Acórdão nº 04P2242 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução30 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No tribunal da comarca de Seia foram acusados pelo Ministério Público, entre outros, os arguidos AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos arts. 21º n° l, e 24°, alíneas. b) e c), do DL n°15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I A e I B, anexa ao mesmo diploma legal, como reincidente, nos termos dos artigos 75° e 76° do Código Penal; e BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pêlos artigos. 21, n°1 e 24°, alíneas b) e c), do DL n°15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I A e I B, anexa ao mesmo diploma legal.

Na sequência do julgamento, o tribunal condenou o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos arts. 21°, n.° 1, e 24°, alínea b), do Decret-Lei n°15/93, de 22 de Janeiro, como reincidente, na pena de 10 (dez) anos de prisão; e condenou o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado., previsto e punido pelos arts. 21°, n.° 1, e 24°, alínea b), do mesmo diploma, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

  1. Não se conformando com o decidido, os arguidos interpuseram recurso para este Supremo Tribunal, que motivaram, terminando com a formulação das seguintes conclusões: I- BB: 1ª- Tomando em conta os factos dados como provados no acórdão recorrido, o aqui recorrente não deveria ser condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes mas sim condenado como mero cúmplice com a pena especialmente atenuada.

    1. -A actuação do recorrente pode ser qualificada como cúmplice de acordo com os factos dados como provados e que constam do acórdão recorrido.

    2. A actuação desenvolvida pelo aqui recorrente destinava-se a consegui dinheiro ou mesmo droga para fazer face ao seu vicio, tratando-se portanto de um pequeno traficante - consumidor.

    3. Ou quando assim se não entender, a situação em análise poderia enquadra-se num tráfico de menor gravidade por tudo quanto se deixou alegado nas presentes alegações.

    4. Por fim e na hipótese teórica de se vir a entender que nenhuma das hipóteses anteriores prevalecia, no caso em análise não se verifica a situação de agravação prevista na alínea b), do artigo 24º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

      Refere como disposições legais violadas os artigos 58º e 190º do C.P.P., 21º, 24º, 25º e 26º do D.L. 15/93 de 22/01 e 50º, 70º, 71º, 72º e 73º do C.P.

      II- AA: 1ª. A pena de prisão efectiva aplicada ao ora recorrente, AA, é manifestamente exagerada.

    5. Na verdade, no caso concreto, os limites mínimos da moldura penal abstracta, que é de sete anos, um mês e dez dias, são por si só j´j manifestamente elevados.

    6. Assim, a moldura penal mínima abstracta é suficiente para proteger as expectativas da sociedade em termos de prevenção geral e a nível de prevenção especial.

    7. O facto de se aplicar uma pena mais elevada ao delinquente, não prova que seja sinónimo de sucesso quanto à sua ressocialização, integração sócio profissional e familiar, assim como contra uma eficaz cura a nível de tratamento quanto a consumo de estupefacientes.

    8. Mas mesmo que assim não se entenda sempre a culpa há-de ser fundamento da pena e limite da sua medida, sendo que esta não pode ultrapassar a medida da culpa.

    9. Ora, sendo as circunstâncias agravantes do artigo 24° elementos da culpa e não do tipo, o agravamento da punição já tem em conta um elevado grau de culpa e um elevado grau de ilicitude.

    10. Assim sendo, afigura-se-nos que a pena em concreto não poderá ter novamente em conta o grau elevado de culpa e de ilicitude.

    11. Por outro lado, o acórdão que dá provado que o recorrente é consumidor de droga não teve em conta que "a sensação de carência a que chega o toxicodependente torna-o obcecado para tudo tentar no sentido de obviar a esse estado o que lhe diminui e amolece significativamente a culpa e a capacidade de determinação; o dependente não deixa de merecer uma pena , mas deve ser tratado numa simbiose a que não fiquem estranhos o apreço do facto e o apelo especifico da personalidade, sendo a toxicodependência do autor do crime de tráfico de estupefacientes factor limitativo ou factor fortemente inibidor da sua capacidade de livre determinação" 9ª. Pelo facto deveria aligeirar-se a censura face às circunstâncias e condições pessoais do agente.

    12. Dado os limites mínimos manifestamente altos, a qualidade de consumidor deveria considerar-se em termos de atenuação especial da pena , para se conseguir um abaixamento da respectiva punição.

      O magistrado do Ministério Público respondeu às motivações dos recorrentes, formulando as conclusões seguintes: 1ª- A factualidade enumerada na decisão recorrida e que é imodificável fora das balizas estabelecidas pelo artigo 431º do Código de Processo Penal, preenche todos os elementos constitutivos do crime de tráfico agravado de estupefacientes, censurado aos arguidos AA e BB.

    13. - No caso do primeiro, esteve bem o Tribunal, quando, tendo em linha de conta o passado criminal desse arguido, o declarou reincidente e, como tal, o condenou.

    14. -Assim, as penas de dez (10) anos e de seis (6) anos de prisão aplicadas, respectivamente, ao arguido AA e ao arguido BB, não vão além da culpa do correspondente infractor e mostram-se adequadas às exigências de prevenção.

    15. - O acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, os artigos 21°, 24°, 25° e 26°, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, 50°, 70°, 71º", 72° e 73°, do Código Penal, e 58° e 190°, do Código de Processo Penal.

      Entende, assim, que o acórdão recorrido deve ser confirmado.

  2. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta entende que nada obsta ao conhecimento do recurso.

    Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.

  3. O tribunal colectivo julgou provados os seguintes factos.

  4. O arguido BB consome droga, designadamente heroína e cocaína desde, pelo menos, 1985.

  5. Para alimentar esse vício, o arguido BB deslocava-se, por vezes, ao Porto, nomeadamente ao Bairro de São João de Deus, a fim de adquirir heroína e cocaína, ao preço de € 5 a dose.

  6. Nas deslocações que fez ao Porto, o arguido BB estabeleceu ligações com o arguido AA no Bairro de São João de Deus, no Porto, onde aquele residia desde finais de 2002, sendo que havia saído da prisão em Abril de 2002.

  7. No Porto, concretamente no Bairro de São João de Deus, em datas compreendidas entre finais de 2002 e Fevereiro de 2003, o arguido AA vendeu várias doses de heroína e cocaína a toxicodependentes, e designadamente: a) a CC, ao preço de ,€ 5,00 a dose, pelo menos quatro ou cinco vezes; b) ao arguido DD, em meados de Fevereiro de 2003, vinte euros de heroína; c) ao arguido EE.

  8. Na verdade, desde finais de 2003 que o arguido AA se dedicava, no Bairro de São João de Deus, no Porto, unicamente à venda de produtos estupefacientes - heroína e cocaína - aos consumidores que o procuravam para o efeito, fazendo desta actividade o seu único meio de subsistência, o que fazia na sua casa localizada no referido bairro e em outros locais não concretamente apurados.

  9. Durante uma das deslocações que o arguido BB fez ao Porto, no mês de Fevereiro de 2003, combinou com o arguido AA que este se deslocaria para Seia, ficando instalado na sua residência localizada na Rua da ....., em Aldeia da Serra, área desta comarca de Seia, a fim de aí fazerem a distribuição de heroína e cocaína aos consumidores da área de Seia e arredores, por forma a obterem lucros.

  10. Com efeito, ambos os arguidos se encontravam desempregados, não tendo qualquer fonte de rendimento, sendo que o BB auferia por mês apenas a quantia de 93,82 euros proveniente do Rendimento Mínimo Garantido de que era beneficiário, e a quantia remetida pelo seu pai, não superior a € 300 por mês, e consumia diariamente 6 doses de heroína e 7 a 8 doses de cocaína.

  11. Por outro lado, enquanto a dose de heroína e de cocaína era vendida no Porto a 5,00 euros, em Seia era vendia a 15,00 euros.

  12. Assim, o negócio era lucrativo para o AA, como para o BB, que receberia o produto estupefaciente de que necessitasse por parte do AA, bem como a alimentação, ou cigarros.

  13. Então, e na sequência do plano previamente acordado entre ambos, no início do mês de Março de 2003, os dois arguidos - BB e AA -, mancomunados entre si, agindo em conjugação de esforços e de intentos, instalaram-se na referida casa onde residia o arguido BB - casa ...., em Aldeia da Serra - e aí começaram a fazer a venda de heroína e de cocaína a diversos consumidores, por forma a auferirem lucros, que ficavam com o arguido AA, recebendo o BB o já referido em 9.

  14. Para o efeito, procediam à divisão de tarefas, ficando o BB incumbido de sempre que alguém batia à porta da sua casa se dirigir à janela, verificava quem era e, no caso de ser algum consumidor, abria a porta., 12. De seguida, o consumidor subia uma escadaria interior que o levava até uma sala, onde se encontrava o AA sentado a uma mesa, em cima da qual se encontrava quase sempre o produto estupefaciente - cocaína e heroína -; um espelho oval em cima do qual era dividida a droga a fim de fazer as doses conforme o preço pedido; uma lanceta para a divisão da droga; um rolo de prata para os compradores que quisessem consumir de imediato; Noostan para "traçar" o produto estupefaciente, por forma a assim obter maiores lucros com a venda.

  15. Em frente à referida mesa o AA, quando não tinha as doses já prontas, procedia à divisão da heroína e da cocaína que entregava ao consumidor em troca da quantia em dinheiro recebida.

  16. Por vezes os adquirentes não tinham dinheiro ou não levavam consigo todo o dinheiro necessário para o pagamento da droga que pretendiam adquirir, sendo a mesma fornecida a "crédito" pelo AA, ficando o BB incumbido de anotar num papel o nome do devedor e a quantia em dívida, bem como as amortizações e pagamentos que fossem sendo...

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