Acórdão nº 06P2035 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução28 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS - Arguido/recorrente: AA ( 1) «No dia 19 de Maio de 2005, cerca das 20:25, no decurso de uma busca ao "Café ...", sito na Estrada .... da ......, n.° ...., na cidade do Porto, explorado pelo arguido, vieram ali a ser encontrados os seguintes objectos e produtos: a) Na cozinha: - Uma pistola de defesa, com um carregador n.° 001674, marca ERMA, Mod. EP 555, calibre 6,35 mm, de um cano de alma estriada, com 7,2 cm de comprimento, com carregamento por carregador com capacidade para sete cartuchos metálicos, carregados com carga propulsora de pólvora, escorva e um projéctil metálico, de percussão central, sem cão e de punções alemãs, examinada a fls. 123; - Dois cartuchos metálicos, carregados com carga propulsora de pólvora, escorva e um projéctil metálico, calibre 6,35 mm, de percussão central, próprios para armas de defesa, examinados a fls. 123; - Os papéis juntos a fls. 28-33; b) No exterior do edifício, mais precisamente no parque privativo do Café e no interior do veículo automóvel "Toyota Hiace", AE, ali estacionado, detido e usufruído pelo arguido como se seu dono fosse: - Uma balança com resíduos de produtos que vieram a ser laboratorialmente identificados como heroína e cocaína (exame de fls. 210 e 211); - 1016 comprimidos cuja «substância activa presente» é a anfetamina (fls. 210 e 211)(2). O arguido não possuía licença de uso e porte de arma de defesa. A balança apreendida havia sido utilizada para pesar heroína e cocaína. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente. Sabia que não podia deter a arma acima descrita sem estar habilitado com a respectiva licença de uso e porte. Conhecia as qualidades estupefacientes dos comprimidos que detinha na viatura acima identificada. Actuou ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei. O arguido confessou, de forma integral e sem reservas, a detenção da pistola apreendida; o arguido não tem antecedentes criminais. Sobre o carácter, personalidade e condições pessoais, apurou-se que o arguido, nascido em Cabo Verde no dia 04.03.1971, integra uma fratria de 9 irmãos; o seu processo de crescimento/socialização decorreu no seio da família de origem, no país de onde é natural, sem incidentes ou dificuldades de relevo, considerando que a dinâmica familiar era estruturada e a situação económica considerada desafogada, dado o pai exercer a actividade de comerciante a par da exploração de terras agrícolas; frequentou a escola até ao equivalente ao 9º ano do nosso sistema de ensino, altura em que teve que abandonar para assumir o lugar do pai na gestão das terras agrícolas, uma vez que aquele veio para Portugal no intuito de se submeter a tratamentos médicos. Posteriormente, após o regresso do pai, tirou a carta de condução de pesados, exercendo a correspondente actividade laboral até emigrar para Portugal, há cerca de 8 anos, conjuntamente com a companheira. Nos primeiros meses, permaneceram ambos no Porto, exercendo o arguido actividade na construção civil. Posteriormente, residiram em Lisboa, mantendo-se ele a trabalhar no mesmo sector de actividade e ocupando-se a mulher como empregada de limpeza. De seguida, regressaram novamente à área metropolitana do Porto, fixando-se no café, que passaram a explorar, denominado "Café ...", localizado na proximidade do Bairro de .... Antes de preso, também efectuava ocasionalmente alguns biscates como motorista de pesados. Mantinha-se a residir com a companheira e os dois filhos do casal, respectivamente de 6 e 2 anos de idade, em condições habitacionais precárias, dado tratar-se de um anexo construído pelo arguido em espaço contíguo ao café, sem luminosidade exterior e com significativa humidade. A satisfação das necessidades quotidianas era assegurada pelos proventos advindos da exploração do estabelecimento comercial. No meio social envolvente, o arguido era considerado um indivíduo afável, não se percepcionando sentimentos de hostilidade em relação a ele.

No E. P. onde se encontra, tem mantido uma conduta formalmente de acordo com os normativos vigentes. Exerce actividade laboral no sector da cozinha praticamente desde o início da reclusão. A família do arguido vive em situação económica precária, sendo apoiada pelos Serviços de Acção Social da Segurança Social com um subsídio no valor de € 150. O arguido tem, em Cabo Verde, uma filha, com cerca de 13 anos de idade, de um anterior relacionamento afectivo» 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, a 4.ª Vara Criminal do Porto condenou AA (-04/03/1971), como autor de um crime de tráfico comum de drogas ilícitas (artigo 21º, n.º 1, do DL nº 15/93, com referência à tabela II-B anexa ao mencionado diploma), na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; como autor de um crime de detenção ilegal de arma (art.s 1.1.

b e 2 e 6º da Lei n.º 22/97), na pena de 7 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão: Comete o crime do artigo 21º, nº 1, do referido diploma "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a II é punido. A prática de um só daqueles actos é suficiente para a consumação do crime. Por isso é o tráfico considerado crime exaurido ou de empreendimento, no sentido de que a prática de um só acto é gerador do resultado típico. É obvio que, na previsão daquele normativo caberão as mais diversas condutas, umas mais graves do que outras, e que, ao nível da sanção a aplicar, só poderão individualizar-se mediante apreciação das circunstâncias concretas da acção. Aos ilícitos de tráfico dos artigos 21º, 24º e 25º têm sido originariamente apontado pela jurisprudência do STJ que o mesmo visa a tutela da saúde pública da comunidade, na dupla vertente física e moral, considerando-o como um crime de perigo abstracto, em que para a sua consumação não é exigível a ocorrência de um "dano efectivo e real", bastando a ocorrência de um dos actos anteriormente descritos no tipo legal de crime. Sendo assim e porque tal ilícito é visto como um crime de perigo, temos que para a sua consumação não é necessário a efectiva lesão do bem jurídico que lhes está subjacente, mas que apenas basta a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica causar danos a esses mesmos bens, quer se entenda que se trata da saúde pública ou então daquela pluralidade de bens, apontando-se, no fundo e em ambos os casos, para a degradação e destruição da vida humana ( 3).

A danosidade social do tráfico de estupefacientes é por demais conhecida. A enormidade do flagelo é tal, que a comunidade internacional já o interiorizou como o "the world drug problem" (DR 1ª S.-B de 26.5.1999 - Resolução do Conselho de Ministros n. 46/99). A detenção voluntária e consciente, por parte do arguido, de 1016 comprimidos de anfetamina, mais conhecida por "ecstasy", que se encontram no interior de uma viatura automóvel estacionada no parque privativo do "Café Carvoeiro" por ele explorado, cuja natureza estupefaciente bem conhecia, tipifica um crime de tráfico de produtos estupefacientes do artigo 21º, n.º 1, do D. L 15/93, com referência à tabela II - B anexa ao referido diploma legal. Tendo presente o comando do artigo 70º do C. Penal "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa ou pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidade da punição". Às finalidades da punição refere-se o artigo 40º, n.º 1, do C. Penal, que estatui "a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade". A propósito desta norma a Prof. Fernanda Palma, in Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, ed. 1998, pág. 26, escreveu: "O artigo 40°, norma sem paralelo no Código de 1982, traça as finalidades da punição: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos". São puras razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que dominam a operação de escolha da pena. A culpa, nesta sede, não releva.

No caso vertente, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial de socialização, atenta a personalidade e o meio social do arguido na data dos factos, impõem a aplicação da pena de prisão, pelo que se opta pela aplicação deste tipo de pena quanto ao crime de detenção ilegal de arma. A determinação concreta da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e n.º 2, do C. Penal, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento. Ora os bens jurídicos aqui em causa já foram assinalados aquando da descrição dos correspondentes crimes aqui visados, pelo que para aí remetemos. A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como fundamento e limite máximo inultrapassável a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva. Na...

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