Acórdão nº 1192/16.2T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO 1.1.

Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 1192/16.2T9STR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Tomar, foram submetidos a julgamento os arguidos (...) e (...), Ld.ª, melhor identificados nos autos, estando acusados da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 107º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 105º, n.ºs 1, 4 e 7, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho e artigo 30º, n.º 2, do Código Penal.

1.2. Em 17/09/2019 - véspera da data designada para a realização da audiência de julgamento -, o arguido (...) apresentou um requerimento nos autos, invocando a irregularidade da notificação que lhe foi efetuada, em 24/03/2017, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b), do n.º 4, do artigo 105º do RGIT, por existência de erro quanto ao valor da dívida a cujo pagamento devia proceder (sendo indicado, na notificação, o valor de 46.256,57€, quando, na verdade, o valor em dívida se fixava em 43.383,47€), requerendo ao tribunal que ordenasse a repetição dessa notificação, com a indicação dos valores corretos, requerimento esse que foi indeferido, por despacho proferido em audiência de julgamento, no dia 18/09/2019, o que motivou a interposição de recurso pelo arguido, que com tal decisão não se conformou.

1.3. Nessa sessão da audiência de discussão e julgamento (em 18/09/2019), o arguido (...), invocando a situação de insolvência da sociedade arguida e do próprio, declarada por sentença, em 04/04/2013 e em 03/07/2013, respetivamente, requereu que fosse ordenada a notificação dos respetivos Administradores de Insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b), do n.º 4, do artigo 105º do RGIT e, ainda, para virem informar nos autos, qual o valor inicial do ativo e do passivo de cada uma das Massas Insolventes, quais os bens que as integravam, à data em que foram efetuadas as notificações para pagamento e no presente, requerimento esse que foi indeferido, por despacho proferido no dia 08/10/2019, o que motivou a interposição de recurso pelo arguido, que com tal decisão não se conformou.

1.4. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 27/11/2019, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…), o Tribunal decide: a) condenar a arguida «… Ld.ª» pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelos artigos 7.º e 107.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.º 1, 4 e 7 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), o que perfaz o montante de 600€ (seiscentos euros); b) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelo artigo 107.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.º 1, 4 e 7 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 9€ (nove euros), o que perfaz o montante de 1.080€ (mil e oitenta euros); c) condenar os arguidos a pagar as custas criminais, a que acresce a taxa de justiça, que se fixa, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, em 3 (três) UC.

(…).» 1.5. Inconformado, o arguido (...) interpôs recurso da sentença.

1.6.

Conclusões dos recursos interpostos pelo arguido: 1.6.1.

Conclusões do recurso do despacho interlocutório referido em 1.2.: «1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido nos autos a 18-09-2019, no âmbito da audiência de discussão e julgamento, que indeferiu o requerimento apresentado pelo Arguido a 17-09-2019, com a referência 33420820.

  1. Em tal requerimento invoca o Arguido a irregularidade da notificação para pagamento voluntário efectuada ao Arguido a 24-03-2017, ao abrigo da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante RGIT), requerendo a sua repetição, atendendo a que o Arguido foi notificado a 24-03-2017 para efectuar o pagamento da quantia de 46.266,57€ quando, na realidade, o montante em dívida se fixava em 43.383,47€.

  2. Decidiu, assim, o Tribunal A Quo indeferir o requerido pelo Arguido, “considerando o entendimento jurisprudencial maioritário de que a notificação em causa não carece de indicação do valor em dívida (…)”, conforme resulta do despacho ora recorrido, mais constando do douto despacho do qual se recorre que “(…) à data da notificação era este o valor apurado, sendo que, após vicissitudes várias, tal valor foi efectivamente alterado”.

  3. Sucede que não pode o Arguido, ora Recorrente, concordar com a interpretação dada pelo Tribunal A Quo ao disposto no artigo 105º do RGIT.

  4. Na verdade, o ora Recorrente encontra-se a ser julgado, nos presentes autos, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 107º e n.ºs 1, 4 e 7 do artigo 105º do RGIT, praticando este crime as “entidades empregadores que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social”.

  5. Ora, dispõe o n.º 4 do artigo 105º do RGIT, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 107º do RGIT, que “Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.” 7. No que respeita ao pressuposto previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, sendo relativamente a este que se insurge o Arguido no requerimento que motivou o despacho recorrido, é de referir o seguinte: 8. O Arguido, ora Recorrente, foi notificado a 24-03-2017 para proceder ao pagamento do valor de 46.266,57€, no prazo de 30 dias, relativo a quotizações retidas e não entregues à Segurança Social, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT.

  6. A fls. 443 e 444 dos autos, veio o Digníssimo Magistrado do Ministério Público informar que “Durante o decurso da investigação, o órgão de polícia criminal apurou que o montante das contribuições legalmente devidas à Segurança Social ascende ao valor de 43.383,47€ (quarenta e três mil, trezentos e oitenta e três euros, quarenta e sete cêntimos) e não, como inicialmente se afigurava suceder, ao valor de 46.266,57€ (quarenta e seis mil, duzentos e sessenta e seis euros cinquenta e sete cêntimos).

    Todavia, foi o valor de 46.266,57€ que constou expressamente indicado na notificação que, nos termos do disposto no artigo 105º/4b) do RGIT, foi efectuada ao Arguido (...) e à sociedade Arguida (cfr. fls 28-29).

    Assim, até considerando as implicações jurídicas que derivam do pagamento voluntário efectuado por um arguido nos termos do mencionado artigo, importa rectificar tal situação.

    Pelo exposto, devolva os autos ao ISS para que, no prazo o mais curto possível, repita as notificações pessoais efectuadas nos termos do disposto no artigo 105º/4b) do RGIT, mas agora fazendo das mesmas constar o valor de 43.383,47€.” 10. Neste seguimento, veio o Instituto de Segurança Social, a fls. 449 dos autos, esclarecer que não há necessidade de se repetir as notificações para pagamento voluntário da dívida, atendendo à jurisprudência dos Tribunais Superiores, que considera que da notificação efectuada nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, não tem de constar a menção expressa dos montantes em dívida.

  7. Sucede que, no caso dos presentes autos, não estamos perante uma situação de omissão de indicação do valor em dívida, na notificação efectuada ao Arguido para pagamento voluntário, mas, ao invés, numa situação de erro na indicação do valor, sendo que tal valor, não obstante poder ser omitido na notificação para pagamento voluntário, não pode encontrar-se errado, sob pena de a notificação não se ter por validamente efectuada, uma vez que induz em erro o Arguido.

  8. Na verdade, e ao contrário do que resulta do despacho ora recorrido, onde se refere que “à data da notificação era este o valor apurado, sendo que, após vicissitudes várias, tal valor foi efectivamente alterado”, sendo que tal informação não corresponde à verdade, o valor efectivamente em dívida à data da notificação efectuada ao Arguido- 24 de Março de 2017- era 43.383,47€, e não 46.266,57€, pelo que a notificação efectuada ao Arguido deveria vislumbrar tal valor correcto - 43.383,47€.

  9. Entendemos, assim, que a notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT deve ser rigorosa, inteligível e corresponder à realidade fiscal do devedor, devendo mencionar não apenas o prazo e consequências do pagamento e o montante de coima aplicável, como também o montante total das prestações em dívida, bem como os juros de mora correspondentes.

  10. No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 13-05-2015, no âmbito do processo n.º 7018/11.6IDPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/a60c41b1a2cbae4c80257e52002f196b?OpenDocument, 15. Ora, entendeu a Mmª. Juiz de Direito do Tribunal A Quo que a notificação em causa não carece de indicação de valor, atendendo a que “se trata de valor variável no decurso do processo”.

  11. Sucede que, salvo melhor entendimento, o único valor variável em causa é o montante relativo aos juros de mora, o qual, à medida que o prazo decorre, vai aumentando, sendo que o valor em dívida a título de prestação...

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