Acórdão nº 06P2264 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 11 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 28/01, do Tribunal Judicial da comarca de Tavira, após contraditório foi proferido acórdão que condenou a arguida AA, com os sinais dos autos, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º, n.º1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 anos de prisão (1) .
No Tribunal da Relação de Évora, na sequência de recurso interposto pela arguida, foi aquela pena reduzida para 7 anos de prisão (2) .
Interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da motivação apresentada, após convite, as seguintes conclusões: I - Ninguém, muito menos a aqui recorrente, pode ser condenado por qualquer crime preenchido com a seguinte factualidade: a) Em período compreendido entre 15Jun01 e 8Mar02; b) A indivíduos não concretamente identificados, em local não concretamente apurado…; c) "procedia à sua venda, cedência e distribuição por outros indivíduos… e terceiro indivíduo de identidade não concretamente apurada"; d) "pelo menos desde 15Jun01 até pelo menos data não concretamente apurada, mas situada no Natal de 2001 (pelo menos desde 18Dez01 a 8Mar02), e ainda terceiro indivíduo de identidade não concretamente apurada (pelo menos desde 21Dez01 até 26Fev02)"; e) "estupefaciente destinado à revenda, entregavam à arguida AA o preço respectivo; f) "era utilizada linguagem cifrada ou em código, nomeadamente eram utilizadas expressões "....", "...", "...", "...", "...", "......", "...." e "...", entre outros; g) "Tais cifras ou códigos eram utilizados para determinar que tipo de estupefaciente se pretendia adquirir, ficando desde logo também combinado a forma e o local da entrega"; h) "indivíduos, não concretamente identificados"; i) "estupefacientes, quer os adquiridos a outros, quer os adquiridos à arguida AA"; j) "pelo menos 18Dez01 e pelo menos até 8Mar02"; k) "data não concretamente apurada do início de 2002 até 8Mar02"; l) "arrecadar benefícios económicos" - Sem se apurar quais! Ao considerar suficiente tal factualidade para o preenchimento do crime a que foi condenada a arguida, o tribunal a quo, II - Com tal entendimento e dimensão interpretativa do crime previsto no artigo 21º do DL 15/93, resulta que tal artigo se torna inconstitucional à luz do princípio da presunção de inocência (artigo 32º, n.º 2, da CRP) e da norma constitucional que assegura aos arguidos todas as garantias de defesa (artigo 32º, n.º1, da CRP) - a "factualidade" com que o tribunal a quo preencheu o tipo de crime é absolutamente ilegal/inconstitucional, por não permitir que nenhum cidadão se possa defender de tais imputações. Para além de que, III - Ao considerar "suficientes" tais "factos" para fundamentar o acórdão (a parte decisória que mantém a condenação no crime de tráfico de estupefacientes) aqui impugnado, torna-se nula a própria decisão por insuficiência e obscuridade da própria decisão, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea a), ex vi n.º 2 do artigo 374º, ambos do CPP.
Ainda assim, mesmo que se transija quanto à justeza dos factos considerados provados ao longo das instâncias (o que fazemos, tendo em vista o disposto no artigo 434º do CPP - "Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, n.ºs 2 e 3…").
IV - E porque a apreciação de tais "factos" apurados pelas instâncias, para além de manifestarem grave ofensa aos direitos constitucionais previstos nos artigos 18º, n.º1 e 32º, n.ºs 1, 2 e 5, todos da CRP, resultarem em manifesta desconformidade com o artigo 374º, n.º 2, do CPP, nos termos do artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c), do mesmo diploma legal, deverão Vossas Excelências, desde logo, produzir decisão que pura e simplesmente absolva a ora recorrente do crime de quem vem condenada pelas instâncias - tal qual aliás, foi mui doutamente decidido no acórdão de 6.4.2004 desse alto tribunal tirado no processo n.º 908/2004. Assim é, V - Por entendermos que se está nos presentes autos perante manifesta insuficiência da matéria dada como provada para o preenchimento da tipicidade prevista no artigo 21º, n.º1, do DL 15/93. Pelos motivos explanados nas nossas humildes alegações de recurso A. 1 a A. 13.
VI - Ainda em virtude da matéria amplamente explanada nas alegações A. 14 a A. 20, e atendendo à matéria considerada provada pelas instâncias, nos termos do artigo 410º, n.º 2, alínea a), do CPP, também pela manifesta insuficiência da factualidade apurada, deverá ser reconhecido o respectivo vício legal, com a consequência da imediata absolvição da ora recorrente - tal qual também mui doutamente decidido no douto acórdão desse alto tribunal tirado em 6.2.2003 no processo n.º 245/2003.
VII - Pelos motivos amplamente explanados nas nossas humildes alegações de recurso B. 1 a B. 5 e B. 6 a B. 16, nos termos do artigo 379º, n.º1, todas as alíneas, do CPP, e por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no n.º 1 do artigo 205º da CRP, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410º, do CPP, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º da CRP - cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 690/98, de 2.12.1998, disponível em… VIII - O tribunal a quo, e considerando que se encontrava na posse da completa documentação de toda a prova produzida em julgamento na primeira instância, por não ter reapreciado a matéria de facto, tal como havíamos oportunamente suscitado, tornou nulo o acórdão ora impugnado, mais uma vez por violação do direito ao recurso plasmado na CRP e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do CPP. Também ilegal e nulo foi o aludido acórdão, IX - No sentido em que validou o conhecimento tomado em acórdão pelo tribunal de 1ª instância de todos os factos constantes da acusação e não somente dos que lhe haviam sido ordenados por decisão anterior tomada pela mesma Relação. Manifesta violação do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do CPP; para além de ter infringido a norma que consta do artigo 4º, n.º 1, do EMJ (não acatamento por tribunal inferior de decisão proferida por tribunal superior).
X - Conforme devidamente desenvolvido em C. 1 a C. 4 do articulado que antecede, resulta, para além de violados os artigos 379º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 4º, n.º1, do EMJ, foram manifestamente violados os artigos 358º e 359º, ambos do CPP, pois nunca foi concedida oportunidade à arguida de, em 20 dias anteriores ao início da audiência de julgamento, se pronunciar sobre a ampliação do thema probandum determinado por acórdão proferido pela Relação de Évora. E nem se diga que tal "ampliação" em nada prejudicava a defesa! Por isso mesmo, pelo menos nessa parte, deverá ser anulado o acórdão aqui impugnado.
XI - Ao não ter sido apurada factualidade pelas instâncias que permitisse determinar a qualidade nem a quantidade nem proventos auferidos pela arguida, jamais poderia resultar preenchido o tipo de crime previsto no artigo 21º do DL 15/93 - quando muito, apenas o artigo 25º do mesmo diploma legal, mesmo que não se observasse o disposto no artigo 358º, do CPP.
XII - Alegações D. 1 a D. 7 do articulado que antecede. O acórdão aqui impugnado é violador do disposto nos artigos 97º, n.º 4, 374º, n.º 2, ambos do CPP, e do artigo 32º, da CRP, conforme a mais douta jurisprudência desse Supremo Tribunal da Nação e do Tribunal Constitucional, por todos acórdão n.º 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, in …, acórdão do TC n.º 607/2003, de 5 de Dezembro de 2003, cf. …, e acórdão de 6 de Maio de 2004, no processo n.º 908/2004, em que foi relator o egrégio Juiz Conselheiro Santos Carvalho, in … .
Tudo sopesado, XIII - O acórdão também é nulo por via do disposto nos artigos 358º, n.º1 e 379º, n.º 1, alíneas b) e c), e 374º, n.º 2 (na dimensão que lhe foi apontada pelo ac. do TC 680/98, de 2.12), todos do CPP. Assim, para além de serem vícios que, de per si, originariam a anulação do acórdão proferido em 1ª instância. E não, como decidiu o tribunal aqui a quo. A nosso ver, consubstancia mais um motivo de manifesta insuficiência para a condenação da ora recorrente, donde deverá resultar, desse alto Tribunal, acórdão que absolva a mesma, in totum.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada a Exm.ª Magistrada do Ministério Público formulou conclusões nas quais se pronuncia no sentido da rejeição do recurso, com o fundamento de que, embora o crime pelo qual foi a recorrente foi condenada seja punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus constante do artigo 409º, do Código de Processo Penal, não pode a pena de 7 anos de prisão imposta ser agravada, pelo que a decisão impugnada é irrecorrível nos ternos do artigo 400º, n.º 1, alínea f), daquele diploma legal.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal promoveu a designação de dia para a audiência.
No exame preliminar a que se refere o artigo 417º, do Código de Processo Penal (3), consignou-se relegar-se para a audiência, por razões de celeridade e de economia processual, o conhecimento da questão da eventual rejeição do recurso, suscitada pelo Ministério Público na contra-motivação Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
Como é sabido, o objecto do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (4).
São as seguintes as questões suscitadas pela recorrente nas conclusões que formulou: - Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência e obscuridade da própria decisão, ao considerar suficientes para fundamentar a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes os factos dados por provados, factos dos quais a recorrente se não pôde defender, por falta da necessária concretização.
- Nulidade do acórdão impugnado por violação do dever de fundamentação a que todas as decisões judiciais estão submetidas; - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, face à falta de reexame ou reapreciação da matéria de...
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