembro.

    Ano de 1998 -2920, 76 € relativa ao mês de Janeiro ; 2.989 , 42 € , relativa ao mês de Março ; 3.041, 05 € , relativa ao mês de Abril ( inclui 104, 75 € em cat.B) ; 3054, 75 € , relativa ao mês de Maio ; 2.889 , 44 € , relativa ao mês de Junho ; 2.856, 62 € relativa ao mês de Julho ; 2.774, 56 € , relativa ao mês de Agosto ; 3.764, 31 € relativa o mês de Outubro ; 4.289, 19 € relativa ao mês de Novembro ( inclui 349, 16 € em cat.B ) e 6.881, 84 € , relativa ao mês de Dezembro .

    Ano de 1999-3.078, 88 € , relativa ao mês de Janeiro ; 3.097, 58 € relativa ao mês de Fevereiro ; 3.052, 48 € , relativa ao mês de Março ; 3.243, 56 € , relativa ao mês de Abril , 3136, 07 € , relativa ao mês de Maio ; 2.794, 14 €, relativa ao mês de Junho , 2970, 26€ , relativa ao mês de Julho ; 5.919, 91 € , relativa ao mês de Agosto ; 2.906, 62 € , relativa ao mês de Setembro ; 2451...

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