Acórdão nº 05P4401 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2006
Magistrado Responsável | SOUSA FONTE |
Data da Resolução | 08 de Março de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1.
1.1.
No Tribunal Colectivo da comarca do Nordeste, no Pº nº …, respondeu o arguido AA, filho de … e de …, nascido em…, em …, Trapani, Sicília, Itália, marítimo, solteiro, residente em La Cappeletta, n°…, .., Baleares, Espanha, acusado de ter praticado um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21°, n°1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e um crime de uso de documento falso, p. e p. pelo artº 256°, n°s 1-c), e 3, do CPenal.
A final, foi absolvido e as quantias que lhe foram apreendidas foram declaradas perdidas a favor da Região Autónoma dos Açores (de ora em diante RAA).
1.2.
Desta decisão interpôs recurso a Senhora Procuradora da República que rematou a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1. No processo n° do ..° Juízo de Ponta Delgada, o arguido … foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, que trouxera da América do Sul, e de uso de documento falso; 2. Evadindo-se do E.P. onde se encontrava em prisão preventiva, foi recapturado tempos depois, na comarca de Nordeste, com cerca de 30 grs de cocaína e um bilhete de identidade italiano falso.
3.. Destes segundos factos foi absolvido nos presentes autos, a coberto do princípio ne bis in idem.
4. Os factos dos presentes autos foram independentes dos de Ponta Delgada, constituem resolução criminosa distinta e foram praticados em circunstâncias de tempo, lugar e de modo distintas.
5. São crimes autónomos, numa relação de concurso real e efectivo.
6. Ainda que fosse crime continuado, a sentença que incide sobre alguma ou algumas dessas infracções, não produz força de caso julgado sobre as que forem descobertas ou processadas posteriormente, aplicando-se o princípio ne bis in idem em relação aos factos que já tenham sido julgados.
7. Ao absolver o arguido dos crimes cometidos na comarca de Nordeste, o douto acórdão violou o disposto no art.° 21°, 1, do DL 15/93, de 22/1, 256°, 1, c) e 3, do Cód. Penal, porque, dando-se como certos os factos integradores desses crimes, deles absolveu o arguido.
8. O douto acórdão declarou o perdimento dos valores apreendidos nos autos, em obediência ao art° 36° do DL 15/93, de 22/1).
9- Do mesmo passo, decidiu que os objectos fossem atribuídos à Região Autónoma; 10. A declaração de perdimento não é feita em função de interesses patrimoniais do Estado, mas porque há que dar destino a objectos que não podem ser devolvidos; 11. A declaração de perdimento cria um direito de propriedade sobre a coisa para o Estado; 12. A partir desse momento, é ao proprietário da coisa que compete, em exclusivo, dar o destino aos objectos sobre que incide aquele seu direito (art° 1.305° do C.C.), mesmo que esse proprietário seja o Estado (art° 1.304° do C.C.); 13. Não existe disposição legal que consinta ao tribunal ser ele a fazer a afectação dos objectos perdidos em processo crime.
14. Com tal decisão, no acórdão sob recurso, foi violado o disposto nos art° 36° e 39°, do DL 15/93, de 22/1, e 109°, 1, do Cód. Penal, 1.304° e 1305°, do Cód. Civil por não haver lei que possibilite o perdimento a favor da Região Autónoma dos Açores.
Posto isto, O douto acórdão deve ser revogado e substituído por outro que condene o arguido AA pelos crimes de tráfico de estupefacientes e de uso de documento falso, praticados na comarca de Nordeste; e ser revogado, igualmente, no que respeita à atribuição dos valores feita à Região Autónoma dos Açores (RAA), declarando-se que ficam perdidas a favor do Estado».
1.3.
O Arguido respondeu e concluiu pela improcedência do recurso.
1.4.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, nada tendo visto que obstasse ao julgamento do recurso em audiência, promoveu a sua realização.
1.5. De idêntico parecer foi o Relator, razão por que, colhidos os vistos legais, foi designada data para a audiência, a que se procedeu com respeito pelo legal formalismo.
2.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2.1.
É do seguinte teor a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto: «A) Factos provados No dia 16.7.2001, no interior de um palheiro num terreno anexo à residência n.° .. da Rua .., …, …, o arguido foi detido, após evasão do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada em 1.7.2001, onde se encontrava em prisão preventiva.
Tinha na sua posse: - três embalagens plásticas, contendo no seu interior cocaína, com os pesos de 20,958, 2,302 e 0,598 gramas (com um grau de pureza, respectivamente, de 73,2%, 69,9% e 71,2%); - um bilhete de identidade da República Italiana, em nome de BB, com data de nascimento de …; - 205.000 pesetas; - 5.000 escudos; - um telemóvel de marca Alcatel; - três manuscritos com diversos números telefónicos; - uma agenda.
No bilhete de identidade, que apresenta impressão, selo branco e carimbos falsos, figura a fotografia do arguido.
A cocaína era parte de quantidade, superior a 505,840 Kgs, que o arguido havia transportado desde a América Central, em veleiro por si tripulado, com destino a Espanha.
A qual o arguido havia escondido em saco, conjuntamente com o dinheiro e o bilhete de identidade também apreendidos, para a eventualidade de vir a ser, como foi, detido, e que veio a recuperar após se ter evadido. Destinava aquela cocaína ao seu consumo pessoal.
O dinheiro apreendido era parte da contrapartida pelo transporte por si efectuado.
O bilhete de identidade tinha-lhe sido entregue por quem o contratou para efectuar aquele...
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