Acórdão nº 04P2252 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução10 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No Processo Comum Colectivo n.° 2342 / 00.6, 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi julgado AA, identificado no processo, pelo crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205°, nº. 1 e n.° 4, alínea b), do Código Penal, sendo condenado na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de três anos, e julgou o pedido cível formulado parcialmente procedente, condenando o arguido a pagar à assistente demandante a título de indemnização a quantia de 15.000 €.

Inconformado com a decisão, e defendendo a sua absolvição, o arguido AA recorreu para o tribunal da Relação, que concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, absolvendo o arguido AA da prática do crime de abuso de confiança p. p. no art. 205.°, n.° 1 e 4, alínea b), do Código Penal, por que foi acusado, absolvendo-o ainda do correspondente pedido cível.

  1. Não se conformando com o decidido, recorrem o Ministério Público e a assistente Empresa-A.

    O magistrado do Ministério Público termina a motivação com a formulação das seguintes conclusões: 1ª. Na semana de 12 a 16/10/1999 foi entregue ao arguido a importância de Esc. 10.280.404$00, em numerário, a qual devia ter sido depositada na conta da assistente até ao fim do domingo dessa mesma semana; 2ª O arguido manteve em seu poder a referida quantia e, apesar de pressionado pela assistente para regularizar a situação, foi adiando esse depósito com a alegação de variados pretextos; 3ª. Face a novas pressões, o arguido depositou na conta da assistente sete cheques sacados sobre a conta da sociedade de que era gerente, naquele montante global, todos assinados pela co-arguida BB, a pedido do mesmo; 4ª. No dia 3/11/1999, o Banco devolveu os cheques com indicação de "Saque Irregular", por conterem apenas uma assinatura, bem sabendo o arguido que isso iria acontecer e não mais restituiu o correspondente valor à assistente, dele se apropriando; 5ª. Essa apropriação manifesta-se através duma inversão no respectivo título de posse ou detenção, passando o arguido a comportar-se como verdadeiro dono da mencionada quantia e a dispor dela a seu bel-prazer; 6ª. Assim e face à matéria das alíneas o) e p), dos factos provados, dúvidas não resultam de que o arguido cometeu o crime pelo qual foi acusado; 7ª. Verifica-se, portanto, um claro erro de julgamento e o acórdão ora em crise viola, pelo menos, o art. 205°, n°s l e 4, alínea b), do Código Penal.

    Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, com a condenação do arguido pelo crime de que vinha acusado.

    A assistente, por seu lado, formulou na motivação as seguintes conclusões: 1ª Apesar de ter enumerado os factos dados como provados, o acórdão recorrido é totalmente omisso no que se refere à enumeração dos factos considerados não provados.

    1. O acórdão recorrido nem sequer procedeu a tal indicação por remissão para a decisão da 1ª instância.

    2. Deste modo, o acórdão sub judice, por não ter procedido à enumeração dos factos não provados, é nulo por violação do disposto no art. 374° n ° 2, com referência ao estabelecido pelo art. 379° n ° 1, alínea a), aplicável ex vi art. 425° n ° 4, todos do C.P.P..

    3. No acórdão recorrido não consta, também, qualquer indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal da Relação.

    4. O Tribunal da Relação não remeteu para o acórdão proferido em 1ª instância a indicação dos meios probatórios que serviram de base à formação da sua convicção.

    5. A ausência de referências às provas que constituíram a fonte de convicção do tribunal da Relação constitui violação do art. 374°, n ° 2, o que acarreta a nulidade da decisão por força do art. 379°, n ° 1, a), aplicável ao caso sub judice ex vi art. 425°, n ° 4, todos do C.P.P..

    6. Em clara contradição com os factos dados como provados, e sem qualquer apoio factual, o acórdão do tribunal da Relação refere, na fundamentação, que "houve cheques recebidos pelo arguido da parte de clientes que mais tardiamente foram depositados na conta da assistente; e quanto ao numerário indicado, também quase na totalidade veio a ser entregue à assistente".

    7. Relativamente ao recebimento dos cheques pela assistente, parece evidente a contradição em que incorreu o tribunal de 2ª instância, uma vez que considerou provado que o Banco devolveu os chegues com a indicação saque irregular".

    8. No que se refere ao numerário, se por um lado o tribunal da Relação dá como provado que o arguido "agiu livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de não entregar à assistente a referida quantia de Esc. 10.186 404, que fez sua, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia", por outro afirma que "quase na totalidade veio a ser entregue à assistente' 10ª No entanto ignorou-se no acórdão do tribunal da Relação que a quantia foi entregue à assistente não a título de restituição, mas sim de indemnização. Aliás, conforme consta dos factos dados como provados a assistente "foi sendo sucessivamente indemnizada".

    9. Por a indemnização não ser confundível com uma eventual restituição, não é susceptível de afastar qualquer dos elementos objectivos típicos do crime de abuso de confiança.

    10. Assim, é inequívoca a existência de uma contradição inultrapassável entre os factos dados como provados, plasmados na decisão da 2ª instância, e a fundamentação expendida pelo tribunal da Relação.

    11. Por outro lado, face à factualidade considerada assente pelo tribunal da Relação, impunha-se a...

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