Acórdão nº 06P771 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução30 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB foram julgados na 4ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa e condenados pela co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no art.º 21.º, n.º 1, do DL nº 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A anexas ao mesmo diploma, o primeiro (AA) na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, a segunda (BB) na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

Ambos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas este Tribunal, por acórdão de 15 de Dezembro de 2005, decidiu rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente, confirmando o acórdão recorrido.

  1. Inconformados, recorrem agora os mesmos arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação conjunta, extraem as seguintes conclusões: 1ª- O aresto recorrido, ao ter concluído no sentido da comissão pelos arguidos de actos de tráfico de estupefacientes pela comercialização e circulação dos mesmos, quando os factos recolhidos apenas de reportam no essencial a conversas telefónicas dos arguidos, enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício clausulado na alínea a) do n.º 2 do artigo 410° do CPP, ou, quando assim se não entenda, contradição insanável da fundamentação, vício esse decorrente da alínea b) do n.º 2 do artigo 410° do CPP.

    1. - O aresto recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410° do CPP, pois a prova recolhida aponta no sentido da verificação no caso do tipo de crime previsto no artigo 26° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01 [traficante consumidor]; 3ª- A decisão recorrida, ao não ter determinado a efectivação de relatório social, como instrumento de aferição da personalidade e do enquadramento social dos arguidos, enferma de erro de Direito, pela não aplicação ao caso do artigo 370° do CPP, quando efectivamente, em função de tal comando legal, vista a natureza do caso e as circunstâncias pessoais dos arguidos, mormente o serem primários, se impunha o recurso a tal instrumento de auxílio à determinação da espécie e medida da pena, o que integra o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410° do CPP.

    2. - O aresto recorrido, ao ter valorado, para a determinação da espécie da pena aplicável, a existência de «meios sofisticados» para a prática da conduta quando os factos adquiridos na sua fundamentação afastam a existência de meios com essa natureza, tudo recaindo em torno de meras conversas telefónicas, enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [alínea a) do n.º 2 do artigo 410° do CPP].

    3. - O acórdão em causa ao não ter determinado a atenuação especial da pena e a sua concomitante suspensão, enferma de erro de Direito pela não aplicação ao caso dos artigos 71° e 50° do Código Penal, quando os factos adquiridos nos autos e no aresto recorrido legitimam uma tal decisão, pela condenação dos arguidos (i) ou no crime previsto no artigo 26° do Decreto-Lei n.º 15/93, em medida de pena cuja medida legitima a suspensão da respectiva execução (ii) ou mediante prévia atenuação especial da pena prevista no artigo 21° do referido diploma legal, com a concomitante suspensão da pena atenuada especialmente; 6ª- O aresto recorrido ao considerar que não foram apreendidas quantidades particularmente significativas de produto estupefaciente» e que a maior parte da actividade ilícita desenvolvida pelos arguidos não teve por objecto drogas ditas "duras", entendendo que estes factos configuravam o tipo de crime de tráfico, apenas poderiam estes ser subsumidos ao crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25° do Decreto-Lei nº 15/93, e nessa conformidade, por todo o exposto, aplicar uma pena suspensa na sua execução.

    4. - O facto de o acórdão de 1ª instância não ter referido expressamente ou feito qualquer alusão aos factos não provados, tal como lhes impunha o artigo 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, impedia agora o acórdão recorrido de dar por não provado, aquilo que não foi claramente enunciado desse modo no acórdão confirmado, pelo que enfermam os referidos acórdãos de nulidade, tal como emerge claramente do disposto no artigo 379.°, n.º 1, a), do mesmo diploma adjectivo.

    Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser declarada a nulidade das decisões proferidas, por violação do nº 2 do art.º 374° do CPP; se assim não se entender então deve ser revogado o acórdão recorrido e verificando-se a situação prevista no n.º 2 do artigo 410° do CPP deve ser decretado o reenvio do processo para novo julgamento ou então, deverá ser proferida uma nova decisão punitiva, em substituição da recorrida, que (i) qualifique os factos como integrando o crime previsto no artigo 26° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, punindo com pena suspensa na sua execução (ii), ou, caso se entenda qualificar os factos como tráfico, que os mesmos integrem o previsto no artigo 25° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, punindo com pena suspensa na sua execução ou iii) mantendo a incriminação ao nível do artigo 21° do referido diploma legal, proceda à atenuação extraordinária da pena e à sua subsequente suspensão no que à respectiva execução respeita.

  2. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e pugnou pela sua rejeição.

    Neste Supremo, o Excm.º PGA pôs o seu visto.

  3. Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.

    As principais questões a decidir são as seguintes: 1ª- Pode o STJ conhecer dos vícios da matéria de facto, já invocados e decididos no tribunal recorrido? 2ª- Os factos provados podem qualificar-se no tráfico de menor gravidade ou no do traficante-consumidor? 3ª- Qual a medida da pena e, se for o caso, pode ser suspensa na sua execução? Os factos provados são os seguintes: 1. Pelo menos desde o mês de Outubro de 2002 que o arguido AA se vinha dedicando à comercialização de estupefacientes, concretamente cocaína, haxixe e comprimidos de ecstasy, os quais adquiria a terceiros e depois revendia a indivíduos seus conhecidos.

  4. Parte dos produtos que o arguido AA o comercializava era vendido em festas nocturnas denominadas «raves», que tinham lugar em discotecas, para onde o arguido se deslocava.

  5. O arguido AA também entregava os estupefacientes aos respectivos compradores, em sua casa, em locais de encontros previamente combinados ou em diversas áreas de Lisboa e de Loures.

  6. Nessa actividade, o arguido AA prosseguiu a descrita actividade de forma reiterada, pelo menos, até Março de 2004.

  7. Nessa actividade, o arguido contou, pelo menos a partir de Maio de 2003, com a colaboração da arguida BB, sua companheira e com quem residia desde Fevereiro de 2003 num andar sito no lote .... da Av.....,.... D, na...

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