Acórdão nº 06P651 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSILVA FLOR
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal do júri AA, tendo, por acórdão de 7 de Dezembro de 2005, sido decidido, além do mais: - Condenar o arguido AA, como autor material: a) de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131º, do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão; b) de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º, n.os 1 e 2, alínea c), e 23.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 32 meses de prisão; c) de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º, n.os 1 e 2, alínea c), e 23.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 24 meses de prisão; d) de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º, n.os 1 e 2, alínea c), e 23.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 24 meses de prisão; e) de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pelo artigo 2º, da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 9 meses de prisão; f) de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao artigo 121º, do Código da Estrada, na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual número de dias de multa, à razão diária de 2 euros.

- Condenar o arguido, em cúmulo, na pena única de 13 anos e 8 meses de prisão e na pena de substituição de 120 dias de multa, à razão diária de 2 euros.

- Absolver o arguido do crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º1, do Código Penal, de que vinha acusado.

- Julgando o pedido cível formulado pelos demandantes BB e CC parcialmente procedente, condenar o demandado AA a pagar aos demandantes, a quantia de € 112.900,00 (cento e doze mil e novecentos euros), acrescida dos respectivos juros legais, contados desde a data da notificação ao demandado do pedido cível até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com tal decisão o arguido recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem:

  1. Impugna a decisão do douto tribunal a quo por, no seu entender, o mesmo ter apreciado erroneamente a prova produzida.

  2. E por essa razão estarem incorrectamente julgados os pontos 11, 12, 13, 14, 30, 40, 41, 42, 43, 44 e 48 da decisão posta em crise, Assim, C) No que concerne ao ponto n° 11 o Tribunal sindicado deu como provado que "entraram ambos no estabelecimento e, após troca de palavras não concretamente apuradas, o ofendido DD empunhou a arma de fogo de defesa, da marca Vicenso Bernadelli, com o calibre 6,35 mm... "O Tribunal considerou que QUE NÃO SE PROVOU que "na ocasião descrita no Ponto 11 dos factos provados as palavras trocadas fossem ofensivas", e que " no momento a que se refere em 13 dos factos provados prosseguiram com a troca de palavras insultuosas." D) Pela prova produzida deveria ter-se dado como provado naquele ponto a existência de injúrias contra o arguido Sr. EE por parte do assistente DD, pois resultam de prova clara e inequívoca.

  3. Com efeito, a versão do arguido e nas declarações da testemunha EE, apontam em sentido inverso, ouve palavras ofensivas proferidas pelo Assistente DD contra as pessoas da testemunha EE e do Recorrente.

  4. Dúvidas não podem restar que o arguido foi efectivamente injuriado de "como, cabrão e filho da puta" enquanto era ameaçado de morte por parte do Assistente DD.

  5. Mas mais e de forma inquestionável, se pode retirar esse facto das declarações da testemunha EE, que afirmou a perguntas do Exmo. Senhor Procurador da República: ...Quando entrei de novo no café, o Sr. DD estava a apontar uma arma, ao AA…. AA, vamos embora, quando vi a arma fiquei assustado, ide já embora senão estoiro-vos já aqui aos dois, seus filhos da...

    - Senhor Procurador da República questionou - Chamou novamente nomes às vossas mães?... Sim! A insistência da Meritíssima Juiz Presidente reafirmou: …"ou vocês vão embora ou eu estouro-vos aqui seus filhos da puta" - Cassete n° l , lado B.

  6. Ora, atendendo à forma isenta como testemunhou EE, testemunha indicada pela acusação, (cujo depoimento serviu para formar a convicção do Tribunal para uns factos, e não sendo posta em causa a sua isenção também deveria servir para outras) e cotejadas com as declarações do arguido, não restam dúvidas que efectivamente existiram injúrias graves por parte do Assistente DD.

  7. Todo o comportamento do arguido foi condicionado pela acção injuriosa e ameaçadora do Sr. DD e pelo seu estado de saúde mental.

  8. Razão pela qual se deve valorar as declarações do arguido e do depoimento da testemunha EE, dando-se como provado que o arguido e a testemunha EE foram injuriados pelo assistente DD de "filhos da puta, corno e cabrão".

  9. Em relação aos pontos 30, 40, 41, 42, 43, 44 dos factos dados como provados, entendemos e defendemos que os mesmos, tendo presente toda a prova produzida, devem ser considerados como não provados.

  10. O arguido, com todas as limitações do seu discurso e intelecto, expressamente afirmou que nunca teve intenção de matar ninguém.

  11. Só queria assustar o Sr. DD, que lhe tinha chamado, "filho da puta, corno, cabrão" e apontado um arma à cabeça e ameaçado de morte.

  12. Afirma que atirou para o ar. Mantém essa convicção firme em todo o seu depoimento. Não queria atingir ninguém.

  13. Tal o seu descontrolo emocional e cognitivo, que não se apercebe da existência de outras pessoas na esplanada, para lá do Senhor DD.

  14. Não "viu" mais ninguém.

  15. Quando passou pela mesa da esplanada onde se encontrava o Sr. DD, o malogrado FF, e os senhores GG e HH, se efectivamente fosse essa a sua vontade tinha-o feito.

  16. A arma estava consigo nesse instante S) Estava a uma distância de 50 (cinquenta centímetros) de todos eles, inclusive do Sr. DD.

  17. Todas as testemunhas questionadas, incluindo o Sr. DD, sobre este facto foram peremptórias a afirmar que naquele momento poderia matar quem entendesse e como entendesse.

  18. Não o fez! Disparou antes de um táxi em movimento.

  19. Não foi efectuado exame de balística, logo ninguém pode afirmar que, dentro do táxi em movimento, sem sabermos qual a posição do arguido, qual a mediada certa de altura entre a estrada e a esplanada, que a sua vontade não foi disparar para o ar.

  20. Aliás, disparou indistintamente, pois até houve uma bala que se alojou a 5 cm da parte inferior de uma porta, colocada ao nível dos pés dos utilizadores da esplanada.

  21. A investigação não cuidou em verificar qual a trajectória dos projécteis.

  22. De quatro balas que constam dos factos provados e disparadas pelo arguido, além daquela que lamentavelmente vitimou o malogrado FF, nada existe nos autos que prove o seu trajecto.

  23. O estado psíquico do arguido não lhe permitiam prever que aqueles disparos poderiam matar alguém.

    A

  24. O arguido sempre defendeu a sua inimputabilidade.

    BB) O Exmo. Sr. Dr. II, perito médico que elaborou mais de 5 meses após os factos, um relatório clínico sobre o arguido, disse em Julgamento que ... pessoas nesta situação, caiem com mais facilidade que as outras em quadros psicóticos, com fuga à realidade, com incapacidade de fazerem uma leitura da realidade como fazem os outros seres humanos... e nessas situações também é mais fácil ou é maior a tentação ao suicídio que neste homem é muito forte...

    CC) Confirmou que o arguido estava sujeito a doses de fármacos que considerou doses elevadas, e que lhe foram prescritas porque estava em descompensação.

    DD) Referindo-se à dose dos fármacos prescritos ao arguido afirmou: "É uma medicamentação que nós damos normalmente em doenças psiquiátricas graves".

    EE) O Tribunal baseou a sua decisão no relatório e depoimento de um perito médico que consulta o doente/arguido 5 MESES, após a ocorrência dos factos 18 de Julho de 2004, quando o arguido, nas palavras desse mesmo perito "...estava quimicamente controlado "- (em Fevereiro do ano seguinte).

    FF) Foi chamado a depor em Audiência de Discussão e Julgamento o perito que elaborou um relatório 5 meses depois dos factos e tal não aconteceu com o médico que o recebeu, tratou e medicamentou dois dias depois da ocorrência dos factos.

    GG) Médico este que considerou existir aquando da sua entrada no estabelecimento Prisional da Cruz do Bispo, uma descompensação clínica.

    HH) Para justificar a "descompensação clínica" a que refere o médico que o assistiu imediatamente a seguir aos factos, o Dr.II afirma: ... eu creio, eu creio, atenção, eu creio que o que ele quer dizer é que ele estava num tal estado, provavelmente, estava no estado psicótico transitório, ou muito perto disso... mas pode ser que estivesse num estado psicótico nessa altura...

    II) Assim, o especialista que assistiu o arguido nesse momento entendeu que ele estava num estado psicótico transitório.

    JJ) Aquando da elaboração do "EXAME MÉDICO LEGAL PSIQUIÁTRICO" o Dr. II não requereu o exame de admissão do arguido no Estabelecimento Prisional da Cruz do Bispo nem consultou os relatórios desse internamento nesse estabelecimento.

    KK) A questão da Meritíssima Juiz Presidente sobre o que aconteceria se o arguido estivesse a passar por um estado psicótico, afirmou, o Dr. II afirmou: Se ele estiver a passar por um episódio psicótico, durante a duração desse episódio, em princípio, em princípio, não para todas as coisa, não para todos os crimes, não para todos os ilícitos está inimputável...

    LL) Note-se que o arguido dá entrada no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em 19 de Julho de 2004 e só tem alta em 6 de Dezembro desse mesmo ano, ou seja, mais de 5 meses depois.

    MM) Só alguém com estado de saúde psíquico grave teria tão prolongado tempo de internamento.

    NN) Como facilmente se depreende, ao momento dos factos sub judice...

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