Acórdão nº 01128/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa veio interpor recurso, por oposição de acórdãos, do acórdão da 2.ª Subsecção deste Tribunal, de 14.2.06, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional deduzido da sentença do TAC de Lisboa, que declarara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no recurso contencioso instaurado por A…, e permitiu "a substituição do objecto do recurso nos termos do art.º 51, 2 da LPTA".

Terminou essa alegação inicial formulando as seguintes conclusões: 1.ª- O Acórdão recorrido, de 14 de Fevereiro de 2006 e os Acórdãos fundamento de 30 de Novembro de 1995 e de 13 de Fevereiro de 2003 decidiram de forma diversa sobre o caso em que ocorra ratificação-sanação de acto administrativo.

  1. - Trata-se no presente recurso de decidir se na situação de substituição do acto sob recurso, por ratificação sanação por o mesmo ter sido expurgando dos vícios que o inquinavam, com o intuito de o manter válido na ordem jurídica, se tal não determina a perda de objecto do recurso, resultando a extinção da instância ao abrigo da al. e) do art.º 287° do CPC ou se pelo contrário é possível aplicar o artº 52°, n° 1 da LPTA, substituindo-se o objecto do recurso, mantendo-se a instância.

  2. - Não foram as particularidades de cada caso nem a existência de alteração substancial da regulamentação jurídica que determinaram que as decisões tomadas relativamente à mesma questão jurídica fundamental fossem opostas.

  3. - Encontram-se, assim, preenchidos os requisitos previstos na alínea a), do artigo 22°, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  4. - O acórdão recorrido entende que se deve dar igual tratamento quer aos actos revogatórios quer aos actos de ratificação-sanação, pois em termos substantivos ambos têm os mesmos efeitos, tal interpretação não pode omitir o pensamento do legislador, e que a sua vontade se encontra expressa na letra de lei, para além dos princípios gerais que enformam o direito, tal como expressa o acórdão fundamento de 30.11.95.

  5. - Ao remeter, em parte, na consagração do regime geral da ratificação, para o regime da revogação, o legislador confinou-o às normas que regulam a competência para a revogação de actos inválidos e sua tempestividade, não para a norma remissiva de índole substantiva que se encontra no artº 147° do CPA, que a nosso ver não tem aplicabilidade para as situações de natureza adjectiva, como é o caso.

  6. - A natureza excepcional que foi conferida à norma contida no n.º 2 do artº 52° da LPTA, não pode ser olvidada, pois "o legislador não se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia, mas disse precisamente o que queria; ".

  7. - Deve ser atendido o espirito da lei, designadamente a norma contida nesta mesma LPTA, no seu artº 48°, segundo a qual poderá prosseguir-se o recurso, somente nos casos de revogação "ex nunc" restringido aos efeitos produzidos pelos actos impugnados.

  8. - No caso da ratificação-sanação de um acto administrativo, há supressão da ilegalidade que o vicia; a prolação de um tal acto substitui o acto sanado na ordem jurídica, pelo que carece originariamente de objecto o recurso contencioso dirigido contra o acto primário que entretanto foi alvo de sanação, daí que a instância de tal recurso contencioso se torne supervenientemente impossível, tal como expressa claramente o acórdão fundamento de 13.02.2003.

  9. - Por outro lado admitir que se mantenha o recurso, tendo por objecto novo acto, poderá atentar contra o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 268.º, do Código do Processo Civil (vide acórdão fundamento de 30.11.95).

  10. - A recorrente pugna, assim, pela manutenção da posição adoptada pelos doutos Acórdãos que servem de fundamento ao presente recurso.

    Nestes termos e nos demais de Direito, verificada que foi a existência de oposição de acórdãos, nos termos previstos na alínea a"), do artigo 22°, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 103 da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, deverá a mesma ser julgada no sentido de considerar que a jurisprudência mais acertada é a constante dos acórdãos Fundamento.

    A recorrida concluiu assim a sua contra-alegação: 1º O despacho de ratificação-sanação proferido pela Entidade Recorrente substituiu na ordem jurídica o acto ratificado, com efeitos retroactivos; 2º O despacho de ratificação-sanação não expurgou todos os vícios do acto ratificado, conforme alegado pelos recorridos; 3º O despacho de ratificação-sanação continua a manter três dos vícios que podem originar a sua anulabilidade; 4º A presente lide continua a ser processualmente útil e possível; 5º Ao aceitar-se a impossibilidade superveniente da lide e a extinção da instância está-se a violar os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, do direito a um processo judicial célere e o direito a um processo equitativo; 6º Está-se igualmente a violar os princípios da economia processual e da adequação formal do processo; 7º Segundo o entendimento do Acórdão-fundamento, se o Código do Procedimento Administrativo, no seu artº 137º, nº 2, previsse uma remissão genérica para as regras da revogação, era possível a substituição do objecto do presente processo; 8º No entanto, o Código do Procedimento Administrativo prevê, no seu artº 147º, a remissão das normas da revogação para a alteração e substituição dos actos administrativos; 9º A norma do artº 51º nº 2, da LPTA, prevê a substituição do objecto do processo quando ocorre a substituição de um acto administrativo; 10º Com a ratificação-sanação efectuada pela ora Recorrente, ocorreu a substituição do acto administrativo por um novo acto administrativo; 11º Logo, é possível no presente processo a substituição do objecto da presente lide, porquanto se mantém os fundamentos para se considerar igualmente o novo acto administrativo anulável; 12º A remissão do artº 147º, do CPA, também se aplica ao direito processual; 13º O direito processual é um direito instrumental do direito material, tendo-se de conformar com as suas regras, que se lhe aplicam por igualdade de razão ou por força do princípio da prevalência das normas materiais sobre as normas processuais; 14º O Direito é um todo, não sendo aceitável defender que o direito processual não deve ter em consideração as normas de direito material.

    15º Em consequência, deve aplicar-se o nº 2 do artº 51, da LPTA, porque o legislador sabiamente e por remissão do artº 147º, do CPA, permite uma aplicação imediata da substituição do objecto do pedido. NOUTRA PERSPECTIVA, MAS SEM CONCEDER, SEMPRE SE CONCLUI O SEGUINTE: 16º As normas excepcionais comportam interpretação extensiva, conforme previsto no artº 11º do Código Civil, e ao contrário do entendido pelo Tribunal "a quo"; 17º As razões de facto e de direito que permitem concluir pela substituição do objecto do recurso, na revogação-substituição de actos administrativos, são exactamente as mesmas para a ratificação-sanação, a reforma e a conversão de actos administrativos, desde que se mantenham válidos os fundamentos já alegados, para a impugnação do novo acto administrativo; 18º O artº 51º nº 2 da LPTA não é uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, mas uma emanação do princípio da economia processual, bem como dos princípios constitucionais já acima referidos; 19º É manifestamente inconstitucional e "contra legem" a interpretação restritiva do artº 51º nº 2 da LPTA, ao entender que a mesma não comporta "aplicação extensiva"; 20º Se a instância se mantém válida relativamente a todos os seus elementos essenciais, e se o espírito da norma contida no artº 52º nº 1, da LPTA, é permitir que num processo iniciado se possa conhecer do mérito da causa, então, tem de se admitir a continuação do presente processo, por interpretação extensiva; 21º A norma do artº 51º nº 2, da LPTA, faz o seu enfoque na substituição do objecto da lide, e não na revogação, pelo que o legislador quis manifestamente dizer mais do que aquilo que estatuiu; 22º Não é a revogação que permite a substituição do objecto da lide, mas sim a substituição do acto administrativo anterior por um novo acto administrativo; 23º A mera revogação do acto administrativo não é susceptível de substituição, porque desaparecem os fundamentos para a sua anulabilidade; 24º Qualquer interpretação das normas administrativas tem de ser feita ao abrigo dos princípios antiformalista e pro actione; 25º Em conformidade, a norma do artº 51º nº 2, da LPTA, admite, por interpretação extensiva, a sua aplicação ao pedido de substituição do presente processo, porque se mantém válidos todos os pressupostos processuais e os fundamentos já invocados. AINDA NOUTRA PERSPECTIVA, MAS TAMBÉM SEM CONCEDER: 26º Se a norma do artº 51º nº 2, da LPTA, não tem de todo aplicação ao pedido de substituição do objecto da presente lide, então também não é forçoso concluir que tenha aqui aplicação a norma do artº 268º, primeira parte, do Código de Processo Civil; 27º O princípio da estabilidade da instância está hoje completamente postergado pelo princípio da adequação formal do processo, constante do artº 265º-A, do CPC; 28º O CPC permite expressamente que se altere a causa de pedir, mesmo na falta de acordo das partes; 29º Antes de se aplicar a primeira parte do artº 268º do CPC, tem de se buscar solução processual para a alteração da causa de pedir, por força da previsão contida na segunda parte do mesmo preceito legal; 30º Acresce que, o princípio da estabilidade da instância não significa imutabilidade da instância; 31 Acresce que, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide obrigam a um juízo de valor autónomo; 32º Nos termos do artº 273º nº 1, segunda parte, e do nº 6, é possível pugnar e decidir pela substituição do objecto da presente lide, porque não há alteração da relação jurídica controvertida, ou seja, mantém-se os mesmos fundamentos e o mesmo pedido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT