Acórdão nº 06P1618 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução05 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Na 3.ª Vara Criminal do Porto, AA foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1 alínea c), com referência ao artigo 255.º, alínea c), do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, e de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, com referência ao artigo 202.º, alínea b), do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.

E foi ordenada a devolução do veículo Audi A6 pertença do arguido e apreendido nos autos, por não se verificarem os pressupostos da última parte do n.º 1 do artigo 109.º do Código Penal.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem: A)- O recurso é restrito à matéria de direito.

B)- o acórdão recorrido , considerou que a conduta do arguido integrava os crime de falsificação e burla agravada previstos e punidos pelos artigos 256°, n° l, a) e 218°, n°2, a) do Código Penal e concluiu pela existência de circunstâncias que justificam a atenuação especial da pena nos termos dos artigos 206° e 72° do mesmo diploma, condenando o arguido em 10 meses de prisão pelo crime de falsificação e 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de burla agravada, em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 9 meses que suspendeu pelo período de 4 anos.

C)- A ter havido reparação ou restituição esta foi parcial e assim somente se poderia aplicar o disposto no artigo 206°, n°2, do Código Penal D)- Porém, tal dispositivo, não tem aplicação ao caso dos autos, uma vez que até ao julgamento não houve qualquer reparação ou restituição por parte do arguido.

E)- A restituição ou reparação referida no artigo tem que ser da iniciativa do agente, e a ter havido reparação - que julgamos inexistente - esta resultou das apreensões ordenadas pelo Mm° Juiz de Instrução Criminal que é de todo irrelevante.

F) O acordo Cível firmado pelo arguido com a " Credifin" efectuado no decurso do julgamento é de todo irrelevante para os efeitos do disposto no artigo 206° do C.Penal.

G) O acórdão recorrido ao atenuar especialmente a pena com base na aludida norma violou tal dispositivo legal, já que este não se aplica ao caso dos autos.

H)- A atenuação especial da pena prevista no artigo 72° do Código Penal está dependente da verificação de circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

I)- A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a atenuação especial da pena prevista neste preceito legal deve ser vista como uma válvula de segurança do sistema a que se pode recorrer em casos verdadeiramente excepcionais ou extraordinários, quando existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, pois para a generalidade dos casos funcionam as molduras penais normais com os seus limites mínimos e máximos.

J)- Entendemos que o caso em apreço nada tem de excepcional ou extraordinário, tanto mais que não se provaram factos que diminuam consideravelmente a culpa , a ilicitude ou a necessidade da pena.

L)- A importância de que o arguido se apropriou, 935.939,39 euros, é elevadíssima, à luz de qualquer critério, e tal elemento tem que relevar necessariamente na fixação da pena.

M)- Da matéria assente como provada não resulta que o arguido voluntariamente tenha reparado a vítima ou até se tenha proposto reparar a restitui um quarto da importância retirada pelo arguido.

O)- É dado como provado que o arguido se mostra arrependido, mas tal arrependimento não pode ser tido como sincero pois inexistem actos praticados pelo arguido que o demonstrem, designadamente a reparação.

P)- A conduta do arguido não foi determinada por motivo honroso, antes visou a satisfação de interesses egoístas, como alimentar o "vício" do jogo e adquirir um automóvel de alta cilindrada e preço muito elevado.

Q)- A confissão livre integral e sem reservas, não poderá ter grande relevância, pois esta ocorre depois da ofendida, ter movido uma auditoria exaustiva ao serviço do arguido e este ter sido posto perante quadro ilícito que não podia negar.

R)- É certo que sobre a prática dos factos são volvidos mais que cinco anos, que o arguido é primário e tem mantido boa conduta, este circunstancialismo, só por si é insuficiente para levar à atenuação especial da pena, terá efectivamente que ser levado em conta, mas no âmbito do disposto no artigo 71° do Código Penal, como factor a atender na medida da pena, como atenuante comum.

S)- Ao atenuar especialmente a pena com base no disposto no artigo 72º do Código Penal o tribunal recorrido violou tal normativo legal, uma vez que não se verificavam os pressupostos que justificassem o recurso a dispositivo.

T)- A pena a fixar tem que ser encontrada nas molduras penais previstas para os crime de falsificação e burla qualificada, punidos respectivamente pelos artigos 256°, n° l, a) com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e 218°, n°2, b) com pena de prisão de 2 a 8 anos, ambos do Código Penal.

U)- Embora não nos caiba fixar a pena em concreto, entendemos que após a realização de cúmulo jurídico a pena unitária deverá rondar os cinco anos de prisão, necessariamente efectiva.

V)- No acórdão recorrido decidiu-se devolver o veículo Audi A6, uma vez que não se verificavam os pressupostos da última parte do n° l do artigo 109° do Código Penal.

X) Da matéria assente como provada resulta que a viatura foi adquirida com dinheiro que o arguido se havia apropriado ilicitamente.

Z)- Assim, o veículo apreendido, haveria que ser declarado perdido a favor do Estado nos termos do artigo 111°, n° 2 do Código Penal e só não o foi porque o tribunal colectivo aplicou ao caso norma que não tinha adequação, violando desta forma tal dispositivo legal (n° l do artigo 109° do Código Penal).

Pelo exposto, cremos que o douto acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que acolha ou por nós defendido na motivação de recurso.

O arguido respondeu à motivação do recurso, dizendo em síntese: justificava-se a atenuação especial da pena, não se podendo considerar irrelevante o acordo relativo ao pedido cível celebrado entre a ofendida/assistente e o arguido; em relação à decretada entrega do veículo, não se pode considerar que o mesmo foi adquirido com meios obtidos na sequência da prática dos actos ilícitos; o recurso deve assim ser julgado improcedente.

Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu «visto».

Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência, com a produção de alegações orais, cumprindo agora apreciar e decidir.

  1. Suscitam-se no recurso as seguintes questões: - Medida das penas - Perda do veículo a favor do Estado.

  2. Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): O arguido AA foi admitido ao serviço da "… - Banco … .., ..." no mês de Fevereiro de 1999, a fim de desempenhar as funções de escriturário no "Serviço de Reconciliações Bancárias", localizado na Rª …, nº ., ., Porto, funções essas que desempenhou até Agosto de 2000.

    No seu âmbito o arguido era responsável pelas reconciliações bancárias do "Banco …", cabendo-lhe verificar a sustentabilidade dos movimentos da conta existente nessa entidade bancária, através da comparação do extracto da conta da "…, S.A." a seu cargo, nº … com as operações registadas informaticamente na contabilidade da assistente e verificar se os movimentos constantes daquele movimento correspondiam aos exarados na contabilidade.

    Ou seja, o arguido, utilizando os registos informáticos da contabilidade da assistente e bem assim os registos informáticos do extracto bancário enviado pelo "B…", procedia à comparação dos movimentos feitos e dos valores registados.

    Exarando tal informação num ficheiro, do qual fazia «print», posteriormente apresentado ao responsável pela contabilidade da assistente.

    Ao longo desse tempo o arguido foi granjeando reputação de trabalhador diligente, preocupado e sempre disponível, considerado confiável, razão pela qual em certo período de tempo a assistente lhe confiou tarefas de grande responsabilidade porque relacionados com o manuseamento de dinheiro vivo.

    Apesar de não se enquadrar directamente no âmbito das suas funções, mercê do teor das tarefas por si desempenhadas, o arguido apercebeu-se de que para movimentar a conta bancária que verificava, bastava enviar uma ordem de transferência bancária, via fax, de onde constassem, para além dos itens relacionados com a ordem de transferência propriamente dita, duas assinaturas de procuradores da "….".

    Perante isto, o arguido decidiu pôr em prática um plano desde logo delineado nos seus traços gerais, concretizado nas diversas actuações que foi desenvolvendo ao longo do tempo, urdindo um esquema que lhe permitiria auferir de quantias muito...

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