Acórdão nº 06P2326 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução22 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Por Acórdão de 16 de Maio de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:

a) Deferir a execução dos Mandados de Detenção Europeu emitidos pelo Ministério Público de Berlim (processos nºs 69 Js 259/05 e 69 Js 289/05), juntos a fls. 32 e 126, referentes ao cidadão AA, nacional do Líbano e ordenar a sua entrega às autoridades da Alemanha, com entrega suspensa até que termine o julgamento do processo pendente em Portugal; b) Caso o opoente, nesse processo, seja condenado em pena de prisão efectiva, a entrega será temporária, a fim de ficar garantida a execução dessa pena, (art.º 31.º, n.º 3); 2.

Desse Acórdão recorre agora o referido cidadão libanês para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes (e desnecessariamente longas) conclusões: 1 - O presente recurso é interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, actuando como tribunal de 1ª instância em sede de Lei de Mandado de Detenção Europeu, deferiu a entrega do arguido ás autoridades alemãs em cumprimento dos mandados de detenção europeus emitidos pelo M°P° de Berlim e referentes a uma imputada actividade de tráfico de estupefacientes cometida pelo arguido nesse país.

2 - O arguido opôs-se à respectiva entrega e invocou a verificação de causa de recusa facultativa prevista no art.º 12.º dessa Lei, justificando em sucessivas tomadas de posição, orais e escritas, a sua posição.

3 - A decisão recorrida, animada de um excesso de voluntarismo e de uma exacerbada visão securitária do espaço europeu, incorreu, em nosso entender e salvo o devido e muito respeito, nos seguintes erros que determinam a sua necessária anulação ou modificação:

  1. Nulidade, nos termos do art.º 379.° n.º 1 al. c) e 425.° n.º 4 do C.P.P. por não se ter pronunciado sobre questões sobre as quais tinha obrigatoriamente de se pronunciar - verificação ou não de causas de recusa relativa e violação do princípio "ne bis idem", questões suscitadas pelo arguido e opoente.

  2. Ilegalidade por errada interpretação dos art°21° do D.L: n°15/93 de 22/1, 19° n°2 e 22° n°2 do C.P:P. e 12° n°1 als.b) e h) da Lei n°65/2003 de 23 de Agosto.

  3. Inconstitucionalidade por violação do art°29° n°5 da C.R.P.

    4 - Como factos relevantes no presente processo de Mandado de Detenção Europeu, que se encontram provados por documentos autênticos constantes do processo podemos elencar os seguintes:

  4. Mandados de Detenção Europeu Pelo M° P° de Berlim foram emitidos dois Mandados de Detenção Europeu, constantes a fls. 32 e 126 destes autos nos termos dos quais se pretende a entrega do arguido às autoridades alemãs para que possa ser julgado pelos tribunais alemães pela eventual prática dos factos sumariamente descritos nesses mandados.

    São esses factos os seguintes, transcrevendo: 1° mandado Em Março de 2004 a pessoa acusada comprou 100 Kgs de Haxixe e 3 Kgs de cocaína a um homem de nome Mehmet, o qual transportou as drogas da Holanda para Berlim. Em Abril ou Maio, o arguido comprou mais uma vez 100g de cocaína. As drogas eram para ser revendidas com lucro " 2° Mandado "O perscrutado, assim como os perscrutados em processos em separado AYman Al Zein, Emad Al Zein, Erdem-ZeYrec, Sallar, Zander e Peltzemeier; assim como, pelo menos um co-autor desconhecido em São Paulo/Brasil; juntaram-se para, com alternância dos graus de participação, com interesse comum e para obtenção comum de lucros comprar cocaína em volume de respectivamente 15 a 20 quilos (bruto), com um grau de pureza quase sempre em torno de 80% e para realizar o transporte aéreo através de transportadores respectivamente organizados, transportando os estupefacientes em malas do Brasil para a Alemanha e outros países Europeus e lá vendê-los. Neste âmbito ocorreram os seguintes actos: E de seguida descrevem-se actos concretos alegadamente ocorridos em: - Fevereiro de 2004, onde supostamente sob o nome "Tamer Sen " organizou um voo de contrabando de Driss Ameziane de SPaulo/Brasil para Bruxelas/Bélgica de 6,031 Kgs de cocaína numa mala.

    - Entre 30 de Outubro de 2004 e 8 de Novembro de 2004 supostamente o arguido em concurso com Peltzmeier e Sallar organizou um voo de contrabando de um acusado Ritter de S.Paulo/Brasil para a Alemanha transportando uma quantidade desconhecida de cocaína - Entre 30 de Novembro de 2004 e 11 de Dezembro de 2004 supostamente o arguido em concurso com Peltzmeier, Sallar e Zander organizou um segundo voo de contrabando do acusado Ritter de S.Paulo/Brasil para a Alemanha transportando uma quantidade desconhecida de cocaína.

    - Entre 19 e 31 de Janeiro de 2005 (por lapso referido no início a Janeiro de 2004 ) supostamente o arguido em concurso com Sallar, Aymen Al Zein, Emad Al Zein e o Erdem-ZeyreK organizou um terceiro voo de contrabando do acusado Ritter de S.Paulo/Brasil para a Alemanha, agora para a cidade de Nurnberg, passando por Zurique, transportando uma mala com aproximadamente 20,23 Kgs de cocaína.

  5. A acusação do processo pendente em Portugal Encontra-se pendente em Portugal, na fase de julgamento, um processo crime nº 148/05 JELSB, a correr termos na 5" Vara Criminal de Lisboa, 3a Secção, tendo por fundamento uma acusação deduzida pelo M°P° Português em que se encontram imputados ao arguido os seguintes factos, no que aqui releva: "O 1 ° arguido [o requerido] actuando concertadamente com outros indivíduos não totalmente identificados já se vinha dedicando, pelo menos desde inícios de 2004, à introdução de cocaína e outros produtos estupefacientes na Europa (facto 1).

    Factos que estavam a ser investigados pelas autoridades alemãs ....( Facto 2 ) Para o efeito socorriam-se de terceiros, vulgarmente designados como "correios", que mediante contrapartidas económicas, pagas normalmente pelo 1 ° arguido, anuíam a efectuar tais transportes de estupefacientes.(Facto 3) Actividade em que contariam com a colaboração do 2° arguido, de acordo com as informações obtidas por aquelas autoridades (Facto 4).

    FOI ASSIM QUE, O 1 ° ARGUIDO, NA PROSSECUÇÃO DA ACTIVIDADE ANTES DESCRITA, no dia 24 de Abril de 2005, na sequência do previamente acordado com o 2° arguido deslocou-se desde Beirute até Lisboa, a fim de aqui receberem a cocaína que haviam obtido e que tinha sido introduzida em Portugal de forma não apurada (Facto 9).

    Ou seja: 5 - Informadas as autoridades policiais portuguesas de que os arguidos detidos em Portugal por um acto concreto de tráfico podiam estar a actuar no quadro de uma organização transnacional que desde, pelo menos, o início de 2004 se vinha dedicando à actividade de tráfico de estupefacientes importando, sobretudo para a Alemanha e também para a Holanda, substâncias proibidas, recolheram elas durante o inquérito prova destinada a comprovar a participação do arguido nessa actividade continuada e transnacional.

    6 - Dessa investigação, ainda em sede de inquérito resultou a convicção policial, expressa nas conclusões do relatório final (fls. 622 a 635 do processo n°148/05 JELSB ), de que não apenas o arguido integrava essa organização, era responsável por actos concretos de tráfico ocorridos entre Março de 2004 e Abril de 2005 na Alemanha e Holanda, como também que o próprio acto de tráfico ocorrido em Portugal se inscrevia nessa actividade organizada, destinando-se a droga apreendida a ser comercializada na Alemanha ou na Holanda.

    7 - Esta convicção policial da existência de prova bastante destes factos foi assumida pela acusação do M°P° português que imputou ao arguido no referido processo n°148/05 JELSB, nos facto 1 e 9, a autoria de uma actividade continuada de tráfico desde o inicio do ano de 2004, tendo por objecto a importação de droga para a Europa e referiu expressamente que foi no quadro dessa actividade que o arguido praticou o facto em território português 8 - Em julgamento a M.ma Juíza Presidente do Colectivo perguntou expressamente ao titular do inquérito pelos meios de prova recolhidos quanto à imputada actividade do arguido na Alemanha.

    9 - Tudo isto significa, indubitável e inapelavelmente, que o arguido se encontra já a ser julgado em Portugal pelos factos que justificaram a emissão dos Mandados de Detenção Europeu 10 - Ao arguido está imputada em Portugal e na Alemanha a prática de uma actividade de importação e posterior comercialização de substâncias estupefacientes, designadamente cocaína, prevista na legislação portuguesa pelos art°s21° e 24° do D.L. n°15/93 de 22/1.

    11 - É jurisprudência uniforme e unânime de todas as instâncias e, inequivocamente desse Colendo Supremo Tribunal, que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, "exaurido", de execução continuada.

    12 - Estamos, pois e por isso, perante um crime formal e de execução continuada, em que os diversos actos concretos mais não são do que epifenómenos comprovativos do risco ínsito à totalidade da actividade.

    13 - Crime exaurido e de execução continuada que transformam num só e mesmo crime toda a actividade desenvolvida pelo arguido na respectiva execução, independentemente do número de actos concretos cometidos, do local do respectivo cometimento, da ou pluralidade de resoluções, da imediação ou distanciamento temporal.

    14 - "Cada actuação do agente, no crime exaurido, traduz-se na confissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela doutrina como correspondente a um só crime ». (Ac. do STJ de 18 de Maio de 1998, in C.J., Acórdãos do STJ, ano VI, 1, III- 1998, pgs.169) 15 - Sempre que a actividade criminosa denunciada é tráfico de estupefacientes, todos os actos em que ela se manifesta constituem o mesmo e único tipo de ilícito, devendo o respectivo autor ser objecto de um único julgamento, sob pena de se estar a punir duas vezes o mesmo facto, em clara violação do princípio "ne bis in idem".

    16 - Do confronto entre os factos constantes dos Mandados de Detenção Europeu aqui em causa e da acusação proferida no...

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