Acórdão nº 0177/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA (2ª Subsecção): 1 - A...

e outros, devidamente identificados nos autos, interpõem recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 30.06.2005 (fls. 699/724), que negou provimento ao recurso contencioso de anulação que dirigiram contra o despacho da SECRETÁRIA DE ESTADO DA SEGURANÇA SOCIAL, de 19 de Setembro de 2002, que deu por finda a Comissão de Serviço como Directores dos Centros Distritais do Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS).

Na respectiva alegação formularam as seguintes CONCLUSÕES: I - O Instituto da Solidariedade e Segurança Social (ISSS) é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a natureza de Instituto Público, nos termos dos seus Estatutos, que integram o Decreto-Lei n° 316-A/2000, de 7/12.

II - Os 18 recorrentes foram nomeados pela tutela, por proposta do Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, cada um deles, para director de um dos 18 Centros Distritais de Solidariedade e Segurança Social, tendo desempenhado essas funções zelosamente, cumprindo todas as orientações que lhes foram dadas sem que qualquer reparo alguma vez lhes tenha sido efectuado pelo referido Conselho Directivo do ISSS, pela autoridade recorrida ou, mesmo, pelo Ministro da Segurança Social e Trabalho.

III - Assim, em concreto, a autoridade recorrida não invocou qualquer facto, que fundamente a cessação das comissões de serviço dos recorrentes e que consubstancie o único fundamento invocado nos 18 despachos da autoridade recorrida, de cessação da comissão que estes tiverem conhecimento em 23/09/02, (à excepção da recorrente ..., que só teve conhecimento em 27/09/02); (...) necessidade decorrente de imprimir nova orientação à gestão dos serviços e de modificar as políticas a prosseguir (...).

IV - Na verdade, os alegados despachos são desenvolvimento do despacho n.º 18 006/2002, de 17.07, de Sua Excelência a Secretária de Estado da Segurança Social, publicado no Diário da República, II Série, de 12.08, pelo qual, em clara afronta à autonomia regulamentar do ISSS e relevando de uma intolerável intromissão na sua vida "doméstica", se aditou uma alínea f) ao art.º 12.° do Regulamento do Pessoal Dirigente e de Chefia do ISSS - aprovado pelo despacho n.º 11 464/2001, de 23 de Abril, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Maio -, que permitia, ao arrepio da respectiva economia normativa interna, a cessação das comissões de serviço do pessoal dirigente e de chefia deste instituto por iniciativa do membro do Governo competente (e não do seu órgão máximo, isto é, o Conselho Directivo) e com preclusão do direito à correspondente indemnização.

V - O Conselho Directivo do ISSS, nos termos dos seus estatutos - Decreto-lei nº 316-A/2000 - e do Regulamento de Pessoal Dirigente e de Chefias - aprovado pelo despacho do SESSS nº 11 464/2001, publicado no DR, II Série de 30 de Maio de 2001, deliberou designadamente através da sua deliberação nº 286 "aprovou o modelo/minuta de acordo a celebrar entre o ISSS e os trabalhadores que venham a ser nomeados para o exercício, em comissão de serviços, de cargos dirigentes", em que se previa "considerando que o exercício de funções/cargos dirigentes e outros se desenvolve no quadro específico do ISSS, obedecendo ao regime estabelecido nos estatutos, no regulamento e supletivamente no contrato individual de trabalho", e, ainda, "a aplicação do regime do contrato de trabalho em tudo o que não estiver expressamente previsto nos estatutos e no regulamento do pessoal dirigente e de chefia". Assim, contrariamente ao sustentado pela autoridade recorrida não é aplicável ao caso sub judice, o regime dos dirigentes da administração pública, mas o regime específico previsto nos estatutos do ISSS, regulamento de pessoal dirigente e chefias e na legislação do contrato de trabalho.

VI - Desde logo, importa sublinhar que estamos, no caso vertente, na presença de actos (os despachos por via dos quais se pôs termo ou deu por finda a comissão de serviço dos recorrentes) que padecem do vício de incompetência absoluta, também apelidado de falta de atribuições, o que acarreta, ipso jure, de acordo com doutrina e jurisprudência unânimes, a respectiva nulidade (cf., neste sentido, FREITAS DO AMARAL (com a colaboração de LINO TORGAL); VII - Em lugar algum se encontra a norma atributiva de competência ao membro do Governo para operar a "destituição" do pessoal dirigente e de chefia do ISSS, em que há forçosamente que inscrever os directores dos CDSSS, ex vi art.º 2.°, n.º 2, do mencionado regulamento. A cessação das suas funções apenas pode ter lugar, nas hipóteses de hetero-iniciativa (isto é, excluindo as de auto-iniciativa do trabalhador), por deliberação do Conselho Directivo, acompanhada, sempre, da correspondente indemnização, conforme previsto no n.° 1 do art.° 13.° do Regulamento do Pessoal Dirigente e de Chefia (com as excepções contempladas nos seus nºs 2 e 3). Tal deve-se, obviamente, à «procura de um certo distanciamento face à política partidária» (VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, 1997, p. 330), sendo justamente por esta ordem de razões, ou seja em ordem a garantir a estabilidade, coerência e unidade de acção do ISSS, refreando o apetite dos membros do Governo por saciar as clientelas político-partidárias, que fica vedado a estes últimos o poder de se imiscuírem no terminus de funções do pessoal dirigente e de chefia daquele instituto.

VIII - Assim, os despachos em crise de S. Ex.ª a Secretária de Estado da Solidariedade e Segurança Social, ao terem dado por finda a comissão de serviço dos directores dos CDSSS do ISSS, substituindo-se à competente deliberação do respectivo Conselho Directivo, estão letalmente feridos do vício de incompetência absoluta, por serem estranhos às atribuições da pessoa colectiva pública (Estado) de que participa o órgão que os prolactou, agredindo, do mesmo passo, a esfera de atribuições do ISSS, conforme legalmente delimitada nos respectivos Estatutos. Razão pela qual os actos em apreço se traduzem, ao pretender apressada e abusivamente assimilar o ISSS a um serviço da administração directa do Estado (à laia de uma qualquer Direcção-Geral) e ao ignorar a sua condição de organismo da sua administração indirecta numa ofensa ao disposto no art.° 199.°, alínea d), da Lei Fundamental e, num plano mais preciso e imediato, do preceituado no art.° 133.°, n.° 2, alínea b), 2ª. parte, do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi emprestada pela Lei n.° 6/96, de 31 de Janeiro), o que tudo conduz, inelutavelmente, à respectiva nulidade.

IX - E nem se obtempere que os actos em apreço foram praticados ao abrigo da aditada alínea f) ao art.º 12.° do Regulamento do Pessoal Dirigente e de Chefia do ISSS, segundo a qual o exercício dos cargos dirigentes e de chefia de sector pode igualmente cessar (e passamos a transcrever) "Por despacho fundamentado do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, nos termos do art.° 20. °, n.° 2, alínea a), da Lei n.° 49/99, de 22 de Junho." Em boa verdade, este acto administrativo, em que, sob o manto da forma regulamentar, se oculta um acto com destinatários ostensivamente individualizados, ou pelo menos individualizáveis, sem prejuízo de ir dirigido a disciplinar uma situação recortada em termos puramente abstractos, o que, a confirmar-se, briga com o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos) que modificou a redacção do n.° 1 do art.° 12.° do Regulamento o Pessoal Dirigente e de Chefia do ISSS deve considerar-se, sob todos os pontos de vista juridicamente relevantes, como nulo e de nenhum efeito. Mas, mesmo que se considere que estamos perante um regulamento, também ele é, pelos mesmos fundamentos nulo e de nenhum efeito.

X - Ante esta competência estatutariamente consignada ao Conselho Directivo do ISSS, natural se torna que no art.º 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 316-A/2000, de 7 de Dezembro, que procede à aprovação desses mesmos estatutos, se limite a reservar para o membro do Governo um simples poder de aprovação, por despacho, do regulamento interno do ISSS. A alteração ao Regulamento do Pessoal Dirigente e de Chefia do ISSS (independentemente da sua qualificação como regulamento ou acto administrativo) enferma, por esta forma, de nulidade absoluta, importando esta sua completa inaptidão para produzir quaisquer efeitos jurídicos a concomitante impossibilidade de nela (alínea f) do art.° 12.° do regulamento em questão, aditada pelo já sobejamente referido despacho de S. Ex.ª a Secretária de Estado da Segurança Social) ancorar ou fundar os despachos ora objecto de impugnação.

XI - Sem que em tal se conceda, e ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se entenda que os despachos que ditaram o fim da comissão de serviço dos recorrentes não padecem do vício de nulidade, sempre haverá que dizer que os mesmos carecem em absoluto de fundamentação. E a razão é, aliás, bem simples. Com efeito, os despachos de S. Ex.ª a Secretária de Estado da Segurança Social limitam-se a recalcar os dizeres da Lei, condensados, designadamente, no art.º 20.°, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho (pese embora a sua inaplicabilidade ao caso sub judice), sem que se aduza um único facto capaz de comprovar esta inaptidão dos ora impugnantes para acompanhar e introduzir as novas linhas programáticas definidas politicamente para o sistema de segurança social.

XII - Assim, importa concluir pela anulabilidade dos actos em questão, por força da violação, conjugada, dos n.ºs 1 e 2 do art.º 125.° do Código do Procedimento Administrativo e atento o preceituado no art.º 135.° do mesmo diploma legal.

XIII - Ao que há que ajuntar, em termos que reputamos de decisivos, que, de harmonia com o que estabelecem os Estatutos do ISSS, aprovados pelo Decreto-Lei...

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