Acórdão nº 05P2906 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | SORETO DE BARROS |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
"AA", identificada nos autos, foi condenada, por acórdão de 03.02.05, do Tribunal da Comarca de Albergaria-a-Velha (proc. n.º 277/03), na pena de quatro anos e seis meses de prisão, por autoria do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1., do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro .
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1 Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 18.15.05, decidiu 'negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida .' 1.
2 Recorre, agora, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando a motivação com as seguintes conclusões : "1 - É com verdadeira estupefacção que se verifica que não foi mandado efectuar relatório social e estudo de personalidade da arguida .
2 - Era imperioso que as perturbações de personalidade de foro psiquiátrico fossem devidamente valoradas de molde a permitir o enquadramento correcto dos factos que a recorrente vem acusada.
3 - Protesta juntar no prazo de 8 dias relatórios médicos do alegado.
4 - O Tribunal ao não valorar as condições pessoais da arguida, o seu comportamento anterior e posterior à prática dos factos e o grau de ilicitude do facto e a sua falta de auto determinação condicionada pelos problemas psicológicos que sofre, violou o disposto no art.º 71 do Código Penal, que se mostra assim incorrectamente aplicado.
5 - Da falta de uma defesa efectiva: Ao não ter sido assegurado um defensor oficioso que actuasse em clara conjugação de esforços com a arguida, aconselhando-a e preparando a sua defesa e de molde a que a arguida se sentisse apoiada e defendida, tendo a arguida solicitado a substituição da defensora, todo o processado até esta data está ferido de nulidade.
A arguida solicitou á sua defensora diligências que não foram cumpridas, designadamente a reapreciação da matéria de facto, aquando do recuso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Compulsando os autos e pela leitura do recurso, facilmente se conclui que não foi feito o que era devido.
O julgamento em primeira instância deve ser anulado e mandado repetir, por clara e manifesta violação do disposto nos art. 13, 17, 18, 20 e 32 todos da Constituição da República Portuguesa.
Assim ao não ter sido assegurada uma efectiva defesa jurídica à recorrente, violou-se o disposto na Lei Fundamental, estando todo o processado nos autos ferido de inconstitucionalidade que desde já se suscita .
6 - Do enquadramento jurídico ou Penal Vem a arguida acusada como co-autora da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21, n.° 1 do DL 15/93 de 22/1 na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos, os factos dados como provados pelo Tribunal A Quo .
7 - Da contradição insanável da fundamentação O Tribunal A Quo dá como provado: sic "2- O arguido BB (...) deslocava-se duas vezes por dia à zona do Porto, para aí adquirir produto estupefaciente a pessoas cuja identidade não foi possível apurar, procedendo, posteriormente à sua divisão em doses individuais".
Porém, na fundamentação diz, sic " ... sendo que os produtos transaccionados eram heroína a cocaína, que era adquirida pela Recorrente e seu co-arguido, que se deslocavam cerca de duas vezes por dia à zona do Porto para adquirirem tais produtos.
Porém, o que foi dado como provado é que era o co-arguido BB que se deslocava duas vezes por dia à zona do Porto para aí adquirir produto.
Em lado algum ficou provado que era a arguida, aqui recorrente, que ia adquirir o produto ao Porto.
Verifica-se assim o vício da contradição insanável na fundamentação e a matéria dada como provada.
8 - Erro notório na apreciação da prova e insuficiência, para a decisão da matéria de facto provada.
No n°3 da matéria de facto provada refere-se sic que era conduzido quer por esta, quer por outras pessoas da confiança do arguido, designadamente, a testemunha CC (id. a fls 504) e a testemunha DD (id. a fls 539) .
Pasme-se É dado como provado que várias pessoas, identificadas, de resto! que conduziam o carro do pai da arguida para transportar o arguido BB ao Porto para este adquirir a droga.
9 - Porém apenas a arguida vem acusada e não as restantes pessoas.
Foi encontrado o bode expiatório.
10 - E cabe perguntar, a droga - de resto em quantidades mínimas que correspondem aos consumos médios diários dos toxicodependentes - que foi apreendida no automóvel no dia da detenção, pertencia a quem? Teria lá sido posta por quem? Pelo arguido BB? Pela inúmeras pessoas que conduziam o carro?, note-se que à arguida não foi apreendida qualquer droga.
A arguida era mais uma desgraçada toxicodependente que tratava de providenciar para arranjar a sua dose diária.
11 - É por demais conhecida a tragédia e miséria humanas que assolam violentamente o mundo da droga.
12 - Não resulta com a notoriedade necessária ao rigor da decisão jurídica, que a actuação da arguida preencha o tipo legal p. p. no art .21 ° do DL 15/93 de 22/ 1.
13 - E se não vejamos, resulta da matéria dada como provada que a arguida mantinha uma relação afectiva com o co-arguido BB; Este havia sido condenado por tráfico de droga na pena de seis anos de prisão, encontrando-se em liberdade condicional.
È manifesta a ascendência e o cabecelato do arguido BB, traficante, sobre a arguida AA, toxicodependente .
14 - A droga dada pelo arguido BB à arguida AA funcionava como a visão do oásis ao naufrago do deserto.
No n° 7 da matéria dada como provada refere-se sic "(...) concertados entre si, os arguidos (...) além de o terem feito a um número indeterminado de outros indivíduos cujas identidades não foi possível apurar, venderam quantidades indeterminadas de heroína e cocaína, num número indeterminado de ocasiões (...)".
15 - Os conceitos indeterminados onde tudo se vasa são claramente perigosos e atentatórios de um estado de direito democrático.
16 - O Tribunal não logrou apurar com a certeza exigida à decisão proferida o nexo de causalidade entre os factos dos autos e a conduta da arguida, designadamente não se sabe a quem pertencia o maço de tabaco contendo as "lágrimas" de cocaína e heroína.
17 - Mas resulta abundantemente documentado dos autos (cfr. relato de ocorrência de detenção no volume terceiro) a resistência física que o arguido BB ofereceu às autoridades.
18 - De todo o modo a lei permite que os toxicodependentes detenham plantas, substâncias ou preparações em quantidade que não exceda o necessário para o consumo médio individual durante o período de 5 dias (cfr a contrario n° 3 do artº 26 da Lei da Droga). Naquela viatura iam toxicodependentes! 19 - O Tribunal não cuidou de apurar o destino da droga nem as quantidades diárias que cada um dos arguidos necessitava. E o mesmo Tribunal dá como provado, sic "na altura destes factos ambos os arguidos consumiam heroína com regularidade e arguida havia também saído recentemente de uma cura de desintoxicação do álcool" (sublinhado nosso) 20 - Toda a gente sabe o significado de "consumir heroína com regularidade", só tem um significado, infelizmente! É estar absolutamente "agarrado" e dependente daquela droga, não há meio termo.
21 - A arguida, heroínomana e profundamente doente do foro psiquiátrico, poderá ter a frieza de ânimo, o discernimento, a lucidez para fazer girar um "negócio" em que o escopo é a obtenção do máximo lucro à custa da maior miséria humana?! Não se nos afigura credível! ! ! Por tudo o que se vem dito, facilmente se alcança que o enquadramento jurídico da conduta da arguida é o da figura do traficante consumidor p.p. no art. 26 do DL 15/93 de 22/1.
22 - A arguida não tem antecedentes criminais.
23 - A arguida negou a prática dos factos, designadamente que conhecesse a existência de droga no interior da viatura e que fosse dela a droga apreendida em casa.
24 - O Tribunal AQuo não poderá valorar negativamente esta atitude, o que fez, prejudicando a arguida e violando assim o disposto nos art. 71, 72 e 73 do Código Penal.
25 - O Tribunal A Quo valorou erroneamente a prova produzida e em consequência enquadrou juridicamente os factos de que vem acusada de forma errada, não os subsumindo ao tipo legal correcto que, seria o da figura do traficante consumidor p.p. no art. 26 da Lei da Droga.
Ou se assim não se entender, sempre a norma incriminatória teria que ser a prevista no art. 25 do mesmo diploma legal, isto é, tráfico de menor gravidade.
26 - Mas mesmo que nem assim se entenda, o que só por mera hipótese académica e dever de patrocínio se concebe, então, sempre teria que funcionar os mecanismos, previstos no art. 31 do DL 15/93 de 22/1, dispensando-se de pena ou fazendo funcionar a atenuação especial da mesma.
27 - Da Medida da Pena, É imperioso que a norma incriminadora e punitiva à conduta da arguida seja enquadrada de forma a permitir pelo menos a suspensão da execução da pena de prisão.
28 - Repugna profundamente à consciência jurídica que a arguida, hoje absolutamente recuperada, com a vida efectivamente refeita, com uma filha de 15 anos a seu cargo e grávida de 7 meses vá cumprir uma pena de prisão efectiva.
29 - Não nos podemos esquecer que não é uma delinquente comum, mas sim uma ex-toxicodependente.
É por demais conhecida a política definida dentro desta área e que deverá ser sempre orientada para a reintegração plena do ex-toxicodependente na sociedade.
30 - Da vertente humana e das prevenções geral e especial Também do ponto de vista de prevenção especial seria absolutamente dramático que a arguida fosse cumprir agora uma pena de prisão efectiva.
31 - É por demais conhecido que as prisões são a melhor escola da droga e da marginalidade. Se a arguida for presa irá mergulhar outra vez no mundo da droga e com toda a probabilidade não mais se irá recompor. Como toda a gente sabe há um tempo para as coisas, e a arguida conseguiu esse tempo agora estando socialmente integrada e liberta da droga.
32 - O novo filho que vai nascer será um motivo absolutamente sagrado para a manter a trilhar os caminhos do bem.
33 - Os pais...
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