Acórdão nº 06B2871 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução21 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A Empresa-A e a Empresa-B reclamaram no processo apenso ao da declaração da falência de Empresa-C, cuja data foi fixada no dia 29 de Maio de 2000, direitos de crédito da sua titularidade, no montante global, respectivamente, de 230 880 543$ e de 149 951 338$.

Por sentença proferida no dia 20 de Dezembro de 2004, que procedeu à graduação dos créditos, posicionou os direitos de crédito daqueles reclamantes garantidos por hipoteca depois dos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral.

Apelaram os referidos reclamantes, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Março de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - o artigo 751º do Código Civil só é aplicável aos créditos com garantia imobiliária especial; - aos créditos dos trabalhadores, que gozam de privilégio imobiliário geral, é aplicável o disposto no artigo 749º do Código Civil e, por isso, não preferem à hipoteca; - o privilégio imobiliário geral não pode prejudicar direitos de terceiros registados sobre os bens, devendo no concurso da garantia especial da hipoteca e a geral dos trabalhadores prevalecer aquela; o acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 749º e 751º do Código Civil - são inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica a que se reporta o artigo 2º da Constituição, as normas da alínea a) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e da alínea a) do artigo 4º da Lei nº 96/2001, quando interpretadas no sentido de que os créditos dos trabalhadores prevalecem sobre os créditos hipotecários; - deve o acórdão ser revogado em consonância com os referidos juízos de legalidade e de constitucionalidade, por forma a que os créditos dos recorrentes garantidos por hipoteca sejam graduados preferencialmente aos créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio imobiliário geral.

"AA" e outros formularam, por seu turno, as seguintes conclusões de alegação: - por força do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, os seus créditos derivados de salários em atraso e outros derivados do contrato trabalho gozam de preferência em relação aos créditos dos recorrentes garantidos por hipoteca; - os seus créditos foram graduados em primeiro lugar nos termos da lei e não há violação do artigo 2º da Constituição.

"BB", representado pelo Ministério Público, formulou, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - por força de lei especial - artigos 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto - o seu direito de crédito prevalece sobre os dos recorrentes garantidos por hipoteca - trata-se de leis especiais, que revogam o regime geral que dimana do Código Civil, pelo que importa aplicar o regime do artigo 751º e não o do artigo 749º, ambos do Código Civil; - o seu direito de crédito garantido por privilégio imobiliário prevalece sobre o direito de crédito dos recorrentes garantido por hipoteca; - inexiste a inconstitucionalidade invocada pelos recorrentes.

"CC" respondeu, por seu turno, em síntese de alegação: - a graduação do seu direito de crédito garantido por privilégio imobiliário geral antes do direito de crédito dos recorrentes garantido por hipoteca, por força do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, decorre do nº 3 do artigo 59º da Constituição; - não há razão para afastar no caso a norma do artigo 751º do Código Civil, que se refere aos privilégios em sentido amplo; - não é inconstitucional a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca; - a alteração dos artigos 735º e 751º do Código Civil pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, só vale para o futuro, e ainda se tratasse de alteração meramente interpretativa, tinha que ser salvaguardado o efeito já produzido nos termos do nº 1 do artigo 13º do Código Civil.

"DD" , respondeu, por seu turno, em síntese de alegação: - o artigo 751º do Código Civil, que vigorava à data do vencimento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, refere-se a privilégio imobiliário em sentido amplo, independentemente de ser geral ou especial; - a entender-se dever aplicar-se o artigo 751º do Código Civil na sua redacção actual, terá de se aplicar também o artigo 377º do Código do Trabalho, segundo o qual os créditos dos trabalhadores preferem à hipoteca, mantendo o nível de protecção anteriormente atribuído aos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação; - o facto de os privilégios imobiliários não estarem sujeitos a registo não afecta a segurança do comércio jurídico nem o princípio do Estado de direito, uma vez que são estabelecidas por lei, do que decorre o conhecimento da sua existência por todos os intervenientes no comércio jurídico de forma mais eficaz que o próprio registo.

II É a seguinte a dinâmica processual, declarada assente no acórdão recorrido, que releva no recurso: 1. Várias pessoas, trabalhadores, incluindo AA, BB, CC e DD, reclamaram direitos de crédito resultantes da extinção de contratos de trabalho sobre os bens móveis e imóveis integrantes da massa falida.

  1. A Empresa-A reclamou o pagamento da quantia de 230 880 533$ resultante de contrato de mútuo com garantia hipotecária no valor de 37 964 042$, relativos ao capital de 28.000.000$, juros compensatórios de 591 070$, juros de mora no montante de 8 989 739$ e imposto do selo com o valor de 383 233$, de uma confissão de dívida com garantia hipotecária com o valor de 129 373 215$ - 109 000 000$ de capital, 19 589 630$ de juros moratórios e compensatórios e 783 585$ de imposto do selo, e de um contrato de abertura de crédito, datado de 21 de Janeiro de 1998, com o valor de 63 543 276$ - 39 511 908$ de capital e o restante de juros e imposto de selo.

  2. O Empresa-B reclamou o pagamento de 149 951 338$, resultante de um contrato de mútuo no valor de 112.000.000$, e juros de mora no valor de 36 491 671$ e imposto de selo no valor de 1 459 667$.

  3. A requerida, por um lado, e A Empresa-A e o Empresa-B, por outro, declararam, a primeira constituir hipoteca a favor dos últimos sobre o prédio apreendido pela a massa falida para garantia de pagamento dos montantes mencionados sob 2 e 3, respectivamente.

  4. A Empresa-A e o Empresa-B são titulares de hipoteca sobre o prédio apreendido para a massa falida objecto de registo predial.

  5. O crédito da Empresa-A no montante de 37 964 042$, e o crédito do Empresa-B, no montante de 149 951 338$, foram, na sentença de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT