Acórdão nº 06P2177 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução08 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, promoveu o cumprimento do pedido de extradição de AA, de nacionalidade arménia, casado, nascido em 5 de Agosto de 1968 em Yerevan, República da Arménia, então residente na Avenida ……., nº …., …. D, em Lisboa e actualmente preso no Estabelecimento Prisional da ……. (desde 23/03/06 - fls. ….. vº, …., …., ….-….) com os seguintes fundamentos: 1. As autoridades judiciárias da República da Arménia emitiram um mandado de captura para difusão internacional no âmbito do processo nº ……, do Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, contra aquele cidadão arménio.

  1. Tal mandado resulta de estar o mesmo indiciado da prática do crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º, do Código Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 6 a 12 anos de prisão; actualmente previsto pelo art.º 179º, § 3º, nº 1, do novo C.Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 4 a 8 anos de prisão.

  2. Como resulta da exposição dos factos constante do pedido de extradição, sobre o extraditando pende grave suspeita de ilicitamente se haver apropriado, em data indeterminada, entre o mês de Julho de 1998 e Setembro de 2000, da importância de $ 85.000 dólares dos E.U.A., pertencentes ao "....." CJSC.

  3. Os factos são puníveis tanto pela legislação arménia como pela legislação portuguesa - art.º 205º, nºs 1 e 5, do C. Penal - com penas cujo limite máximo é superior a um ano de prisão e o respectivo procedimento não se encontra extinto por prescrição.

  4. O pedido de extradição encontra-se devidamente instruído pela forma legalmente exigida no art.º 12º da Convenção Europeia de Extradição, de 13 de Dezembro de 1957, e nos termos dos art.ºs 23º e 44º, da mencionada Lei nº 144/99 .

  5. Uma vez que o extraditando foi localizado como residindo em Lisboa, é este Tribunal da Relação o competente para apreciação da fase judicial do pedido de extradição - art.º 49º, nº 1, da Lei nº 144/99 .

  6. O Ministro da Justiça, ao abrigo do disposto no art.º 31º da Lei nº 144/99 e no art.º 2º da Convenção Europeia de Extradição, considerou admissível o pedido de extradição para a República da Arménia do mencionado cidadão arménio, por, no âmbito do citado processo nº……., que corre termos no Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, estar indiciado da prática de um crime de abuso de confiança.

  7. Nada de formal ou substancial obsta à extradição do identificado AA, que poderá ou não consentir nela desde logo e na sua entrega às autoridades da República da Arménia - art.º 54º da Lei nº 144/99 .

    Juntou pedido de extradição, despacho ministerial e duplicados legais, devidamente traduzidos.

    No despacho liminar (art.º 51º da LCIMP), o juiz desembargador (relator) verificou da suficiência dos elementos que instruíram o pedido e da sua viabilidade, ordenando a passagem e entrega dos mandados de detenção contra o extraditando, como foi promovido, mormente por se verificar dupla incriminação já que os factos imputados ao requerido integram a prática do crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º, do Código Penal Arménio, aliás actualmente p. e p. pelo art.º 179º, § 3º, nº 1, do Novo Código Penal Arménio ora punível de 4 a 8 anos de prisão e punível pelo art.º 205º, nºs 1 e 5, do Código Penal Português.

    Detido o extraditando, em 23/03/2006, pelas 10H45 (cfr. fls. …. - ….), foi o mesmo apresentado nesse dia, pelas 15 horas, e de imediato interrogado, perante o juiz desembargador relator, nos termos e com os formalismos previstos no art.º 54º da LCIMP; tendo, nessa ocasião, o extraditando declarado expressamente opor-se à extradição e não renunciar à regra da especialidade.

    O relator, além do mais, julgou válida a detenção, por ter sido efectuada mediante mandado judicial, aliás em conformidade com o mandado internacional de captura constante dos autos e ordenou que o extraditando permanecesse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, por ser a única medida de coacção, adequada e proporcional, mormente por se indiciar, no caso, perigo de fuga - cfr. art.ºs 27º, nº 3, al. c) da CRP, 193º, nº 2, 202º, nº 1, al. a), e 204º, al. c), todos do Código de Processo Penal.

    Foi ainda ordenado o cumprimento do disposto no art.º 55º, nº 1 da LCIMP (fls. 81-84).

    Nos termos e prazo do art.º 55º da LCIMP, o extraditando deduziu oposição, alegando, em síntese, que: O processo de extradição tem natureza eminentemente formal, pelo que está sujeito ao cumprimento efectivo, integra e absoluto de todas as formalidades, devendo conter toda a documentação legalmente prevista.

    A falta dos documentos indicados na lei leva ao arquivamento do processo e, consequentemente, quando a pessoa reclamada se encontra detida, acarreta a sua imediata restituição à liberdade.

    Ora, segundo alega, deviam constar dos autos e não constam elementos e documentos necessários à instrução do processo de extradição, nomeadamente:

    1. Não se mostra junta aos autos a garantia formal de que o extraditando não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos - cfr. al. c) do nº 1 do art.º 44º da LCIMP.

      Reafirma que não renunciou ao benefício da regra da especialidade - cfr. auto de audição a fls. ... dos autos.

      A tal preceito corresponde a aplicação prática da regra da especialidade, nos termos da qual a pessoa que, em consequência de um acto de cooperação, comparecer perante uma autoridade estrangeira para intervir em processo penal como suspeito, arguido ou condenado não pode ser perseguida, julgada, detida ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto anterior à sua presença em território nacional, por facto ou condenação anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de cooperação (cfr. nº 2 do art.º 16º da LCIMP).

      Para além disso, esta garantia deve obrigatoriamente ser prestada pelo Estado que formula o pedido, antes de autorizada a transferência do extraditando (cfr. nº 3 do art.º 16º da LCIMP).

      É uma garantia "formal", que não pode resultar ou ser inferida pela análise de quaisquer outros elementos constantes do processo, mas deve ser prestada clara e explicitamente.

      Pelo que, faltando um requisito de ordem formal, e que é também de ordem substancial, na medida em que afecta os direitos do extraditando, deve o pedido de extradição ser arquivado.

    2. Alega ainda que falta um outro elemento no presente processo, o mandado de captura, ou a decisão na qual o mesmo se baseia.

      Admite que consta do processo uma decisão de 2001, nos termos da qual deverá ser emitido mandado de captura sobre a pessoa do extraditando.

      No entanto, considera que não consta qualquer documento que consubstancie efectivamente o mandado de captura, porquanto o que é designado de mandado de captura (cfr. fls. …. a …) parece ser apenas, salvo melhor opinião, a decisão de emissão do mesmo.

      Acresce que a decisão que determina a emissão do mandado de captura remonta a 2001 e refere, como fundamento, uma decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades de Kentro e Nork-Marash - a qual terá sido proferida em 16 de Janeiro de 2001 (cfr. fls. …, § 3º).

      Ora, a única decisão daquele Tribunal que se encontra junta aos autos é datada de 17 de Janeiro de 2001 (cfr. fls. …..).

      Pelo que não existe qualquer mandado de captura junto aos autos.

      Ou se considera que o mandado de captura é o documento junto a fls. ….. a … dos autos, o que se admite sem conceder, então não existe nos autos qualquer decisão que determine a emissão de tal mandado.

      Mas quer falte um quer falte outro documento, estaremos sempre perante a omissão de um requisito de ordem formal que a lei determina como essencial.

      De facto, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do art.º 44º da Lei nº 144/99 , ao pedido de extradição devem ser juntos o mandado de detenção da pessoa reclamada, emitido pela autoridade competente, e certidão ou cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção, no caso de extradição para procedimento penal.

    3. Acresce que, admitindo que a decisão que fundamenta a emissão de mandado de captura seria a que consta a fls. …. a …, ainda assim tal decisão determina a aplicação da medida de prisão preventiva pelo período de dois meses.

      Ora, como tal período há muito expirou, alega a caducidade do pedido de captura - nomeadamente, por ter entretanto havido decisão de alteração de acusação (cfr. fls. …. a ....) e, na mesma data, nada ser referido quanto à medida de coacção, v.g. prisão preventiva.

      E, embora confesse desconhecer o regime legal que sobre a matéria (aplicação de medidas de coacção e, especialmente, a prisão preventiva) vigora na República da Arménia, conclui que "nada garante que tal medida não tenha, entretanto, caducado".

      Com estes fundamentos, mormente por falta de documentos que constituem requisitos de forma e até substanciais essenciais à instrução do processo de extradição, conclui o extraditando que o processo deve ser arquivado e ele restituído à liberdade.

      Seguidamente, o desembargador relator ordenou a junção aos autos de prova documental que demonstre que a República da Arménia assinou e ratificou a Convenção Europeia de Extradição (fls. …. ) - o que foi cumprido (cf. fls. …. - …..) - e onde se pode constatar que a República da Arménia assinou aquela Convenção em 11/05/2001 e que a ratificou em 25/01/2002, tendo entrado em vigor em 25/04/2002.

      Finda a produção de prova, foram os autos, sucessivamente, por cinco dias, para alegações (por escrito), à Ex.ma PGA e ao Il. Advogado do extraditando (cf. art.º 56º, nº 2 da LCIMP).

      A final foi proferido acórdão em que se decidiu, além do mais, julgar procedente o pedido e, em consequência, autorizar a entrega do detido AA para ser extraditado para a República da Arménia, a fim de aí responder...

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