Acórdão nº 397/06.9TBVNC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelPURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO P … interessada nos autos de inventário nº … instaurados por óbito de J… e outro veio recorrer do despacho proferido em 05.11.2011 que indeferiu a interpretação da deixa testamentária nos termos pela mesma pedidos.

Em sede de recurso apresentou as seguintes conclusões: 1.

Ambos os inventariados, reciprocamente cônjuges, dispuseram suas últimas vontades nos testamentos de fls.…., os quais foram celebrados no Cartório Notarial de V… , perante o notário Dr. …, no dia …; 2.

Tanto o inventariado como a inventariada dispuseram em termos semelhantes, instituindo, cada um, o outro herdeiro da sua quota disponível; 3.

Mas com o encargo de este conservar a herança para que, por sua morte, revertesse a mesma a favor dos sobrinhos de cada um deles, os quais vêm identificados nos ditos testamentos; 4.

O que significa que os inventariados estavam de acordo em que os bens próprios de cada um fossem herdados pelos sobrinhos de cada um deles; 5.

Consubstanciando-se, assim, um verdadeiro fideicomisso; 6.

Em que cada um dos cônjuges era o fiduciário no testamento do outro e fideicomissários os referidos sobrinhos de cada um deles, cf. artigo 2286º do CC.

7. Ora, dado que os inventariados eram, reciprocamente, herdeiros legitimários, não podendo cada um dispor da legítima, por legalmente ser a mesma destinada ao outro, cf. artigos 2027º e 2156º do CC, poder-se-ia suscitar a questão de saber se a disposição de última vontade de cada um deles, tal como se encontra exarada nos respectivos testamentos, configurada numa verdadeira substituição fideicomissária, está ou não ferida de nulidade; vejamos: 8. O artigo 2163º do mesmo Código estipula que “o testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar bens que a devam preencher, contra a vontade do herdeiro”; 9. Diz, também, o artigo 2245º que “é aplicável aos encargos impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, o disposto no artigo 2230º”; 10. Rezando, por sua vez, o nº 2 deste que “a condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, tem-se, igualmente por não escrita, ainda que o testador haja declarado o contrário, salvo o disposto no artigo 2186º”; 11.

O qual estabelece que “é nula a disposição testamentária, quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”; 12.

Estipula, outrossim, o artigo 2289º do CC que “a nulidade da substituição fideicomissária não envolve a nulidade da instituição ou da substituição anterior; apenas se tem por não escrita a cláusula fideicomissária, salvo se o contrário resultar do testamento”; 13. Diz, finalmente, o artigo 2187º, nº 1, do mesmo Código, que “na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”; 14. Estipulando o seu nº 2 que “é admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa”; 15. Da conjugação destas normas e das que regem a interpretação e integração da declaração, cf. artigos 236º a 239º do CC, as disposições de última vontade exaradas pelos inventariados nos seus testamentos não estão afectadas de qualquer nulidade, como numa primeira análise poderia parecer; 16. Com efeito, o princípio da intangibilidade da legítima imposto pelo referido artigo 2163º cede perante a vontade do herdeiro, tal como na parte final do mesmo vem disposto; 17. A qual se aplica tanto àquela como ao preenchimento da mesma, claramente indiciado pela vírgula aposta antes da expressão “contra a vontade do herdeiro”; 18. O que bem significa, em bom português e correcta pontuação, que a mesma se refere às duas afirmações anteriores exaradas do referido preceito; 19. Na verdade, se fosse intenção do legislador que se aplicasse aquela expressão, como excepção que é, à última afirmação apenas, ou seja, à que visa o preenchimento da legítima, a referida vírgula não teria sido aposta antes daquela, por onde se determinaria, então sem margem para dúvidas, que, nesse caso, a dita excepção só se aplicaria ao referido preenchimento; 20. Não tendo assim acontecido, e tendo presente o disposto no artigo 9º, nº 3, do CC, que estabelece que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, onde se inclui, obviamente, o domínio da língua portuguesa e o não cometimento de erros de pontuação, temos de concluir que a excepção contemplada no referido preceito se aplica às duas afirmações do mesmo constantes; 21. O que significa que, por vontade do herdeiro ou sua anuência, o autor da herança pode impor encargos sobre a legítima, assim como designar os bens que a devem preencher; 22. Por outro lado, o referido artigo 2289º, 2ª parte, do CC, a propósito da eventual nulidade da substituição fideicomissária ou da substituição anterior, manda, expressamente, ressalvar o que resultar do testamento; 23. Dando, assim, mais uma vez, prioridade absoluta à vontade do testador; 24. Aqui chegados, há que determinar se cada um dos inventariados deu a sua anuência a que o outro lhe impusesse o encargo constante do testamento; 25. Ou seja, de que cada um devia manter ou conservar a herança com vista a que revertesse a mesma, por sua morte, a favor dos sobrinhos que cada um especificou no seu testamento; 26. De modo a que por estes viessem a ser distribuídos os bens próprios de cada um deles, o que, como se disse já, configura um verdadeiro fideicomisso; 27. Já dissemos que cada um dos inventariados, reciprocamente cônjuges que eram, fez o seu testamento no mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e perante o mesmo notário, em termos absolutamente semelhantes; 28. Donde se pode concluir que ambos estavam entendidos quanto aos termos do testamento e que cada um dava a sua anuência a que o outro lhe impusesse o encargo de conservar a herança para que viesse a reverter a favor dos sobrinhos de cada um deles, como acima se diz, o que, aliás, foi cumprido; 29. Nenhum dos preceitos acima enunciados se opõe a que cada um dos testamentos seja assim interpretado; 30. Já que a vontade dos respectivos testadores se mostra claramente expressa no texto dos mesmos, vindo, além disso, expressamente ressalvada no referido artigo 2289º, 2º parte, do CC; 31. Aliás, não tendo nenhum dos inventariados descendentes nem ascendentes, cônjuges recíprocos que eram, cada um deles era chamado à totalidade da herança do outro, cf. artigo 2144º do CC; 32. Pelo que não havia necessidade de se instituírem reciprocamente herdeiros das suas quotas disponíveis, não fosse essa a única forma de satisfazerem a vontade que deixaram expressa nos testamentos; 33. E que era a de que cada um devia conservar a herança com vista a que a mesma, por sua morte, revertesse a favor dos sobrinhos que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT