Acórdão nº 0846951 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 6951/08 .../06.3IDPRT - tribunal judicial de Vila Nova de Gaia Relatora: Olga Maurício Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

No âmbito do processo acima identificado foi decidido: 1º - condenar o arguido B.......... na pena de 8 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105°, n° 1 da Lei 15/2001 de 5/6, tendo a pena sido suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, na condição de, no mesmo prazo de 3 anos, comprovar documentalmente nos autos ter pago a quantia de € 23.740,38 e legais acréscimos, tudo ao abrigo dos art. 50° do Código Penal de 1995 e 14°, n° 1, da Lei 15/01 de 5/6; 2º - condenar a sociedade arguida "C.........., Lda." na pena de 340 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, dos art. 105°, n° 1, 7° e 9° da Lei 15/2001 de 5 de Junho.

  1. Inconformado o arguido B.......... recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: 1ª - «Vem o presente recurso da douta sentença proferida no dia 14 de Julho de 2008 que condenou o recorrente pela prática em autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, nº 1, da Lei 15/2001 de 5/6 na pena de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto no art. 50º do Código Penal de 1985 e do art. 14º, nº 1 da Lei 15/01 de 5/6, foi suspensa pelo período de 3 (três) anos, sob a condição de no prazo de 3 anos comprovar documentalmente nos autos ter pago a quantia de € 23.740,38 e legais acréscimos».

    1. - «Face ao disposto no art. 15º do RJIFNA e no art. 21º do RGIT verifica-se que o procedimento criminal em apreço no presente processo pela prática dos factos imputados ao recorrente se encontra prescrito, decorridos que estão cinco anos sobre o dia 10 de Janeiro de 2002, terminus do prazo de cumprimento da obrigação fiscal (reportada a Novembro de 2001), e tendo em atenção que o recorrente apenas foi constituído arguido em 02/02/2007».

    2. - «Não se verifica qualquer causa suspensiva ou interruptiva de tal prescrição, designadamente as estatuídas quer no RJIFNA, quer no RGIT, tendo em conta a data de constituição do recorrente como arguido».

    3. - «O prazo de 90 dias referido pelo art. 105º, nº 4, do RGIT é apenas "(...) uma condição de punibilidade de natureza temporal, previsto no nº 6 do art. 24º do D.L. n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 394/93, de 24/11, segundo o qual o procedimento criminal só terá lugar se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação. Tal questão assume importância para a determinação do momento a que se deverá atender para se considerar o delito consumado: em tal hipótese afigura-se-nos que tal momento não é o do termo do prazo de 90 dias mas sim o do termo do prazo legal da entrega da prestação. A dilação de tal prazo contende apenas com aspectos relacionados com o atendimento de circunstâncias geralmente relevantes, no âmbito do relacionamento jurídico-tributário, para a contemporização com situações de justificado atraso na entrega da prestação. É, portanto, mera condição objectiva de punibilidade» - Tolda Pinto e Reis Bravo, in Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, anotados, Coimbra Editora, pág. 333.

    4. - «A norma em apreço refere-se claramente a uma condição de punibilidade e não ao momento de consumação do alegado crime, referindo taxativamente que os factos só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação, pelo que devendo a última prestação ter sido entregue até 10 de Janeiro de 2002, data em que o crime se consumou, independentemente da data em que passaria a ser punível, verifica-se que o procedimento criminal em apreço nos presentes autos pela prática dos aludidos factos, encontra-se prescrito, decorridos que estão cinco anos sobre o aludido dia 10 de Janeiro de 2002, tendo-se violado o disposto nos art. 5º, 21º e 105º, nº 1 e 4 do RGIT e 15º do RJIFNA ao decidir de forma diversa».

    5. - «À data da prática do crime imputado ao recorrente (não entrega de prestações tributárias de Julho de 2000 a Novembro de 2001) encontrava-se em vigor o RJIFNA, pelo que o recorrente só poderia ser julgado à luz do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), na versão introduzida pelo Decreto Lei nº 394/93, de 24 de Novembro. Porque é a lei vigente à data da prática dos factos sub judice e é para outros - isto é, para os ocorridos depois da sua entrada em vigor - lei intermédia mais favorável».

    6. - «Resultou indubitavelmente provado da audiência de discussão e julgamento que o ora recorrente não se aproveitou das quantias em dívida ao fisco integrando-as no seu património - vide, nomeadamente, factos provados nº 16, 17, 18 e 19 - não tendo existido qualquer intenção de apropriação dos montantes em dívida por parte do recorrente, não tendo tais montantes sido desviados em proveito próprio, mas apenas não entregues em virtude das sérias dificuldades financeiras que a sociedade vinha atravessando e que culminaram com a sua falência, já que face às inúmeras e graves dificuldades económicas que a empresa arguida "C.........., Ldª" atravessava não foi possível ao recorrente proceder à entrega atempada de tais montantes, dificuldades essas que culminaram com o encerramento da sociedade e sua posterior falência (vide factos provados nº 20, 21, 28 e 29)».

    7. - «A ocorrer qualquer condenação do recorrente, o que se ressalva a título de mera concessão académica, sempre teria de se respeitar as exigências e o regime do crime continuado (art. 30º, nº 2, e 79º do Código Penal) por ser manifesto que o caso vertente configura em toda a linha uma manifestação paradigmática da figura da continuação criminosa, impondo-se a determinação da lei penal aplicável tendo em conta a sucessão de leis».

    8. - «Aos factos imputados ao recorrente apenas poderá ser aplicado o regime do abuso de confiança fiscal consagrado pelo Decreto Li nº 394/93, de 24 de Novembro, regime que continuou em vigor durante a vigência do Decreto Lei nº 140/95, de 14 de Junho, por ser a lei intermédia e mais favorável, não podendo nunca aplicar-se o RGIT por ser lei mais gravosa».

    9. - «Os factos imputados ao recorrente só podem ser valorados à luz de um regime que definia o crime de abuso de confiança fiscal como um crime de apropriação, apropriação que subjectivamente não existiu».

    10. - «Não é possível referenciar na conduta do recorrente qualquer apropriação, não tendo resultado provado que o recorrente tenha integrado os montantes em causa no seu património pessoal - vide, nomeadamente, factos provados nº 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 28 e 29 - nunca tendo o recorrente agido com o propósito de se apropriar das somas deduzidas e retidas na veste de substitutos tributários, nunca passando a detê-las, jamais tendo integrado os montantes devidos à Fazenda Nacional no património da empresa, com propósito de enriquecer a mesma».

    11. - «Tais montantes foram aplicados no pagamento de salários, fornecedores e demais encargos correntes da empresa, sempre com vista a salvar a empresa e não a enriquecê-la, sendo que, perante as dificuldades financeiras com que a empresa se passou a debater, esta deixou de ter capacidade económica para disponibilizar as quantias suficientes para acorrer a todas as suas obrigações, nunca tendo sido intenção do recorrente apropriar-se das quantias em apreço, nunca tendo, noutros termos, procedido à inversão do título de posse, pelo que terá de se afastar em definitivo o abuso de confiança fiscal, restando apenas dívidas, que o recorrente reconhece e pretende liquidar e por cuja falta de pagamento não pode ser criminalmente perseguido».

    12. - «Apenas não procedeu ao pagamento dos montantes em causa devido às dificuldades económicas que a empresa atravessava, dificuldades que não foram, de modo algum, provocadas pelo recorrente, que tentou por todos os meios salvar a sociedade, tendo o recorrente contraído vários empréstimos pessoais para fazer face às dívidas da empresa (facto provado nº 19), sempre tendo acreditado que a mesma era passível de recuperação, tendo sempre procurado subsistir e à míngua de quaisquer apoios quer públicos, quer privados».

    13. - «Face às inúmeras dificuldades que a empresa atravessava, viu-se na necessidade de manter um nível de mão-de-obra que pudesse garantir o funcionamento da empresa, sempre no esquema lógico de que se deixasse de produzir nunca poderia cumprir os compromissos financeiros e fiscais a que estava obrigado, tendo por várias vezes se socorrido das suas próprias economias e de empréstimos pessoais, a familiares e amigos, quer para fazer face ao pagamento a pronto aos seus fornecedores, quer para efectuar pagamentos de salários e subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores e outros compromissos financeiros (facto provado nº 19), tudo para evitar a paralisação da empresa e seu eventual encerramento e a consequente falência e desemprego de todos os seus trabalhadores, o que infelizmente veio a acontecer».

    14. - «Não existia era dinheiro para, ao mesmo tempo, entregar na repartição de finanças o quantitativo correspondente ao IVA e pagar os salários dos trabalhadores, não se podendo falar de uma efectiva apropriação de montantes que tivessem sido desviados para fins diversos, tendo o recorrente se deparado com a questão de cumprir pontualmente com as obrigações fiscais e pagava os ordenados aos trabalhadores, a fornecedores, bem como as despesas que permitiam que a firma continuasse a laborar, com vista a ultrapassar os problemas, ou cumprir pontualmente as obrigações fiscais e a falência teria sido imediata, com o desemprego de vários trabalhadores e demais consequências drásticas de uma falência, tendo optado por ir garantindo o pontual cumprimento das obrigações salariais, do pagamento de fornecedores, do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT