Acórdão nº 05B3122 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" intentou, no Tribunal Judicial de Paredes, acção comum, sob a forma de processo ordinário, destinada à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra "Empresa-A", pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 20.930,60 Euros, bem como a que se liquidar em execução de sentença no que concerne ao aparcamento do seu automóvel, a título de indemnização pelos danos que sofreu em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 14 de Agosto de 2001, pelas 17,45 horas, na Rua do Padrão, Rebordosa, Paredes.

Alegou, para tanto, que: - o acidente em causa foi provocado pelo condutor e proprietário do veículo de matrícula ER, viatura esta que beneficiava de contrato de seguro titulado pela apólice nº 505.488.034.

- em consequência do sinistro o autor sofreu danos no seu veículo de matricula JS, danos esses que computou na peticionada quantia.

- tem, ainda, que pagar, por força da paralisação do seu veículo e da necessidade do seu aparcamento até à reparação, quantia não apurada.

Contestou a ré, impugnando os factos articulados pelo autor, concluindo que o sinistro se ficou a dever à conduta do próprio autor, que conduzia o seu veículo SJ.

Findos os articulados, exarado despacho saneador e condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria controvertida, após o que foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção parcialmente provada e, em consequência: a) condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 2.498,19 Euros, acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde a citação até 30/04/2003 e à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 01/05/2003 até integral pagamento; b) condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 13,75 Euros por dia desde a data do acidente até à reparação do veículo JS, acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde a citação até 30/04/2003 e à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde 01/05/2003, até integral pagamento; c) condenar, ainda, a ré a pagar ao autor, na proporção de 50%, a quantia que vier a ser liquidada, correspondente ao custo do aparcamento, em oficina, do mesmo veículo desde o dia do embate até cerca de um mês antes da audiência de julgamento, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a data em que o crédito do autor se tornou líquido até integral pagamento; d) no mais, absolver a ré do pedido.

Inconformada apelou a ré, tendo, na sequência, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 14 de Março de 2005, decidido considerar procedente a apelação e, por isso, revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a acção e absolvendo a ré do pedido contra si deduzido pelo autor.

Interpôs, agora, o autor recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão recorrido, com a reposição da decisão da 1ª Instância por aplicar correctamente o direito aos factos provados.

Em contra-alegações defendeu a ré a bondade do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso a recorrente formulou as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O presente recurso tem por objecto a questão da responsabilidade da segurada da recorrida na produção do sinistro em causa.

  1. Com interesse para dilucidar tal questão estão provados, entre outros, os seguintes factos: 10) O autor, quando iniciou a manobra referida no ponto 6, circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (resposta ao ponto 4° da base instrutória); 11) O ER, anteriormente ao embate, circulava pela metade direita da via, atento o seu sentido de marcha (resposta ao ponto 6° da base instrutória); 13) Quando o JS efectuava a manobra referida no ponto 6 e ocorre o cruzamento deste veículo com o veículo ER que seguia conforme aludido no ponto 3, ocorreu um embate entre a frente do lado direito do JS e a frente esquerda do ER (respostas aos pontos 3° e 9° da base instrutória); 14) O embate referido no ponto anterior ocorreu sensivelmente sobre a linha divisória das duas metades da faixa de rodagem e sensivelmente em frente ao entroncamento com a Rua da Capela de S. Pedro, aí se imobilizando os veículos (respostas aos pontos 5°, 10° e 11° da base instrutória).

  2. O acórdão recorrido considerou que o acidente é de atribuir exclusivamente à conduta do autor e que se o sinistro se traduziu no embate entre a frente direita do JS e a frente esquerda do ER e se este anteriormente ao embate, circulava pela metade direita da Rua do Padrão, sendo que, por último, o embate ocorreu sensivelmente sobre a linha divisória das duas metades da faixa de rodagem da Rua do Padrão então é de concluir que o JS ou seja, o veículo do autor invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o ER.

  3. Importa chamar a especial atenção deste STJ para os seguintes pontos: a) O ER, anteriormente ao embale, circulava pela direita; e o JS também circulava à sua direita (ponto 10 - provado - sentença da 1ª Instância); b) Não ficou provado que o ER apesar de anteriormente circular pela sua direita, no exacto momento do acidente, ainda continuasse a circular à sua direita; c) Não ficou provado que o JS que, no momento da manobra, circulava pela sua direita, tivesse invadido a faixa de rodagem contrária no exacto momento em que ocorreu o acidente; d) O que ficou provado é que o embate ocorreu sensivelmente na linha divisória das duas metades da faixa de rodagem, e que o embate se deu entre a frente do lado direito do JS e a frente do lado esquerdo do ER; 5. A decisão da 1ª instância é uma decisão boa e ponderada num tríplice e rigoroso enquadramento: fáctico, lógico e geométrico.

  4. Face aos factos provados, no exacto momento do embate, os veículos apresentavam-se conforme o esboço junto que permite e serve apenas para melhor se entender o raciocínio, a lógica e a geometria da posição do recorrente.

  5. A decisão recorrida viola o disposto no art. 506º, n° 2 do Código Civil.

No acórdão recorrido foi, definitivamente, fixada a matéria de facto, para a qual, por não impugnada nem passível de alteração, remetemos nos termos dos arts. 726º e 713º, nº 6, do C.Proc.Civil, sem prejuízo de posterior enunciação da que, em concreto, relevar para o conhecimento do recurso.

A questão que, em primeira análise, se nos coloca é a de saber a qual dos dois intervenientes (ou a ambos) deve ser atribuída a culpa na produção do acidente dos autos.

Trata-se, no fundo, de apreciar a conduta de cada um dos condutores e, em face dela, determinar a sua contribuição, parcial ou total, para o evento de que advieram danos para o autor recorrente.

Na sentença da 1ª instância entendeu-se que ambos os condutores foram culpados, sendo a contribuição de cada um deles para a eclosão do sinistro fixada em igual medida (artigo 506º, nº 2, do C.Civil).

Já no acórdão recorrido se entendeu não ter a condutora do veículo ER qualquer culpa na produção do acidente, antes se considerando ser o autor, aqui recorrente, o único culpado, designadamente por violação do disposto nos arts. 13º, nº 1, 35º, nº 1 e 43º, nº 1, do Código da Estrada.

Vejamos.

"Agir com culpa (pressuposto da responsabilidade civil previsto no art. 483º, nº 1, do C.Civil) significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo". (1) "Revela-se, assim, o tónus essencial da culpa: o carácter censurável ou reprovável da conduta do agente, na medida em que, podendo proceder licitamente, acabou por causar danos através de comportamento ilícito. Devendo agir por forma a respeitar os bens alheios - e podendo fazê-lo porque é um homem livre - desviou-se do caminho ditado pela lei e pelas regras de prudência, atingindo o património moral e material de outrem". (2) Ora, no nosso direito, a culpa é apreciada em abstracto, isto é, na falta de outro critério legal, mede-se em face da diligência de um bom pai de família perante as circunstâncias do caso (art. 487º, nº 2). "A figura do bonus pater famílias pretende colocar as exigências da conduta no plano ético de uma responsabilidade mais conforme com a justiça nas relações jurídicas e na vida social, mas ao mesmo tempo, mais consentânea com os ditames da consciência humana. Não se trata do homem médio, de um ponto de vista irreal: é antes, segundo o modelo da doutrina italiana, o cidadão ou produtor, recordado dos seus compromissos e consciente das suas responsabilidades, modelo que varia com os tempos, os hábitos sociais, as relações económicas, o grau de civilização".(3) "Em matéria de acidentes de viação, estará sobretudo em causa a omissão daquelas regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a da condução rodoviária e mecânica; estará também em causa uma perícia e uma destreza mínimas, absolutamente necessárias a esta actividade. Consequentemente, o dever de diligência terá de atingir então um grau maior em face das circunstâncias ou exigências do caso concreto. O bonus pater...

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