Acórdão nº 13683/21.9T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA LOURENÇO
Data da Resolução06 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório “S…., LDA., com sede na Rua (…), Loures, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “N Seguros, S.A.”, com sede na Rua ..... ..... ..... ....., em M_____, que integrou a seguradora “ Lusitânia - Companhia de Seguros, S.A.”, contra a qual e por força de despacho exarado nos autos, veio a prosseguir a ação.

Alegou a Autora, em síntese, que no dia 26 de janeiro de 2021, o veículo ...-...-US, seguro na Ré, embateu na viatura com matrícula ...-VH-..., de que é proprietária, e que se encontrava estacionada na Rua ... ... ..., em Lisboa; do embate, resultaram danos para o seu veículo, estimados em € 25.648,25 e para cuja regularização foi proposta a perda total da viatura, não tendo a Ré acordado inicialmente no valor que deveria ser-lhe atribuído; posteriormente, declinou qualquer responsabilidade emergente do sinistro em consequência do qual a Autora continua a sofrer importantes danos patrimoniais, mormente, o do valor de perda total da sua viatura e o valor que tem vindo a perder com a não utilização da mesma, constituindo a privação do uso de veículo automóvel um dano autónomo indemnizável, bastando para o efeito que o lesado alegue e prove que para além da impossibilidade de utilizar o bem, a privação gerou perda das utilidades pelo mesmo proporcionadas.

Termina, assim, pedindo que a ação seja julgada procedente, e a Ré condenada a pagar-lhe os seguintes valores: – A quantia mínima de € 16.690,00, a título de perda total da viatura sinistrada (tendo em conta o valor venal da viatura de € 32.000,00, deduzido o valor dos salvados de € 15.310,00); – A quantia de € 12.323,84, a título de não utilização da viatura ou de outra em sua substituição, contabilizada ao valor diário de € 96,28, desde a data do sinistro até à data da propositura da ação; – A importância diária de € 96,28, desde a data da propositura da ação até efetiva e integral reparação dos danos causados pelo acidente imputável ao proprietário da viatura segurada na Ré; – Juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor, desde a data da citação, até ao integral e efetivo pagamento.

** Citada para contestar, a Ré fê-lo atempadamente, e, em síntese, impugnou os factos alegados pela Autora, concluindo, ainda, que a privação do uso de um veículo não basta, só por si, para fundar uma obrigação de indemnizar, recaindo sobre quem invoca o direito à indemnização a prova dos prejuízos efetivamente sofridos, o que a Autora no seu entendimento não fez.

E, assim, termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente por não provada, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

** Dispensada a realização da audiência prévia, foi o processo saneado e indicados como temas da prova os seguintes: 1º.–A ocorrência e a dinâmica do acidente.

  1. –Os prejuízos sofridos pela autora em consequência do embate.

** Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por em parte provada, e em consequência condeno a ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., no pagamento à autora (…): i)-da quantia de €16.690,00 (dezasseis mil, seiscentos e noventa euros), acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde 21.06.2021 até efetivo e integral pagamento, em virtude dos danos patrimoniais por esta sofridos na viatura de matrícula ...-VH-...; ii)-da quantia de €24.487,32 (vinte e quatro mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento, em virtude do dano de privação de uso da viatura de matrícula ...-VH-...

, contabilizado até 30.03.2022; iii)-da quantia diária de €57,08 (cinquenta e sete euros e oito cêntimos) desde 31.03.2022 até integral e efetivo pagamento da indemnização no valor de €16.690,00.

Absolvo a ré do demais peticionado.

Custas da responsabilidade da autora e da ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 18% para a autora e 82% para a ré, artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.” ** Inconformada, em parte, com a decisão, dela vem a Ré recorrer, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: “1–A Recorrente não poderá deixar de se insurgir contra os montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença recorrida, respeitantes à privação do uso da viatura da A., por considerar que os montantes indemnizatórios atribuídos à Autora afiguram-se manifestamente desajustados, por excessivos, atenta a factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, e bem assim os critérios jurisprudenciais atualmente seguidos pela nossa jurisprudência, encontrando-se, nessa medida, incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3 e 570.º, n.º 1 do Código Civil (doravante CC).

2–Importa elencar os seguintes factos dados como provados e não provados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, de que ora se recorre, e que são relevantes para apreciação do presente recurso: “Dos factos i. Factos provados (…) 2) O mesmo era por si utilizado no âmbito da sua atividade comercial enquanto prestadora de serviços TVDE; (…) 30) Desde a data do acidente a autora não mais utilizou o veículo de matrícula ...-VH-...

(…) ii. Factos não provados (…) e) A viatura laborava em dois turnos e a sua paralisação causa prejuízos à autora no valor de € 96,28 diariamente;” 3–Entendeu a douta sentença ora recorrida, no que concerne à motivação de facto, que: “Por fim, deu-se como não provado que a viatura da autora operava dois turnos diários e que a sua paralisação causa à autora um prejuízo diário de €96,28 (alínea e)), ou de algum outro valor, na medida em que a autora podia ter junto prova documental dos rendimentos efetivos da viatura anteriores ao acidente e não o fez, limitando-se a juntar os extratos de remunerações do seu legal representante e da testemunha (…), sua funcionária, o que, por si só, não é relevante para a matéria em causa; e o Acordo de Paralisação celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras e a AEO-TVDE – Associação Empresarial de Operadores de TVDE, do qual resulta como valor indicativo para indemnização diária, em caso de turno duplo, os aludidos €96,28. Sendo certo que a autora não alegou, tão pouco, que foi este o valor do seu prejuízo, tendo, até o seu legal representante e a testemunha (…) referido que a viatura faturava entre €200 e €220, tendo por dia cerca de €50 de despesas. Estas declarações, todavia, desacompanhadas de prova documental idónea, são incapazes de convencer o tribunal.” (…)” “4–A Recorrente foi condenada na douta sentença a pagar à Autora o valor de € 24.487,32, como indemnização pela privação do uso do veículo ...-VH-... desde a data do acidente (26/01/2021) até à data de prolação da sentença (30/03/2022), acrescido do montante diário de € 57,08, desde 31/03/2022 até ao efetivo pagamento da indemnização no valor de €16.690,00 (a título de perda total da viatura sinistrada).

5–O Tribunal a quo considerou, e bem, que a Autora não fez prova que a paralisação do veículo sinistrado lhe tenha causado um prejuízo, assim como não demonstrou que o seu prejuízo diário foi de € 96,28, nem tão-pouco logrou comprovar qualquer outro valor.

6–Foi entendimento, e bem, do Tribunal recorrido que a A. não se socorreu de prova documental bastante que corroborasse tal prejuízo, designadamente, no tocante aos rendimentos efectivos da viatura, anteriores ao acidente.

7–Porém, surpreendentemente, dado o que acima se explanou, o Tribunal a quo veio aplicar ao presente caso a tese segundo a qual o dano de privação do uso é indemnizável por si só, isto é, sem necessidade do lesado alegar e provar qualquer prejuízo concreto ocorrido na sua esfera jurídica adveniente da falta do veículo.

8–Concluiu-se a matéria de direito plasmada na sentença recorrida da seguinte forma: “Apesar de a autora não ter provado o valor do prejuízo concreto por si sofrido em consequência desta privação de uso, vem peticionar indemnização no valor diário de €96,28, correspondente ao valor fixado no Acordo de Paralisação celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras e a AEO-TVDE – Associação Empresarial de Operadores de TVDE. E embora a autora não alegue nem prove que é associada desta última, não deixa o referido protocolo encontrado entre as companhias de seguros e uma representação das empresas dedicadas à atividade de transporte de passageiros em TVDE, de ser indicativo do valor de uma indemnização justa, a atender em sede de fixação do valor do dano por apelo a critérios de equidade, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.”.

9–Reitere-se que o Tribunal a quo vincou a ausência de prova por parte da A. relativamente ao valor do prejuízo concreto por si sofrido, mas como se não bastasse aderir à tese que dispensa o lesado de produzir prova a esse respeito, ainda aplicou como referência o Acordo de Paralisação celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras e a Associação Empresarial de Operadores de TVDE.

10–E pasme-se, pese embora a A. não tenha alegado nem provado que é associada daquela última entidade, tal como se refere na sentença recorrida, o que, com o devido respeito, manifesta elevada incongruência.

11–Sempre cumprirá ressalvar que o Acordo de Paralisação celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras e a Associação Empresarial de Operadores de TVDE é meramente indicativo, não podendo ser aplicado, sem mais, a toda e qualquer situação, independentemente das circunstâncias do caso concreto, não podendo os valores nele constantes infirmar o que vem sendo fixado pela jurisprudência dos Tribunais superiores.

12–Remata a sentença recorrida do seguinte modo: “Considerando-se, como tal, equitativa a fixação da indemnização no valor fixado naquele...

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