Acórdão nº 01S1591 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Novembro de 2001
Magistrado Responsável | MÁRIO TORRES |
Data da Resolução | 21 de Novembro de 2001 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "AA" e mulher BB intentaram, em 20 de Maio de 1998, no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Empresa-A, e Empresa-B, pedindo a condenação: A) da primeira ré: (i) no pagamento das quantias de 12.000$00 por despesas de transporte e alimentação, de 143.681$66 de despesas de funeral e de 34.815$72 por incapacidade temporária absoluta (ITA); (ii) no pagamento, a cada um, da pensão anual e vitalícia de 164.142$40, a agravar nos termos da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965; (iii) no pagamento, a cada um, do subsídio a que se reporta o artigo 3º do Decreto-Lei nº 304/93, de 1 de Setembro, em Dezembro de cada ano, em montante igual ao duodécimo da pensão em vigor e, ainda, juros de mora à taxa legal sobre as pensões que se vencerem; (iv) no pagamento, a cada um, da quantia de 1.000.000$00 a título de danos morais; e B) da segunda ré, subsidiariamente, no pagamento das quantias, pensões e subsídios atrás referenciados em (i), (ii) e (iii).
Aduziram, para tanto, em suma (cfr. petição de fls. 80 a 83): (i) são pais da sinistrada CC, a qual faleceu no dia 12 de Novembro de 1996, no estado civil de solteira e sem filhos, pelo que são os seus únicos herdeiros; (ii) a sinistrada vivia com os pais em comunhão de mesa e habitação, dormindo e tomando as suas refeições na casa destes e com estes; (iii) têm 81 e 76 anos de idade, respectivamente, pelo que são reformados e recebem a pensão mínima de 31.900$00, ele, e de 31.300$00, ela, não tendo qualquer outro rendimento ou património, sendo a sua filha quem contribuía com o salário para o respectivo sustento; (iv) a sinistrada trabalhava desde 3 de Abril de 1980 por conta da ré Empresa-A, sob as ordens, direcção e fiscalização desta; (v) cumpria um horário normal para a sua actividade de 45 horas semanais e prestava serviços conexos com a sua profissão de esbicadeira, os quais consistiam, entre outros, em tirar nódoas, impurezas e borbotos e em cortar nós nos tecidos; (vi) auferia o salário mensal de 54.750$00, acrescido dos subsídios de férias e de Natal de igual montante cada e do subsídio de alimentação de 8690$00; (vii) desde Agosto de 1996, os trabalhadores da ré patronal passaram, por ordem da Administração desta, a utilizar um produto tira nódoas de tecidos Tristabil, produto este altamente tóxico, tendo na sua composição tricloroetileno, sendo os riscos da sua manipulação a intoxicação aguda, manifestada por sintomas digestivos, neurológicos, cardíacos e respiratórios, desde embriaguez até coma profunda; (viii) procediam à manipulação do Tristabil com uma pistola, de forma a pulverizá-lo sobre o tecido, e com uma frequência de não mais de duas a três horas em cada semana; (ix) sucede que a manipulação do Tristabil obriga a procedimentos especiais, dada a sua toxicidade e consequente perigosidade, nomeadamente a utilização de sistemas de captação e ventilação adequados, controlo periódico da atmosfera, equipamento de protecção respiratória e utilização de EPIs; (x) a Administração da ré patronal sabia bem que tais requisitos eram necessários, mas não os pôs à disposição das suas trabalhadoras, nomeadamente da filha dos autores, obrigando-as a manipular o Tristabil sem o mínimo de condições; xi) apesar das queixas insistentes de náuseas e vómitos, a filha dos autores e suas colegas de trabalho obtinham como resposta do encarregado geral que com as mesmas queriam apenas furtar-se ao trabalho; (xii) nos dias 14, 15, 16 e 17, durante todo o dia, e no dia 18 da parte da manhã, todos no mês de Outubro de 1996, a filha dos autores, assim como as colegas DD, EE e FF, no cumprimento das ordens que lhes foram dadas, manipularam o Tristabil sem qualquer protecção e de forma contínua durante mais de 40 horas; (xiii) tal situação determinou, face à exposição prolongada, uma intoxicação aguda, conforme relatório de autópsia, que foi causa directa da morte da filha dos autores; (xiv) com efeito, tendo a mesma dado entrada no Hospital Distrital de Castelo Branco pelas 14 horas do dia 18 de Outubro de 1996, veio a falecer no dia 12 de Novembro de 1996, no Hospital da Universidade de Coimbra, para onde tinha sido transferida; (xv) desde a data em que ocorreu o acidente que determinou o internamento da filha dos autores até à morte desta decorreram 22 dias, durante os quais ela esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (ITA); (xvi) no dia 11 de Novembro de 1997, deslocaram-se da sua residência a este Tribunal para participarem na tentativa de conciliação; (xvii) a ré patronal tinha transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré Empresa-B, pela apólice de seguros nº 22912; (xviii) o acidente que vitimou a filha dos autores ocorreu por culpa grave da Administração da ré patronal, por ter obrigado aquela a trabalhar com inobservância total das condições mínimas de higiene e segurança no trabalho, conforme, aliás, apurou a Inspecção-Geral do Trabalho no Inquérito de Acidente de Trabalho de 28 de Outubro de 1996; (xix) pelo que, nos termos da Base XVII, nºs, alínea a), e 2, da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, a ré patronal é responsável pela indemnização agravada; (xx) a ré seguradora, nos termos do disposto na Base XVII, nº 4, da mesma Lei é apenas responsável subsidiariamente pelas prestações normais; (xxi) os autores sempre viveram com a sua filha, por ela nutrindo profundo afecto; (xxii) a perda daquele ente querido causou-lhes sofrimento e dor incomensuráveis, daí que tenham direito a indemnização por perda do direito à vida e danos morais, por parte da ré patronal, nos termos da Base XVII, nº 3, da Lei nº 2127, uma vez que o acidente ocorreu por culpa exclusiva dos legais representantes desta.
A ré patronal contestou (fls. 111 a 116), afirmando que: (i) a sinistrada só começou a trabalhar para si em Abril de 1989 e o horário de trabalho da mesma era apenas de 42,5 horas semanais; (ii) sempre proporcionou aos seus trabalhadores boas condições de trabalho; (iii) as instalações fabris são muito ventiladas, sendo a área da casa de 1200 m2, com um pé direito de 5 m de altura; (iv) havia máscaras à disposição das trabalhadoras junto ao local de trabalho e ordens para a sua utilização, o que, porém nem sempre era observado; (v) a sinistrada, mesmo antes da aplicação do produto, ia para a casa de banho, deitar-se sobre uma tela de tecido para descansar, e, quando era chamada à atenção pela encarregada, respondia que sempre tinha aquele mal estar e que sempre tivera problemas respiratórios; (vi) contra as ordens expressas da Administração, a sinistrada comia, durante qualquer hora do dia, no local de trabalho, não lavando as mãos, chegando ao cúmulo de ter ao colo vários pasteis de bacalhau, consumindo-os ao mesmo tempo que usava a pistola com o produto Tristabil sem lavar as mãos; (vii) o pano que lhe servia de avental era o mesmo que durante a interrupção de trabalho lhe servia de almofada para dormir; (viii) as características próprias do trabalho efectuado, tornam impossível o uso do produto durante 40 horas continuamente; (ix) já pagou as despesas do funeral; (x) possui várias casas de banho novas e limpas a poucos metros de distância do local de trabalho, refeitório limpo e com todas as condições, médica de Higiene e Saúde do Trabalho, edifício bem arejado, máscaras de protecção sempre à disposição, formação na área de higiene e segurança no trabalho, com cursos ministrados pela própria empresa e ventilação de ar puro; (xi) acresce que, no caso concreto da falecida CC, a encarregada geral a aconselhou algumas vezes a ir ao médico, e foi o director de pessoal, GG, que, numa dessas ocasiões, mais concretamente no dia 18 de Outubro de 1996, perante a habitual recusa da sinistrada, lhe impôs que fosse ao Hospital, facultando-lhe transporte; (xii) na urgência do Hospital de Castelo Branco, nada encontraram de anormal na CC, a qual regressou a casa nesse mesmo dia; (xiii) na manhã do dia seguinte, foi a DD novamente ao Hospital, sendo posteriormente evacuada para Coimbra de ambulância; (xiv) houve da sua parte (ré patronal) todo o empenho possível nos cuidados a ter, não lhe sendo exigível comportamento diverso, pelo que nada tem a pagar a título de indemnização, devendo ser absolvida do pedido.
A ré seguradora também contestou (fls. 120 a 127, dizendo que: (i) a falecida filha dos autores não foi vítima de qualquer acidente de trabalho, mas sim de doença profissional, pois "acidente" é, por natureza, qualquer ocorrência súbita ou imprevista, o que não ocorreu no caso dos autos, pois, face à ausência de protecção para as trabalhadoras que eficazmente as protegesse, o facto ocorrido era, infelizmente, previsível, e, além disso, o facto ocorreu na sequência de um processo degenerativo ou lento que afectou a...
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...Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros Editor, Lisboa, 1984, pp. 208/210. [10] Neste sentido Acórdão do STJ de 21.11.2001, Processo nº 01S1591, in [11] Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República anteriormente citado. [12] CARLOS ALEGRE, obra citada, pp. 37/38. [13......
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