Acórdão nº 06A1451 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução28 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, AA, casada com BB e CC, casado com DD instauraram acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra EE, pedindo a declaração de nulidade da disposição testamentária contida no testamento público, de 6. 7. 2001, lavrado a fls. 34/35 do L.º de Testamentos 136-T, do 2.º Cartório Notarial do Porto, - mediante a qual a testadora, falecida em 28. 9. 2001, FF, viúva, mãe dos A.A., legou, por conta da quota disponível ao Réu, sacerdote católico, a fracção autónoma "G", sita no 4.º andar, direito, com entrada pelo n.º 117, da Rua ..., Santo Ildefonso, cidade do Porto, descrita na 1.ª Conservatória respectiva, sob o n.º 53.873, a fls. 85, do L.º B-152 e inscrita na matriz no n.º 6.653-G - e o cancelamento de todos e quaisquer registos prediais, eventuais, provisórios ou definitivos relacionados com o mesmo.

Para tanto alegou em síntese: O réu como sacerdote prestou assistência espiritual à FF, sua mãe, durante o período da sua doença, tendo o óbito ocorrido em consequência desta doença.

O testamento foi feito durante a doença.

Tais factos integram-se no disposto no artigo 2194.º do Código Civil.

Citado regularmente o réu contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelos AA..

Pede a improcedência da acção e a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Foi apresentada réplica, na qual foi mantida a posição inicial.

Foi proferido saneador, fixada a matéria assente e organizada a base instrutória, tendo havido reclamações das partes parcialmente atendidas.

Na audiência de julgamento o R. apresentou articulado superveniente que não foi admitido.

Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo.

A final foi a acção julgada procedente por não provada. O réu veio pedir aclaração, pedido que foi desatendido.

Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação, que foi admitido.

A Relação do Porto veio a proferir acórdão, no qual julgou improcedente a apelação.

De tal acórdão veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: a) As alíneas E) e G) dos factos assentes e as respostas aos quesitos 5 e 14 da Base Instrutória foram aditadas irregularmente aos autos; b) Os aditamentos feitos às alíneas E) e G) e à resposta ao quesito 14 da BI não envolvem verdadeira matéria nova; c) A resposta, porém, ao quesito 5 da BI envolve matéria nova e especialmente relevante para qualificar o facto dentro da categoria conceitual da prestação de assistência espiritual; d) Tal resposta integra o fundamento de nulidade previsto na alínea d), 2.ª parte do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil; e) Nenhum dos aditamentos referidos se pode qualificar como lapso ou erro material porque nenhum deles é explicável por descuido, esquecimento ou engano involuntário; f) Todos eles se enquadram na execução de um plano que exigiu preparação; g) A sua qualificação como meros lapsos materiais corrigíveis levou o Tribunal a violar, por erro de aplicação, o artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil; h) Para além disso, o Tribunal violou o artigo 2194.º do Código Civil, por erro de interpretação e de aplicação, e os artigos 2.º e 4.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2001 de 22 de Junho e artigo 41.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

Pede que, dando-se provimento ao recurso, se anule o julgamento, ou quando assim se não entenda, se declare o tribunal incompetente para apreciar a matéria da acção e ferido de inconstitucionalidade o artigo 2194.º do Código Civil na parte em que determina a nulidade dos legados feitos a sacerdote que tenha prestado assistência espiritual ao testador.

Na resposta os AA. defendem a manutenção da decisão da Relação.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

II - São os seguintes os elementos factuais a considerar, emergentes dos autos: A) - Em 28 de Setembro de 2001, faleceu, em Santo Ildefonso, cidade do Porto, FF, viúva; B). - A quem sucederam os filhos: AA e CC, ora AA.; C). - Por testamento público de 6 de Julho de 2001, lavrado a fls. 34/5, do Lº de Testamentos 136-T, do 2º Cartório Notarial do Porto, a FF legou, por conta da sua quota disponível, ao Padre EE, ora Réu, a fracção autónoma "G", correspondente ao 4.º andar, direito, com entrada pelo número 117, da Rua Rodrigues Sampaio, Santo Ildefonso, cidade do Porto, retro identificada no pedido; D). - Desde Junho de 1997 até à data da sua morte (28.9.2001), a FF sempre residiu na Ordem da Trindade, concretamente na Rua da Trindade, 115, 3º andar, Porto, local onde residia, à data em que fez o testamento; E). - Nesta data (6.7.2001), o Réu residia, e já há algum tempo desde data anterior à do testamento, nesta mesma Ordem da Trindade, e mais concretamente no mesmo andar, onde residia a FF - 3º andar; destinado às vitalícias da Ordem; F). - O Réu, então, era Reitor da Igreja da Trindade e Capelão do Hospital da Trindade (reclamação de fls. 172 e decisão de fls. 236); G). - A FF era católica e assistia a missas celebradas na Igreja da Trindade; H). - A FF era vitalícia, residente na Ordem da Trindade; 1. - A FF frequentava a missa da Igreja da Ordem da Trindade; 2. - Nela recebeu o Sacramento da Santíssima Eucaristia e nela ouviu as homílias das missas, designadamente as que eram celebradas pelo Réu; 3. - Por dever de ofício e também por residir, dormir e comer na Ordem da Trindade, o Réu era o responsável pela assistência espiritual das vitalícias, entre as quais se encontrava a FF.

  1. - (inexistente); 5. - As pessoas residentes da Ordem, e a FF, estavam confiadas ao cuidado pastoral do Réu; sendo este, que até por dever, as ouvia em confissões, e que pregava a Palavra de Deus, bem como lhes prestava e lhes administrava os Sacramentos da Eucaristia e da Unção; tendo...

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